09 de dezembro de 2017 – Sábado, Advento 1ª semana

Leitura: Is 30,19-21.23-26

Continua o tema de 29,17-24 (leitura de ontem) que se aprofunda a partir da situação dos exilados. O texto de hoje é uma compilação posterior ao exílio. Encontram-se estes temas novamente na segunda e na terceira parte do livro (Deutero- e Trito-Isaías, cf.44,9; 60,20; 65,10).

Assim fala o Senhor, o santo de Israel:(cf. vv. 12.15)

A introdução do texto em nossa liturgia retoma introduções de textos precedentes (vv. 12.15), mas aqui Deus não fala na primeira pessoa (“eu”, cf. 29,13s), apenas na terceira (“ele”). Quem fala é o profeta, mas, como é palavra inspirada, Deus fala através dele.

O título “Santo de Israel” é muito frequentem Is (cf. 1,4; 5,19.24; 10,20; 12,6; 17,7; 29,19; 30,11.15; 31,1; 37,23; cf. 6,3; Ap 4,8). Fora de Is, só se encontra em 2Rs 19,22; Jr 50,29; Sl 71,22; 78,41; 89,19. A teologia da santidade de Deus (cf. 6,3) que acarreta e exige a do povo reaparecerá em Ez e em certas tradições sacerdotais conservadas em Jerusalém (cf. a lei da santidade em Lv 17-26).

Povo de Sião, que habitas em Jerusalém, não terás motivo algum para chorar: ele se comoverá à voz do teu clamor; logo que te ouvir, ele atenderá (v. 19).

Nossa liturgia omitiu o v. 18 que serve de ligação com os oráculos autênticos que precedem: “O Senhor espera para ter piedade de vós, aguenta para se compadecer de vós, porque o Senhor é um Deus reto. Felizes os que nele esperam”.

A Bíblia do Peregrino (p. 1751) comenta: Segundo a tradição litúrgica, o Senhor é compassivo e clemente (Ex 34,6 e paralelos). Então, por que não se compadece, por que demora? Porque é “reto” (v. 18) e não deixa impune a culpa (Ex 34,7). Seu castigo atinge quatro gerações, sua misericórdia abrange mil (Dt 5,9s); portanto, o homem deve converter-se e esperar, até receber de novo as bênçãos. Este oráculo promete a bênção de campos e rebanhos, até culminar numa fantástica transformação da natureza (cf. 29,17-24).

“Sião” é o morro onde foi construído Jerusalém e o templo. Deus está predisposto a escutar o pranto e o gemido do seu povo sofrido (cf. 65,24;Ex 3,7; 6,5; Mt 6,8; 7,7-11; Lc 11,9-13;18,1-8 etc.). Deutero-Isaías compara a compaixão de Deus com um consolo de mãe (49,14s).

O Senhor decerto dará a todos o pão da angústia e a água da aflição, não se apartará mais de ti o teu mestre; teus olhos poderão vê-lo e teus ouvidos poderão ouvir a palavra de aviso atrás de ti: “O caminho é este para todos, segui por ele”, sem desviar-vos à direita ou à esquerda (vv. 20-21).

Deus guia, educa e alimenta o seu povo, como em Dt 8,1-5.O Senhor, “teu mestre”, se opõe aos ídolos (cf. v. 22, omitido na leitura de hoje; cf. 44,9-20), que são “mestres da mentira” (Hab 2,18s). Moré significa “mestre” ou chuva (Jl 2,23).

O povo verá e ouvirá, porque recuperou a vista e o ouvido (6,10; 29,18). Quem guia, pode ir à frente, para ser visto: “poderão vê-lo”; pode ir atrás, gritando rumos, “avisos atrás de ti”. Com a sua palavra, o Senhor guia o homem, nas encruzilhadas ou quando se “desvia”.

Ele te dará chuva para a semente que tiveres semeado na terra, e o fruto da terra será abundante e rico; nesse dia, o teu rebanho pastará em vastas pastagens, teus bois e os animais que lavram a terra comerão forragem salgada, limpa com pá e peneira (vv. 23-24).

Deus “mestre” dá a “chuva” prometida aos que cumprem seus mandamentos (Lv 26,3-5; Dt 11,11s; 28,12; Ml 3,10). O ensinamento da palavra se compara com a água ou a chuva (55,10s; cf. Jo 4,7-24; 7,37-39). A “forragem salgada” é especialmente preparada e muito apreciada pelo gado.

Haverá em toda montanha alta e em toda colina elevada arroios de água corrente, num dia em que muitos serão mortos com o desabamento de seus torreões (v. 25).

Nesta imagem audaciosa, o autor talvez quisesse mostrar como os trabalhadores de irrigação substituiriam os trabalhos de defesa na matança da guerra (“torres desmoronadas”, símbolos de orgulho, cf. 2,12-15; 26,5), semelhante à lembrança do “dia de Madiã” em 9,3.

A lua brilhará como a luz do sole o sol brilhará sete vezes mais, como a luz de sete dias, no dia em que o Senhor curar a ferida de seu povoe fizer sarar a lesão de sua chaga (v. 26).

A profecia dá um autêntico salto lírico; do doméstico e simples (vv. 23s) para visões fantásticas da escatologia (cf. Zc 14,7s: luz e água viva). Em outros textos, ao contrário, a lua e o sol perdem luminosidade (cf. 24,23; 13,9s.; Am 8,9; Jl 2,10; 3,4; Mt 13,24s). Mas aqui, em termos pouco usados para designar sol e lua (cf. 24,23; 30,26; Jó 30,28; Ct 6,10); “a lua brilhará como o sol”, iluminando a noite; exalta-se a luz do sol (“sete vezes mais”), que é vida e alegria, como em 9,1 a alegria pelo nascimento de um menino salvador: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (1ª leitura da noite de Natal).

Em Deutero-Isaías, Deus vai “curar a ferida de seu povo” através de um servo sofredor trazido ao matadouro como um cordeiro (53,5.7; cf. Ap 5,6). O vidente João se inspira em Is 60,19s ao descrever a comunidade cristã reunida na nova Jerusalém celeste: “a cidade não precisa do sol ou da lua, pois a glória de Deus a ilumina, e sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 22,23; cf. Jo 1,29; 8,12;).

 

Evangelho: Mt 9,35-10,1.6-8

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. O Hoje no evangelho, Jesus se preocupa como bom pastor e envia apóstolos para cuidar do rebanho abandonado. Corresponde à profecia da 1ª leitura (Is 30,20-21: “Ele se comoverá à voz do teu clamor; … Não se apartará mais de ti o teu mestre; teus olhos poderão vê-lo e teus ouvidos poderão ouvir a palavra de aviso atrás de ti: ‘O caminho é este para todos, segui por ele’ … no dia em que o Senhor curar a ferida de seu povo”. Depois da cura de dois cegos (vv. 27-31, evangelho de ontem), Jesus cura um homem mudo, que estava possuído pelo demônio (vv. 32-33, uma duplicata de 12,22-23). Com um resumo da atividade de Jesus conclui-se esta parte narrativa dos dez milagres (caps. 8-9).

Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade (9,35).

Jesus ensina nas “sinagogas” porque eram lugares de culto e também de ensino ou catequese. Ele escolhe esses lugares de reunião para anunciar o “Evangelho (boa notícia) do Reino” (4,17 p. 23; cf. Lc 4,16-30), também o apóstolo Paulo costuma iniciar sua pregação nas sinagogas (At 9,19; 13,5.14-47; 14,1; 17,1s.10; 18,4.19; 19,8; cf. 7,9; 16,13; 19,26).

Como um estribilho que resume o conteúdo e separa as estrofes, Mt escreveu a mesma frase antes do sermão da montanha (4,23). Aqui a repete antes do discurso da missão dos apóstolos (cap. 10).

Os leitores até agora sabem qual é o Evangelho do reino (3,2; 4,17; cap. 5-7), como o messias cura todas as doenças (cap. 8-9) e se torna conhecido em Israel. Através destes capítulos, sabem que Jesus está cumprindo a Escritura, a lei e os profetas (5,17; 7,12; 8,17).

Agora estamos antes do segundo grande discurso em Mt, desta vez sobre a missão dos apóstolos (10,1-11,1). A série dos dez milagres foi interrompida duas vezes com um relato de seguimento e outro de vocação. Agora Mt abordará formalmente o grande tema de escolha e missão dos doze. A nova unidade se abre e termina sobre a atividade missionária de Jesus, percorrendo cidades, pregando proclamando, ensinando e curando (9,35 e 11,1). No centro de cap. 10 enuncia o princípio da semelhança: os discípulos como o mestre. Por isso a atividade de Jesus emoldura toda a instrução aos discípulos.

Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: ”A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!” (9,36-38).

O êxito de Jesus aumenta o trabalho, para o qual reúne os primeiros colaboradores (4,18-22; 8,18-22; 9,9-13: Pedro e André, Mateus, etc.), mas precisa de mais trabalhadores. À imagem da pesca (4,19) se acrescentam a clássica do pastor (Jr 23; Ez 34; Sl 23; 80) e a do ceifador (Sl 126) que continuam a ser usadas para se descrever o apostolado na Igreja. A multidão em Israel tinha seus chefes: sacerdotes e doutores da lei; no entanto, não cuidavam bem do povo (do rebanho) que se encontra abandonado (cf. Jt 11,19; Ez 34,5). As pessoas estão “cansadas e abatidas” porque não foram cuidadas. Como hoje, ex. as crianças que estão nas ruas, abandonadas pelos pais e pelo poder público. Os jovens não recebem a educação que merecem. A corrupção e má distribuição fazem com que as riquezas da nação não cheguem às pessoas de maneira igualitária; por isso aumentam a violência, o uso de drogas, etc.

Jesus sente profundamente a dor e as enfermidades do povo, se “compadece” ao vê-lo: “como rebanho sem pastor” (cf. Moisés quando foi anunciada sua morte próxima em Nm 27,17 e a palavra do profeta Miqueias sobre o povo na presença de dois reis em 1Rs 22,17). Jesus assume o ofício de bom pastor (11,28: “Vinde a mim todos os que estão cansados”) e deixará a seus discípulos a tarefa de colher (cf. Jo 4,37-38; 10).

E, chamando os seus doze discípulos deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade (10,1).

O segundo de cinco discursos de Jesus em Mt trata sobre a missão dos apóstolos (cap. 10). Para este discurso, Mt combinou a chamada dos Doze de Mc 3,13-19 com seu envio em missão de Mc 6,7-13 e as recomendações de missão em Q (coleção perdida com palavras de Jesus, que Lc usa também, cf. Lc 9,1-6; 10,1-12) e acrescenta depois outras palavras sobre a perseguição (vv. 16-42; cf. Mc 13,9-13; Lc 12,2-9.51-53; 14,26-27; 21,12-19).

Mt supõe já conhecida a escolha dos doze, que Mc e Lc mencionam explicitamente, distinguindo a da missão. Os escolhidos chamados são “doze” como as tribos de Israel (19,28; Ap 21,12-15; cf. Ex 1,1-5; 24,4; … Ap 7,4-8), representando agora o novo Israel (o antigo Israel é a descendência dos doze filhos de Jacó; cf. Gn 29,31-30,22; 35,16-25).

O mestre comunica-lhes seus poderes messiânicos: desalienar as pessoas (expulsar demônios, cf. 8,28-34) e libertá-las de todos os males (cf. 4,23; 9,35). Exorcismos e curas dependem do mesmo poder. A doença é sinal do reino de Satanás e do pecado; curar é sinal de vitória sobre ele.

Enviou-os com as seguintes recomendações: “Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel! (vv. 5a.6).

No evangelho da liturgia de hoje, faltam a lista dos nomes dos doze apóstolos (vv. 2-4) e a recomendação de não tomar o caminho dos gentios (pagãos) nem entrar numa cidade de samaritanos (v. 5b).

“Enviar” corresponde ao título apóstolo – “enviado”, encarregado de missão (cf. 10,16.40; 15,24). Em 15,24, mas sobretudo em Jo, Jesus apresenta-se como enviado do Pai (Jo 3,17.34; 5,36s; 17,3.18 etc.). Em Mt, os conselhos seguintes para missionários itinerantes se situam ainda antes da ressurreição de Jesus, por isso sua área de operação é por ora restrita (vv. 5s) e mostra a preferência por Israel (cf. v. 23). Só no final do Evangelho, depois da rejeição de Israel e da própria ressurreição, Jesus os enviará a todos os povos (28,19).

Em vosso caminho, anunciai: “O reino dos céus está próximo” (v. 7)

Jesus envia os apóstolos para falarem e atuarem como o mestre: “O reino dos céus está próximo”, o mesmo anúncio de João Batista e de Jesus (3,2; 4,17). Conforme o costume dos seus leitores judeu-cristãos, Mt evita pronunciar o nome de Deus e prefere e expressão “Reino dos céus” (em vez de “Reino de Deus”); não designa um reino celeste, mas que Aquele que está no céu (5,48; 6,9; 7,21) reina sobre o mundo.  O reino sempre pertence ao Senhor (Sl 22,29; 103,19; 145,11-13;…), mas este reinado de sempre “se aproximou” dos seres humanos e  “está próximo” na pessoa de Jesus.

Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios (v. 8a).

Estas quatro ações abraçam toda atividade de Jesus na série dos capítulos anteriores (caps. 8-9), até o poder sobre a morte. A lepra é mencionada à parte, porque contamina; os envios paralelos de Mc 6,7.13 e Lc 9,1-2.6; 10,9 só falam da cura de doentes e espíritos maus.

De graça recebestes, de graça deveis dar! (v. 8b)

Parece que muitos curandeiros da época cobravam caro por seus serviços. Mas o poder dos discípulos vem de Deus, então devem fazer diferença imitando a atitude de Jesus (gratuidade; p. ex. Pedro em At 3,6; para Paulo, somos “salvos pela graça, não pelas obras da lei”, cf. Rm 5,15-20 etc.).

O envio dos discípulos não acontece somente no passado. Jesus tem sempre compaixão das multidões. Hoje somos nós os chamados por Jesus para trabalhar pelo “reino de Deus e sua justiça” (6,33).

No site da CNBB resume-se: Jesus é o bom pastor que vem ao encontro das ovelhas perdidas da casa de Israel, cumprindo assim as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento. De fato, Deus disse pela boca do profeta Jeremias que daria ao seu povo pastores segundo o seu próprio coração e Jesus é o pastor segundo o coração de Deus. Ele disse também pela boca do profeta Ezequiel que ele mesmo apascentaria o seu rebanho, procurando a perdida, indo ao encontro da desgarrada, alimentando a faminta, curando a doente, procurando a perdida e estabelecendo o direito entre elas, e Jesus é o bom pastor, o próprio Deus que se encarna e vem ao encontro do seu rebanho para ser o seu pastor e enviar outros, os pastores da Nova Aliança, para que não haja mais ovelhas sem pastor.

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