09 de Janeiro de 2021, Sábado – Natal – Semana da Epifania: Jesus foi com seus discípulos para a região da Judeia. Permaneceu aí com eles e batizava. Também João estava batizando, em Enon, perto de Salim, onde havia muita água.

Natal  – Semana da Epifania sábado

Leitura: 1Jo 5,14-21

Como no evangelho (Jo 21), à conclusão (v. 13; Jo 20,31) segue-se uma nota adicional. Este final da carta apresenta quatro certezas, “(nós) sabemos…” (vv. 15.18.19.20), e recapitula vários temas: vida, espírito, mundo, maligno, pecado, confiança (fé), Filho de Deus, filhos de Deus.

Esta é a confiança que temos em Deus: se lhe pedimos alguma coisa de acordo com a sua vontade, ele nos ouve. E se sabemos que ele nos ouve em tudo o que lhe pedimos, sabemos que possuímos o que havíamos pedido (vv. 14-15).

A primeira certeza se refere à oração e se chama confiança, baseada na fé e na conformidade à vontade divina: “de acordo com a sua vontade” (cf. 3,22; Jo 14,13; 15,7; 16,24; Mt 7,7; 21,22; Mc 11,24; para exemplo de Cristo: Jo 11,41s; Mc 14,36). Preocupado unicamente em obedecer aos mandamentos de Deus e atento o que lhe agrada, o crente não pode pedir mais coisa alguma que não corresponde à vontade divina. Em tal oração, Deus reconhece seu Espírito (Rm 8,26s).

Se alguém vê seu irmão cometer um pecado que não conduz à morte, que ele reze, e Deus lhe dará a vida; isto, se, de fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte, mas não é a respeito deste que eu digo que se deve rezar. Toda iniquidade é pecado, mas existe pecado que não conduz à morte (vv. 16-17).

Pelo termo “vida”, o pedido de oração pelo irmão une-se aos vv. 11-13 (cf. leitura de ontem), pela súplica à intercessão de 2,1. É segundo a vontade de Deus que quer que o homem se converta e viva (Ez 18,23.32). Contudo há casos em que Deus rejeita a intercessão porque já deu a sentença irrevogável da morte (Jr 14,11-15,2). Morte designa aqui a morte escatológica da alma, a “segunda morte” (Ap 2,11; 20,6.14; 21,8). Existe pecado, que não conduz à morte (cf. Dt 22,26) e “existe um pecado que conduz à morte”. Este último pode ser apostasia (abandonar a fé) ou, no contexto da carta, a “iniquidade”, ou seja, a heresia que divide Jesus (separa o homem Jesus do Cristo espiritual; cf. 4,3 e o comentário de segunda-feira passada), intercepta o acesso à comunhão com Deus e conduz à ruína espiritual definitiva (Mt 12,31-32p: a “blasfêmia contra o Espírito Santo”; cf. Hb 10,26-31).

Sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca; aquele que é gerado por Deus o guarda, e o Maligno não o pode atingir (v. 18).

Três versículos (vv. 18.19.20) começam por “(nós) sabemos”. O v. 18 fala da segunda certeza: a incompatibilidade entre pecado e filiação divina (cf. 3,6.9; Jo 1,12s). “Aquele que é gerado por Deus” é Jesus, o Filho de Deus (cf. Credo niceno-constantinopolitano: “gerado do Pai antes de todos os séculos, … gerado, não criado”). Ele guarda do Maligno (cf. Jo 17,15; Jd 1) os que têm sido gerados por Deus, os filhos de Deus (3,1), os que crêem (5,1), praticam a justiça (2,29) e o amor (3,10; 4,7)

Nós sabemos que somos de Deus ao passo que o mundo inteiro está sob o poder do Maligno (v. 19).

A terceira certeza é que “somos de Deus” (v. 9; 4,4.6; cf. Jo 8,47), mas “o mundo inteiro está sobre o poder do maligno” (cf. 2,16; Jo 12,31; 14,30; 16,11); em Jo 14,14-17 temos a mesma sequência: não ser do mundo, guardar do maligno, consagrar pela verdade (cf. vv. 18-20).

Nós sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu inteligência para conhecermos aquele que é o Verdadeiro. E nós estamos com o Verdadeiro, no seu Filho Jesus Cristo. Este é o Deus verdadeiro e a Vida eterna (v. 20).

A quarta certeza é a encarnação do Filho de Deus que veio e nos revelou o Deus verdadeiro (Jo 1,18; 8,31s; 14,6; 17,3; 1Ts 1,9; Ap 3,7): “nos deu inteligência para conhecermos aquele que é o verdadeiro”. Esta inteligência designa a faculdade de “conhecer” a Deus, isto é, entrar em relação pessoal (amar), viver em comunhão com ele e guardar o mandamento do amor fraterno (cf. 2,3). É o equivalente do coração novo (Ez 11,19; 36,26) ou ainda do fundo do ser (Jr 31,33) no qual Deus escreverá sua lei no tempo da Nova Aliança. O fato de que Deus nos tenha dado este entendimento significa que em Cristo este tempo chegou (cf. 2Cor 3,3; Rm 8,14; Cl 1,10; Ef 1,8.17-18). A repetição da palavra “o verdadeiro” convida para tornar este termo como substantivo e pode-se traduzir também “Jesus Cristo, ele é o Verdadeiro, é Deus e a Vida eterna” (cf. 1,2; Jo 1,1.5; 11,25; 14,6; 20,28; Ap 3,7.14; Rm 9,5).

Filhinhos, guardai-vos dos ídolos (v. 21).

O final, a última advertência (“guardai-vos dos ídolos”) parece fora do contexto, mas é causada pela lembrança do único Verdadeiro que conhecemos em oposição aos ídolos, os falsos deuses. Na profecia sobre uma nova aliança em Ez 11,19-21; 36,25-26, como aqui, o novo entendimento (coração novo, espírito novo) está ligado à destruição dos ídolos: o novo Israel deve ser deles purificado pelo Espírito de Deus. Os ídolos são deuses falsos, mentiras, podem designar o paganismo, ou então os “ídolos de coração” (Qumrã) que afastam da fé e do amor ou, nesta conclusão da carta, o ensinamento dos hereges anticristos (2,18s.22; 4,1-3), realidade tentadora da qual o homem fabrica para si uma divindade de mentira a qual seu coração se prende (Ez 11,21) e que corrompe a sua fé. Assim o conjunto do epílogo retoma o tema fundamental da Nova Aliança (cf. 1Cor 11,25; Mc 14,24p; Jr 31,31-34). A Bíblia latina (Vulgata) acrescentou: Amém.

Evangelho: Jo 3,22-30

O quarto evangelho nos contou como João Batista dava testemunho de Jesus e conduziu dois dos seus discípulos a ele (1,19-34). Depois de Jesus ter encontrado mais discípulos (cf. 1,35-52), dos primeiros conflitos em Jerusalém e da conversa com Nicodemos (2,13-3,21), novamente João Batista dá testemunho o qual o evangelho de hoje apresenta.

Jesus foi com seus discípulos para a região da Judeia. Permaneceu aí com eles e batizava. Também João estava batizando, em Enon, perto de Salim, onde havia muita água. Aí chegavam as pessoas e eram batizadas. João ainda não tinha sido posto no cárcere (vv. 22-24).

Enquanto nos evangelhos sinóticos (Mt, Mc, Lc) Jesus ficava mais na Galileia (com exceção de dois passeios para regiões vizinhas e pagãs (Decápole, Sidônia), em Jo, Jesus se movimenta muito mais entre a Galileia e a Judeia (e sua capital Jerusalém). Depois do seu batismo, Jesus havia voltado para Galileia, viajou com seus discípulos para Jerusalém pela primeira vez para purificar logo o Templo (o sinóticos contam isso só no final, antes da paixão). Agora voltando de novo, passa para região rural da Judeia e começa batizar (não diz quer era no rio Jordão). Depois entrará na Samaria (região entre Judeia e Galileia, cap. 4). Em 4,1-3 desmente-se que o próprio Jesus havia batizado, só seus discípulos batizavam.

Estas discordâncias indicam as diversas etapas nas quais o quarto evangelho foi escrito. Numa dessa, precisava esclarecer que João ainda não estava preso, porque nos outros evangelhos, ele foi preso logo depois do batismo de Jesus e Jesus começou pregar só depois da prisão dele (cf. Mc 1,14p). A localização de Salim permanece incerta, distinta de Betânia (1,28), talvez na Samaria, ou poderia ser simbólica (Ainon significa fonte, Salim salvação).

Alguns discípulos de João estavam discutindo com um judeu a respeito da purificação. Foram a João e disseram: “Rabi, aquele que estava contigo além do Jordão e do qual tu deste testemunho, agora está batizando e todos vão a ele” (vv. 25-26).

Narra-se uma disputa entre os discípulos de João e um judeu (sem nome), mas se trata de um conflito posterior entre os discípulos de João e os seguidores de Jesus: Qual o batismo que os cristãos devem receber? Vale o batismo de João ou o batismo cristão (cf. At 18,25; 19,1-6)? No lava-pés, Jesus faz uma possível alusão ao batismo de João: “Quem se banhou, não tem necessidade de se lavar, porque está inteiramente puro. Vós também estais puros, mas nem todos” (13,10). Jesus fala a Pedro e aos apóstolos que já foram batizados por João e por isso não precisam de outro batismo, ao não ser o lava-pés.

O batismo de João era apenas com água como sinal da conversão dos pecados e não comunicava o Espírito (1,31-33; Mc 1,8p). O batismo cristão (de Jesus) não é apenas sinal de conversão, de uma nova vida pela purificação dos pecados, mas também é sinal da morte e ressurreição de Cristo (e do cristão, cf. Rm 6,3-11) e comunica o Espírito (7,37-39; At 2,38 etc.), pelo qual nos tornamo-nos filhos e herdeiros de Deus (Rm 8,14-17; Gl 3,26-29; etc.).

Os Atos dos Apóstolos narram que, no Concílio de Jerusalém, os apóstolos declararam que a circuncisão dos meninos no oitavo dia aos o nascimento não seria mais necessária para tornar-se cristão e ingressar na Igreja, bastava batizar (At 15). No próximo capítulo, o apóstolo Paulo começa batizar famílias inteiras (e também fora dos rios, cf. At 16). Daí a Igreja Católica desenvolve o costume de batizar também crianças (e dentro das Igrejas, nos batistérios ou pias batismais). As Igrejas ortodoxas e as Igrejas luteranas têm a mesma prática, mas muitas Igrejas protestantes seguem a maneira antiga de João Batista (só adultos e só no rio).

João respondeu: “Ninguém pode receber alguma coisa, se não lhe for dada do céu. Vós mesmos sois testemunhas daquilo que eu disse: Eu não sou o Messias, mas fui enviado na frente dele” (vv. 27-28).

Como antes aos sacerdotes e fariseus (cf. 1,18-28), o próprio João testemunha novamente que o messias não é ele, é Jesus (v. 28; cf. 1,19-35). Ele se subordina a Jesus sem mais ou menos. A missão de João é apenas preparar o caminho (cf. Mc 1,2-7p; Mt 3,3; 11,10; Lc 1,16s.76; Is 40,3).

É o noivo que recebe a noiva, mas o amigo, que está presente e o escuta, enche-se de alegria ao ouvir a voz do noivo. Esta é a minha alegria, e ela é completa. É necessário que ele cresça e eu diminua” (vv. 29-30).

João Batista considera-se somente “amigo do noivo”, que assume a tarefa de conduzir a noiva na noite nupcial; ele vigia na frente do quarto nupcial e se alegra com o noivo quando ouve o júbilo dele pela virgindade da noiva. Depois do casamento, sua missão termina. João pode “diminuir” (v. 30) agora, porque o próprio Jesus conduz agora sua noiva, que é a comunidade.

No AT, Israel é considerada esposa do Senhor (Os 2,21; Ez 16,8; Is 62,4-5 e Ct na interpretação alegórica). No NT, a Igreja é a esposa do Cristo (2Cor 11,2; Ef 5,25-31; Ap 19,7; 21,2; 22,17). Jesus costuma comparar o reino de Deus com uma festa de casamento, no qual ele mesmo é o noivo (cf. Mc 2,19; Mt 22,1-14; 25,1-12; cf. Jo 2,1-12).

Todo cristão, toda cristã deve participar da missão e da alegria de João, atrair e conduzir pessoas para Jesus e seu amor divino (cf. Jo 15,12-13), “diminuir” seu próprio ego (carne, instintos egoístas, ambições, …) e deixar “crescer” Jesus dentro de si, no Espírito, na comunidade.

O contraste “diminuir, crescer” (v. 30) reencontra-se na simbologia das datas litúrgicas. No século IV, a comemoração do nascimento de Jesus foi determinada para a “noite” (Lc 2,8) de 24 para 25 de dezembro. Esta data era o solstício do inverno no hemisfério norte, ou seja, a noite mais longa (hoje é 21/12), mas no hemisfério sul (onde fica Brasil), é o contrário: é a noite mais curta e o dia mais longo.

O nascimento de João Batista celebra-se exatamente seis meses antes (cf. Lc 1,36) em 24 de junho, outro solstício (hoje 21/06) em que, no hemisfério norte, o dia é mais longo, mais depois desta data o sol vai “diminuir” até o dezembro (nascimento de Jesus) no inverno europeu, quando em 24 (21) /12 começar “crescer” novamente. Resumido: no hemisfério setentrional (onde fica Israel e Roma), depois de “São João”, o sol “diminui” e depois do Natal de Cristo, cresce novamente.

O site da CNBB comenta: A missão de Jesus não significa uma oposição ou uma concorrência com a missão de João Batista, antes a sua continuidade e o seu complemento. Assim é que devemos compreender a Igreja de hoje como uma Igreja Ministerial, na qual os diferentes ministérios não significam uma oposição entre si ou uma concorrência entre eles, relevando uma hierarquia entre os diferentes ministérios da Igreja, mas sim uma continuidade da missão do próprio Cristo e como realidades que se complementam na única e permanente missão da Igreja que é a evangelização, e isso só é possível quando buscamos criar uma verdadeira comunhão dentro da Igreja, como havia entre Jesus e João Batista.

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