08 de outubro de 2016 – Sábado, 27ª semana

Leitura: Gl 3,22-29

Na leitura de hoje ouvimos afirmações revolucionárias de Paulo que antecipam de certo modo o lema da revolução francesa no ano de 1789, “liberdade, fraternidade, igualdade”. Para Paulo, estes valores são uma consequência de sermos filhos de Deus na fé e no batismo.

Paulo não nega a importância da Lei, que foi concedida pela medição de Moisés. Paulo recorda a tradição, segundo a qual a Lei foi dada pelos anjos (v. 19). A função da Lei é pedagógica, pois educa a humanidade e permite às pessoas reconhecer os próprios pecados (1Cor 4,15). Com duas novas imagens, a Lei é comparada à prisão e ao pedagogo. A prisão tira a liberdade, mas protege a vida. O pedagogo pune a criança, porém faz que ela amadureça.

A Escritura pôs todos e tudo sob o jugo do pecado, a fim de que, pela fé em Jesus Cristo, se cumprisse a promessa em favor dos que creem. Antes que se inaugurasse o regime da fé, nós éramos guardados, como prisioneiros, sob o jugo da Lei. Éramos guardados para o regime da fé, que estava para ser revelado (vv. 22-23).

Para acolher a justiça com um dom gratuito, é necessário, antes de mais nada, renunciar à pretensão de obtê-la como algo devido. A “Escritura” (vv. 8.16) é expressão e instrumento do desígnio de Deus. Paulo faz a mesma afirmação em Rm 11,32 (“Deus encerrou todos na desobediência para a todos fazer misericórdia”) e a desenvolve em Rm 3,9-19.

“Pela fé em Jesus Cristo”, lit. “pela fé de Jesus Cristo” (cf. 2,16; Rm 3,22.26; Fl 3,9), pode expressar três sentidos: a fé em Cristo, a fé cuja fonte é Cristo e a fé cujo sujeito é Cristo que confia absolutamente no Pai e lhe obedece filialmente. Por essa fé, ele nos justifica e salva (cf. Rm 5,19) nota.

“Éramos guardados, como prisioneiros, sob o jugo da Lei”, num cativeiro comum, no mesmo regime. O cárcere é ambíguo: tira a liberdade, mas, não sendo perpétuo, protege a vida. Paulo era prisioneiro várias vezes e foi protegido por uma escolta romana, a caminho de Cesaréia (At 23,12-35) e na viagem para Roma (At 27,1-28,16).

Em Paulo a palavra “fé” tem vários matizes segundo o contexto. Aqui, trata-se do “regime” (outros traduzem: cativeiro, tutela) da fé, que começa com a vinda do Cristo; neste regime, que põe fim ao da lei, é revelada a fé, isto é, não somente uma doutrina sobre o desígnio de Deus, que seria plenamente desvendado e proposto como objeto de crença, mas uma atitude de abertura ao dom de Deus, ao Espírito do seu Filho; por essa atitude nós nos tornamos filhos adotivos de Deus pelo Cristo e nele (3,26; 4,6-7).

Assim, a Lei foi como um pedagogo que nos conduziu até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Mas, uma vez inaugurado o regime da fé, já não estamos na dependência desse pedagogo (vv. 24-25).

Pode se traduzir o termo “pedagogo” também por “vigilante” ou “tutor”. No tempo de Paulo, não evoca um personagem que seria pedagogo, educador, mas um escravo que mantinha as crianças na disciplina e as condizia ao mestre-escola. A partir do momento em que o pedagogo conduziu os filhos “até” o mestre, seu papel chegou ao fim. Tal era o papel preparatório, essencialmente temporário, da Lei, que agora já chegou à sua complementação pela fé em Cristo e pela graça (Rm 6,14-15; cf. Mt 5,17; cf. Rm 10,4: “A finalidade (ou: o fim) da Lei é Cristo para a justificação de todo o que crê”).

A Bíblia do Peregrino (p. 2797) comenta: Na família, o menino pequeno era confiado a escravos, que podiam ser cultos e amáveis, e também incultos e cruéis. Quando chegava a data da maioridade, decidida pelo pai, o filho se emancipava e adquiria todos os direitos, como filho e como herdeiro. A lei foi um tutor durante a menoridade do povo. Deus marca uma data na historia e envia seu Filho; e nós, unidos a ele (o singular se torna coletivo), somos filhos e herdeiros (Jo 1,12; Rm 13,14). O Espírito no-lo faz sentir e nos ensina a invocação filial primeira “Abba” (= papai), que contém tudo em germe; maturidade depois da infância, consciência depois da ignorância, liberdade depois da escravidão, esperança de uma herança transcendente.

Com efeito, vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (vv. 26-27).

“Vós todos”; Paulo quer dizer, todos, não somente “nós”, judeus, mas também “vós”, gentios.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2257) comenta: Os vv. 26 e 27 devem se comparados com 2,20. Este v. permite dar o verdadeiro sentido da imagem da vestimenta. Ela não sugere entre o Cristo e o batizado uma relação que permaneceria exterior; significa a influência do Cristo, que é total e transforma o batizado à sua imagem (cf. Cl 3,10).

Fé e batismo, longe de se oporem, incluem-se reciprocamente (cf. Rm 6,4-11).

O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só, em Jesus Cristo (v. 28).

Todas as diferenças entre os homens cessam de ser separações; pois o Cristo une totalmente os que comungam em sua vida (cf. Cl 3,11). Variação de texto: “pois todos vós sois de Cristo Jesus”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2797) comenta: O enunciado tem um sentido básico: todos iguais perante Deus, sem distinção. Tem ademais uma realização social, comunitária: em virtude da fé, judeus e gregos (pagãos) partilhavam uma mesa (At 10); escravos e senhores sãos irmãos (Fm), homens e mulheres falam e profetizam (2Cor 11,11-12; cf. Fl 4,2-3). Comparar com a profecia de Jl 3,1-4: o dom do Espírito não faz distinção de sexo, idade ou condição social. 

Sendo de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa (v. 29).

Paulo volta falar da descendência de Abraão (vv. 6-9; cf. leitura de ontem), doravante constituída pelos filhos de Deus, que crêem em Cristo e lhe pertencem, não mais por uma posteridade segundo a carne (cf. Fl 3,3), mas segundo o Espírito (cf. 4,6s; Rm 8,12-17)

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1422) comenta os vv. 26-29: Este é o texto central da carta. Nele está a convicção básica de Paulo, segundo a qual não há mais barreiras entre as pessoas e os povos. Esse antigo hino batismal é aproveitado por Paulo, para dizer que Jesus decretou a unidade dos filhos de Deus. Através do batismo, as pessoas se revestem de Cristo, como quem passa a usar uma nova vestimenta. Em Cristo, todas as barreiras são superadas. Caem os limites étnicos que separavam os povos, pois agora não há mais judeu nem grego. Rompem-se as divisões sociais discriminatórias, pois não há mais escravo nem livre. Acaba o machismo que subjugava a mulher, pois não há mais homem nem mulher. Realiza-se o sonho de uma nova humanidade (Cl 3,11).

Evangelho: Lc 11,27-28

Ouvimos hoje um trecho breve e próprio de Lc, uma aclamação que envolve Jesus e sua mãe.

Enquanto Jesus falava, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e lhe disse: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram” (v. 27).

Na cultura semita, a família (aqui a mãe) participa do destino da pessoa, e ao bendizer ou amaldiçoar, evita-se o nome da pessoa. Ao invés, fala-se dos órgãos: lit. “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que sugaste”. É uma expressão tipicamente judaica (cf. 10,23 e Mt 13,16 ou Lc 23,29). Se a mãe é felicitada, refere-se a Jesus. Pelo filho louva-se a mãe e vice-versa. Essa mulher do povo, talvez mãe, representa o sentir popular. Ela faz uma aclamação ao Cristo e expressa a opinião positiva do povo simples apesar da rejeição dos líderes que acabaram de acusar Jesus de um pacto com Belzebul (vv. 11-26, evangelho de ontem)

A Bíblia do Peregrino (p. 2495) comenta: Em termos de realista maternidade, faz eco à felicitação de Isabel e à predição de Maria (1,45.48). Pode emprestar sua voz a uma humanidade que felicita Maria que escutou e cumpriu, ou deixou cumprir-se, a palavra de Deus.

Jesus respondeu: “Muito mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (v. 28).

É possível que Jesus, queria responder ao elogio com outro elogio, como convém a um oriental educado.

A resposta da Jesus retoma o de 8,21p: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática.” Ouvir a Palavra e colocá-la na própria vida, enfrentando os obstáculos e conflitos que daí virão, é que faz alguém ser efetivamente da família de Jesus; e aí está a felicidade que importa (8,19-21).

Aqui, em contraste com a maternidade carnal da sua mãe, Jesus proclama a grandeza da fé. Ele visa a todos os crentes, que opõe aos seus adversários do vv. 14-23. Lc não vê aqui uma crítica a Maria, pois esta, ele a apresentou como a “crente” (“feliz aquela que acreditou”, 1,45), que meditava em seu coração o que acontecia com Jesus (2,19.51).

O site da CNBB comenta: A maternidade carnal de Maria é muito importante e, é claro, muito valorizada por Jesus, mas é apenas uma maternidade, algo que faz parte da natureza de todas as mulheres. No Evangelho de hoje, Jesus contrasta a maternidade carnal de sua mãe com a grandeza da fé e do seguimento dos valores do Reino, o que não faz parte da natureza humana, mas é fruto da atuação da graça divina em nós, e que fazia parte da vida de Maria. Mas Maria, quando se dispôs a fazer a vontade de Deus e disse Sim ao seu projeto de amor, foi muito além, pois sua maternidade não foi apenas carnal, foi divina.

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