08 de Janeiro de 2019, terça-feira: Todos comeram, ficaram satisfeitos, e recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e também dos peixes. O número dos que comeram os pães era de cinco mil homens (vv. 42-44).

Leitura: 1Jo 4,7-10

Neste discurso sobre o amor, o autor da carta atinge seu ápice, quando tenta e ousa definir que Deus é amor (4,8.16).

Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus.  Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor (vv. 7-8).

A carta já falava do mandamento do amor mútuo (cf. 2,7-11; 3,23; Jo 13,34; 15,12.17; 1Ts 4,9; 1Pd 1,22). Quem guarda os mandamentos, é justo e ama, “nasceu de Deus”, então é filho de Deus (cf. 2,29; cf. Jo 1,12s). Já nossa filiação divina é um “grande presente de amor” do Pai (3,1). Na linguagem bíblica, “conhecer” e “amar” podem significar a mesma coisa (cf. Mt 1,25; Lc 1,34; Gn 4,1.17.25; 19,8; 24,16 etc.), por isso só pode chegar ao conhecimento de Deus quem ama. O amor não se entende teoricamente, mas sim por experiência inter-humana (vv. 7-8).

Temos três célebres descrições joaninas de que Deus é: “Deus é espírito” (Jo 4,24), “Deus é luz” (1 Jo 1,15), e agora “Deus é amor” (1Jo 4,8,16). Mais de trinta vezes em 4,7-5,3 aparecem as palavras “amor” ou “amar”. Religiões antigas veneravam o amor como uma divindade entre outras; o único e verdadeiro “Deus é amor”, afirma João. A origem do amor é Deus, que é amor infinito e concreto ao mesmo tempo.

No AT, Deus ama seu povo Israel (cf. Is 54,8; Dt 4,37; 10,15; Jr 31,3; Sf 3,17; Ml 1,2). Seu amor eterno é semelhante ao amor de um pai por seus filhos (cf. Is 1,2; 49,14-16; Jr 31,20; Os 2,25; 11,1-4) ou a paixão de um homem por uma mulher (cf. Is 62,4-5; Jr 2,2; 31,21-22; Ez 16,8.60; Os 2,16-17.21-22; 3,1).

Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados (vv. 9-10).

O amor de Deus é gratuito e iniciativa dele (v. 9). Deus manifestou seu amor na missão do único Filho como salvador do mundo (vv. 7-9; 3,16; 4,14; Jo 3,16; 4,42; cf. Rm 4,24-25; 5,8; 8,31-39) “para que tenhamos vida por meio dele” (cf. Jo 10,10; 14,6; 20,31). Entretanto este amor que se manifesta na história da salvação, revela no mesmo tempo o amor do Pai por seu Filho (Jo 3,35; 5,20; 10,17; 15,9; 17,26). Todo amor vem de Deus (v. 7) e reflete entre nós a própria vida das pessoas na Santíssima Trindade, modelo para a comunidade.

O horizonte de Sb 11,24 é o universo: “Amas todos os seres que fizeste”; o de João é a salvação (v. 14): “vítima da reparação/expiação por nossos pecados” (v. 10; 2,2) é termo do culto sacerdotal do AT (Ex 29,36-37) e evoca o sacrifício voluntario de Jesus na cruz que intercede por nós (cf. Ap 5,9-10). Já em 3,16, definiu-se: “Nisto conhecemos o amor: ele deu sua vida por nós”. Dar a própria vida em favor dos amados é o “amor maior” de Jo 15,12 (cf. 1Cor 5,5-8).

Salmo Responsorial 72(71)

 O Sl 72 (71) é um salmo real (cf. Sl 2; 45; 110), talvez cantado na entronização de um rei. É dedicado a Salomão (versão grega) ou escrito por ele (v. 1) ou por Davi (v. 20). O conjunto desse salmo confere ao rei atributos divinos (cf. 36,7; 89,15; 1Rs 3,9.28) com que a tradição reveste a figura de Salomão (cf. 1Rs 3,12-28; 4,20; 10,1-22; Pr 29,14; 1Cr 22,9), rei justo e pacifico. A tradição judaica e cristã viu nele o retrato antecipado do rei messias predito (cf. Is 9,5; 11,1-5; Zc 9,9s), é o ideal de um bom governo, que se baseia na administração da justiça (v. 1). A justiça visa especialmente os pobres e desvalidos (vv. 4.12). Do bom governo se seguem paz e prosperidade (v. 7) e haverá alcance internacional (vv. 10-11.15; cf. a rainha de Sabá em 1Rs 10, a romaria dos povos em Is 60 e dos próprios magos em Mt 2).

 

Evangelho: Mc 6,34-44

O evangelho da multiplicação dos pães é uma epifania, ou melhor, uma cristofania, ou seja, uma manifestação do divino em Cristo, o messias esperado pelo povo, e ilustra bem o salmo responsorial (72-71) que fala da paz e da prosperidade que o rei messias traz através da sua dedicação aos pobres e humildes (Sl 72,2-3.7).

O milagre da “multiplicação dos pães” é a última refeição na Galileia e tem algo de sacramental (v. 41; cf. 14,22 a última ceia em Jerusalém) apesar de faltar o vinho. No AT, há de considerar o pastor que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes em Is (25,6-8; 55,1-2; 65,13-14).

No contexto do seu evangelho, Marcos apresenta este banquete da vida (6,30-44) depois do banquete da morte na corte de Herodes que causou a morte do Batista (Mc 6,17-28).

Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas (v. 34).

Em Mc, Jesus é diferente dos mestres da lei e outras lideranças que eram maus pastores deixando o povo na miséria (cf. Ez 34; Mc 1,22; 2,6-8.23-3,6). Jesus “teve compaixão” (1,41; cf. Mt 9,36), porque eram “como ovelhas sem pastor” (cf. Nm 27,17; 1Rs 22,17; Zc 10,2). Primeiro Jesus distribui a palavra (ensino sobre o reino, cf. 1,15.21s.38; 2,2; 4,1s.11 etc.) e depois o pão (necessário de cada dia, cf. Mt 4,4p; 6,11p).

Quando estava ficando tarde, os discípulos chegaram perto de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e já é tarde. Despede o povo, para que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar alguma coisa para comer.” Mas, Jesus respondeu: “Dai-lhes vós mesmos de comer.” Os discípulos perguntaram: “Queres que gastemos duzentos denários para comprar pão e dar-lhes de comer?” Jesus perguntou: “Quantos pães tendes? Ide ver.” Eles foram e responderam: “Cinco pães e dois peixes.” (vv. 35-38).

O diálogo de Jesus com os discípulos serve para contrastar a visão empírica e calculadora deles com a soberania pródiga do mestre: o salário de 200 dias (um “denário” é uma moeda de prata, a diária de um lavrador, cf. Mt 20,2) contrasta com apenas cinco pães e dois peixes. Não é com a lógica do mercado, mas com a colaboração e partilha dos discípulos (v. 37: “Dai-lhes vós mesmos de comer”) que Jesus sacia a multidão.

Era um “lugar deserto e afastado” (v. 32), mas na beira do lago (mar da Galileia), onde Jesus queria descansar com seus discípulos (v. 31). Os cinco pães e dois peixes era o lanche para o passeio de barco dos discípulos. Poderiam pescar mais, mas o “deserto” prepara o alimento milagroso como antigamente Moisés com o maná no deserto (Ex 16; Nm 11).

Então Jesus mandou que todos se sentassem na grama verde, formando grupos. E todos se sentaram, formando grupos de cem e de cinqüenta pessoas. Depois Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia dando aos discípulos, para que os distribuíssem. Dividiu entre todos também os dois peixes (vv. 39-41).

Como antigamente Moisés (Ex 18,21,25; Nm 31,14; Dt 1,15), Jesus manda organizar o povo em grupos e sentar na grama verde (v. 39, cf. Sl 23), como convidados livres e não ficar de pé como escravos. Como todo judeu piedoso (anfitrião ou pai de família), Jesus reza antes da refeição dando graças e distribui os pães. Esta bênção (beraká) sobre os alimentos está na origem da Oração Eucarística. Em Jo 6, a multiplicação dos pães é seguida pelo discurso sobre o “pão da vida”.

Todos comeram, ficaram satisfeitos, e recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e também dos peixes. O número dos que comeram os pães era de cinco mil homens (vv. 42-44).

Os números são simbólicos: cinco pães para 5000 pessoas lembram o “Penta-teuco” (os primeiros “cinco livros” da Bíblia, chamada em hebraico Torá, a “lei” de Moises) e os doze cestos que sobram, lembram as doze tribos de Israel.

Em 8,1-9, Mc conta outra multiplicações dos pães, desta vez para os pagãos fora da terra de Israel e com outros números: sete pães, sete cestos e 4000 pessoas lembram os sete dias da criação (cf. sete diáconos para os helenistas em At 6,1-6) e os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste). Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos a deram, provavelmente na suas assembléias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), fica para nós o incentivo de partilhar e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44-45; 4,32.34-35).

O site da CNBB resume: Jesus é o pastor segundo o coração de Deus, realizando assim a profecia de Jeremias, e é também o próprio Deus que vem apara apascentar o seu povo, conforme nos diz o profeta Ezequiel. Ele vem porque Deus tem compaixão do seu povo que está como ovelhas que não têm pastor. Jesus é o pastor que alimenta o rebanho com a palavra, ensinando-lhes muitas coisas, e com o alimento material, multiplicando os pães e os peixes. Como continuadores da missão pastoral de Jesus, devemos nós também dar a nossa contribuição para que o povo seja formado na fé, possa lutar pela superação da miséria e da fome, e tenha condições de conhecer e viver os valores do Reino de Deus.

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