09 de outubro de 2016 – 28º Domingo, Ano C


1ª leitura: 2Rs 5,14-17

A 1ª leitura combina com o evangelho, porque se narra a cura e a gratidão de um leproso que não é judeu, mas professa sua fé, no Deus de Israel (leitura), no messias Jesus (evangelho).

(Naamã, o sírio) desceu e mergulhou sete vezes no Jordão, conforme o homem de Deus tinha mandado, e sua carne tornou-se semelhante à de uma criancinha, e ele ficou purificado (v. 14).

Nossa liturgia introduz “Naamã, o sírio”, descrito no v. 1 como “general do exército do rei da Síria, … Mas esse homem, valente guerreiro, era leproso”.

Lepra era a doença mais terrível na antiguidade. Uma escrava de Israel que trabalhava na casa de Naamã, falou: “Ah, se meu senhor se apresentasse ao profeta que reside em Samaria, sem dúvida, ele o livraria da lepra de que padece!” (v. 3). Naamã informa seu senhor Aram, o rei da Síria, que o envia com uma carta de apresentação ao rei de Israel. A doença do sírio Naamã é um assunto doméstico, mas ameaça converter-se em conflito internacional: o rei de Israel suspeita que se trata de um pretexto para iniciar uma guerra, já que a cura da lepra era considerada impossível.

Na época, a cura da lepra era vista tal difícil e improvável como a ressurreição de um morto (cf. Mc 1,40-45p; Lc 17,11-19; Jo 11). Hoje a lepra chama-se “hanseníase” segundo o médico Hansen que descobriu a causa e a cura em 1837 d.C.; a causa desta doença é uma infecção dos nervos pelo contágio através de cotículas do hálito, e se não for tratada, afeta a pele tornando- insensível; depois a carne apodrece até caírem membros do corpo e a pessoa morrer. Mas, hoje em dia, se tomar o remédio (comprimidos), a pessoa não contagia mais e sara.

O profeta Eliseu chega a saber do caso e manda dizer ao sírio: “Que venha a mim, para que saiba que há um profeta de Israel” (v. 8). Naamã chega “com seus cavalos e carros, e parou à porta da casa de Eliseu”. Eliseu, porém manda apenas um mensageiro para lhe dizer: “Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e tua carne será curada e ficarás limpo” (v. 10). O general sírio se irrita pensando que Eliseu faria uma recepção e uma cura com meios mais sofisticados. Mas seus servos o convencem: “Se o profeta te mandasse fazer uma coisa difícil, não a terias feito? Quanto mais agora que ele te disse: Lava-te e ficarás limpo” (v. 13).

Para obter a cura, o homem rico e poderoso tem que reconhecer que não é superior, também é um ser humano necessitado como todos os outros que precisam da misericórdia de Deus.

 Sete é número sagrado que significa plenitude (cf. a semana da criação em Gn 1). “Então ele desceu e mergulhou sete vezes no Jordão e sua carne tornou semelhante a uma criancinha” (v. 14). Naamã rejuvenesce pelas águas do Jordão. Hoje, muita esperança se coloca na terapia com células tronco tiradas de embriões; este método é um problema ético, mas se pode adquirir células tronco também através do cordão umbilical e outras partes.

Em seguida, voltou com toda a sua comitiva para junto do homem de Deus. Ao chegar, apresentou-se diante dele e disse: “Agora estou convencido de que não há outro Deus em toda terra, senão o que há em Israel! Por favor, aceita um presente de mim, teu servo”. Eliseu respondeu: “Pela vida do Senhor, a quem sirvo, nada aceitarei”. E, por mais que Naamã insistisse, ficou firme na recusa. Naamã disse estão: “Seja como queres. Mas permite que teu servo leve daqui a terra que dois jumentos podem carregar. Pois teu servo já não oferecerá holocausto ou sacrifício a outros deuses, mas somente ao Senhor” (vv. 15-17).

Em seguida, Naamã volta ao profeta e faz uma profissão de fé monoteísta: “Agora estou convertido de que não há outro Deus em toda a terra, senão o que há em Israel” (v. 15).

Quer ainda dar presentes, mas Eliseu não aceita; então Naamã pede para levar uma carga de terra de Israel para adorar o Senhor na Síria, porque, para os judeus, terra estrangeira era impura, maculada pela presença de ídolos (vv. 16-17, cf. Am 7,17; Os 9,3-4).

A Bíblia do Peregrino (p. 673) comenta: “Outros deuses” ou “deuses estranhos” é típico do pensamento deuteronomista; é pôr na boca do sírio uma profissão de fé exclusiva em Javé. Pedir um carregamento de terra indica uma visão menos espiritual: embora Javé seja Deus de todo o universo, só a terra de Israel é sagrada.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 550) comenta: A terra de Israel, habitada pelo Senhor, servirá para erguer o altar onde Naaman lhe oferecerá sacrifícios. Uma terra estrangeira é impura, maculada pela presença dos ídolos, Am 7,17; Os 9,3-4.

Ao homem rico e valente em aparência, mas doente na pele, Eliseu mostra o essencial. Naamã aprende que precisa da obediência da fé (em Javé na palavra do profeta) em vez de muitos bens, porque a salvação não se compra, é pura graça (como o apóstolo Paulo diria). Há outras histórias que terminam com a profissão de fé de um rei pagão (Dn 2,47; 6,27-28).

O “mergulho no Jordão” e a “profissão de fé” são elementos que prefiguram o batismo cristão (cf. Mc 1,1-11; cf. o batismo de estrangeiros em At 8; 10; 16). Os Padres da Igreja comparam a lepra com o pecado original (contágio do mal) do qual se cura só com a fé e a água do batismo (“nascer de novo”, cf. Jo 3,3-6; Rm 5-6).

2ª Leitura: 2Tm 2,8-13

A 2 ª leitura destes domingos continua com 2Tm. O autor mais provável é um discípulo da terceira geração que escreve em nome de Paulo e imagina o apóstolo na prisão pouco antes da morte (cf. 4,6).

(Caríssimo:) Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi, ressuscitado dentre os mortos, segundo o meu evangelho.

A carta evoca a “lembrança da fé” de três gerações: Timóteo, sua mãe e sua avó (1,5). Aqui parece lembrar uma profissão de fé (cf. Rm 1,3-4), proveniente dos meios judeu-cristãos.

A Bíblia do Peregrino (p. 2860) comenta: Síntese mínima, em dois tempos, eco de Rm 1,3-4. A “linhagem de Davi” alude ao título messiânico. “Lembra-te” ou conserva na lembrança: se a ressurreição é um fato do passado, a vida gloriosa é sempre atual; Jesus Cristo continua sendo mediador de salvação.

Por ele eu estou sofrendo até às algemas, como se eu fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada. Por isso suporto qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a salvação, que está em Cristo Jesus, com a glória eterna (vv. 9-10).

Mesmo que Paulo (ou outra testemunha do evangelho) esteja presa, ninguém consegue algemar a Palavra de Deus (2Ts 3,1). Ao contrário, o sofrimento de quem está detido na cadeia é um sinal ainda mais eloquente da força que tem a palavra que merece fé (v. 11a). A perseguição e a prisão serviram mais de uma vez à difusão do evangelho, como ilustram vários episódios dos Atos ou o que diz em Fl 1,12-26.

Como Paulo, os eleitos (destinatários) devem alcançar também a salvação cuja coroa e a “gloria eterna” (cf. 4,8; Sl 73,24).

Merece fé esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos. Se nós o negamos, também ele nos negará. Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo (vv. 11-13).

”Merece fé ( ou digna de fé) esta palavra” (ou: segura e digna esta palavra): é uma fórmula típica da cartas pastorais da terceira geração; (1,15; 3,1; 4,9; 2Tm 2,11; Tt 3,8). É uma maneira da chamar atenção e garantir o valor do que se afirma ou cita.

O hino que segue é “um cântico de louvor ao mártir“ (J. Jeremias), ou um fragmento de hino cristão como em 1Tm 1,17; 3,16; 6,15s). Aqui enfatiza a participação do cristão nos destinos do próprio Cristo, de acordo com a opção pessoal de cada um (cf. 1Tm 1,15).

“Se com ele ficamos firmes,…” lit. se nós suportarmos, implica a ideia de ficar firmes, aguentar. Já no batismo o cristão tem comunhão com a morte de Cristo (cf. Rm 6,8) e traz consigo a participação à vida do Ressuscitado. Na última estrofe rompe-se o paralelismo das partes e “a lógica se parte diante do amor do Salvador” (J. Jeremias) que fica fiel a suas promessas, para além do pecado do ser humano.

A Bíblia do Peregrino (p. 2860s) comenta: O minúsculo poema se compõem de quatro frases simétricas e uma final assimétrica; a mudança é significativa. Nas quatro, a apódose corresponde a prótese e se dispõem num eixo passado – presente – futuro. Passado é a morte pelo batismo (Rm 6,8); presente é a constância nas tribulações (Mt 10,22); futuro é a ressurreição e glorificação com Cristo. No final se rompe a simetria pela parte forte, pela bondade e misericórdia de Deus (cf. Os 11,8-9; Ez 36,22; Rm 10,11). O dom e a oferta de Deus são irrevogáveis; se o homem os rejeita, ele o conhece e o sanciona.

Evangelho: Lc 17,11-19

No evangelho de hoje, Lc narra uma cura de lepra semelhante à de 5,12-16 (copiada de Mc 1,10-45), só desta vez são dez leprosos e um desses é samaritano cuja reação é elogiada por Jesus (cf. a parábola do bom samaritano em 10,29-37).

Hoje a lepra se chama hanseníase (segundo o médico Hansen que descobriu sua causa e cura em 1874). Na antiguidade, era a doença mais temida. Na Bíblia, embora nem sempre se trate de lepra em sentido clínico, é descrita como doença grave e contagiosa, de pele, que impede a participação no culto e na vida civil ordinária. O livro de Levítico regula a conduta desses doentes, pensando mais em proteger os outros do contágio do que em prestar ajuda aos necessitados. Também regula a conduta em caso de cura: cabo aos sacerdotes examinar, opinar, dar ou negar a permissão para a reincorporação plena à sociedade (Lv 13,45-46; 14,2). Um caso parecido, embora menor, se conta da irmã de Moises (Miriam, em grego Maria), que foi confinada sete dias fora do acampamento (Nm 12,9-16). O general sírio, Naamã foi curado da lepra nas águas do rio Jordão e se converteu ao Deus de Israel (2Rs 5, citado em Lc 4,27). Muito curiosa é a atuação de quatros leprosos durante o cerco de Samaria (2Rs 7)

Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia (v. 11).

“Entre a Samaria e a Galileia”: esta menção geográfica não é exata, pois as duas regiões são limítrofes (outras traduções: atravessava…, ou, através da Samaria e da Galileia). Lc talvez imagine uma estrada na divisa para alcançar o vale do Jordão e descer até Jericó (18,35), de onde Jesus subirá a Jerusalém, Lc abre uma nova seção de viagem (17,11-19,28), como em 9,51 e 13,22.

Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, e gritaram: “Jesus, mestre, tem compaixão de nós!” (vv. 12-13).

Os doentes incuráveis se movem em grupos. Quando chega Jesus, ficam a certa distância (como ordena Lv 13,45s), para não contaminarem a quem se aproxima: “Afasta-te, estou impuro, afasta-te, não me toqueis!” (Lm 4,15); e daí gritam pedindo ajuda (cf. 16,24; 18,38s; Mt 9,27; 15,22).

Aqui é a única vez em que o termo epistátes (“mestre”) não é pronunciado por um discípulo. Este termo só se encontra em Lc (5,5; 8,24.45; 9,33.49) e indica uma fé mais profunda na autoridade de Jesus do que o habitual didáskalos (“professor”, também traduzido por mestre; cf. 11,45 etc.).

Ao vê-los, Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados (v. 14).

A ordem que Jesus dá implica o processo de cura, pois adianta o final, o testemunho oficial dos sacerdotes (Lv 13,19; 14,2-3). Diferentemente de 5,13-14p, a cura acontece somente um tempo depois do encontro com Jesus. Ao obedecer a Jesus, estes leprosos já demonstram fé e confiança, pois do contrário evitariam o diagnóstico oficial.

Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano (vv. 15-16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2513) comenta: Pelo caminho de ida descobrem que estão curados, sem necessidade de abluções, banhos e vários ritos, e então um volta sem mais para agradecer, enquanto os outros, cumprindo o mandado de Jesus, preocuparam-se com o aspecto jurídico, ou seja, de serem oficialmente declarados curados. É frequente no Saltério que o homem curado ou libertado acorra a dar graças a Deus na presença de uma assembleia (Sl 31,22-25).

Aqui um dos curados, adiando o requisito legal, “voltou glorificando a Deus em alta voz” (“glorificar a Deus” é tema estimado por Lc, cf. 1,64; 2,20.28.38; 5,25s; 7,16; 13,13; 17,15.18; 18,43; 19,37; 23,47; 24,53; At 2,47; 3,8s; 4,21; 21,20). Ele dá graças a Jesus e se prostra a seus pés: uma síntese significativa.

A gratidão a Jesus pela salvação é componente essencial da vida cristã. A palavra grega eucaristia significa “ação de graças” e tornou-se termo litúrgico pela “fração de pão” (At 2,42.46; 20,7.11; 27,35; cf. Lc 2,19p; 24,30.35; 1Cor 10,16; 11,20-43), em latim será chamada “missa”. Podemos reconhecer vários elementos litúrgicos neste texto: invocar a Jesus, pedido, volta (conversão), louvor a Deus, ajoelhar, prostrar, agradecer, despedida.

Então Jesus lhe perguntou: ”Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” E disse-lhe: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (vv. 17-19).

O gesto do samaritano (meio pagão) põe em relevo a ingratidão dos nove judeus, que parecem esquecer-se de deveres elementares ou não reconhecer a mediação de Jesus. O texto não diz que os “outros nove” eram judeus, mas podemos supor pelo contexto. O texto revela certa decepção e amargura de Jesus sobre a ingratidão do próprio povo que não o reconhece (cf. Lc 4,24-30; 19,41-44; Rm 9,1-5).

Mais uma vez, apesar de 9,51-56, o samaritano é apresentado como bom exemplo (cf. 10,29-37). Os judeus evitavam as relações com samaritanos (a não ser em caso de grave necessidade como aqui neste grupo de leprosos). Eles os odiavam por causa de suas origens bastardas e divergências religiosas (2Rs 17; Esd 4; Eclo 50,25-26; cf. Jo 4,9; 8,48). Jesus rompe com essas querelas (9,51-56; 10,33-37; 17,16-19; At 8,5-25; cf. Jo 4,4-42). Os samaritanos serão os primeiros a acolher o Evangelho fora de Israel (At 1,8; 8,4-8; Jo 4). Este fato pode ser o motivo pelo qual Lc inseriu aqui esta cura preparando assim a sua segunda obra, os Atos dos Apóstolos em que narra a acolhida do evangelho partindo de Jerusalém para a região de “toda a Judeia e a Samaria e até os confins da terra” (At 1,8).

“Tua fé te salvou” (7,50; 8,48; 18,42): e os outros nove? Jesus os curou, apesar de não terem fé? Ou a salvação de que se fala abrange mais que uma simples cura? Os padres da Igreja compararam a lepra com o pecado (original), fácil de contagiar e difícil de curar. Só com a conversão e a fé em Jesus, pelas águas do batismo (cf. a função do rio Jordão na cura de Naamã em 2Rs 5), estaremos salvos.

O site da CNBB comenta: Jesus não quer simplesmente realizar a cura das pessoas, ele quer a libertação integral e a reinserção social de todos os que são por ele curados. Quando Jesus manda que os dez leprosos se apresentem diante dos sacerdotes, ele está realizando a cura deles e quer que eles tenham autorização para voltar a participar ativamente da vida comunitária, o que não era permitido aos leprosos, que eram considerados impuros e, por isso, excluídos da sociedade. Somente quando os sacerdotes constatavam a cura da lepra, poderiam voltar ao convívio de todos.

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