09 de Julho de 2017 – 14º Domingo – Ano A

 

1ª Leitura: Zc 9,9-10

A 1ª leitura foi escolhida em vista do evangelho que fala do coração “manso e humilde” de Jesus. No livro do profeta Zacarias apresentou-se a chegada de um rei justo e humilde, “montado num jumento”. Esta profecia inspirou a entrada de Jesus em Jerusalém (mas no Domingo de Ramos não se lê esta leitura, apenas o evangelho na procissão: Mt 21,1-11p).

Os caps. 1-8 de Zc contém oito visões, com as quais Zacarias, junto com o profeta Ageu, animava a reconstrução do templo entre 515 e 520 a.C. Depois, no período que sucede às conquistas do rei grego-macedônio Alexandre Magno, por volta de 300 a.C. foram acrescentados os caps. 9-11 escritos em versículos de poesia: como nos salmos usam o paralelismo: duas frases sucessivas apresentam a mesma ideia em palavras diferentes; aqui apresentam um projeto de esperança e paz, a realizar-se através de um rei justo e humilde, como bom pastor.

(Assim diz o Senhor:) Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que vem teu rei ao teu encontro, ele é justo, ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta (v. 9).

A este v. 9 se referem os quatro evangelhos relatando a entrada de Jesus em Jerusalém (Mt 21,5 e Jo 12,15 o citam explicitamente).

“Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém”, motiva à alegria da capital Jerusalém (Sião é o morro onde ela foi construída) pela chegada do seu rei: 2Sm 19; 1Rs 1,40; Is 65,18; Sf 3,17 etc. No lugar de “exulta”, a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 986) traduz: “Prorrompe em aclamações” e comenta: Trata-se de uma solene aclamação, seja para desencadear a batalha da guerra santa, Nm 10,9; Js 6,10; 1Sm 17,20; seja para proclamar a realeza do Senhor, Sf 3,14; Sl 47,2; 95,1; 98,4.6.

“Eis que vem teu rei ao teu encontro”. Não se menciona um monarca davídico, porque o rei é Yhwh (Javé, traduzido por “Senhor”); cf. Is 33,22; Sf 3,15; Mq 4,7; sua chegada: Sl 96,13; 98,8s; Is 62,11. “Ele é justo, ele salva”, lit. “salvo”; o termo exprime a assistência de Deus que livra Sião de todos os seus adversários. Outros traduzem “justo e vitorioso”: venceu porque tinha a justiça do seu lado, ou venceu defendendo a justiça.

“É humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 986) comenta: Lit. “sobre um jumento, filhote de uma jumenta”. A expressão: “filhote de” designa várias vezes na Bíblia um homem ou um animal muito novo (cf. Nm 8,8; Jó 4, 11; Sl 147,9; Pr 7,7). Assim é o que gr. compreendeu esta expressão.

O Rei (Deus ou o Messias) será “humilde” (‘anî), qualidade que Sf 3,12 atribuiu ao povo do futuro (cf. Sf 2,3). Renunciando os ornamentos dos reis históricos (Jr 17,25; 22,4), o rei messiânico terá a antiga montaria de príncipes e juízes (Gn 49,11; Jz 5,10; 10,4; 12,14). O jumento era a cavalgadura dos Juízes, os reis preferiam as mulas (2Sm 13,29; 1Rs 1,33). Em 1Rs 1,5 um filho de Davi, Adonias, quer ser rei e arruma para si “carro e cavalos”, mas Salomão monta numa mula e é ungido rei (1Rs 1,38s). Cristo realizou está profecia no dia de Ramos.

Eliminarei os carros de Efraim, os cavalos de Jerusalém; ele quebrará o arco de guerreiro, anunciará a paz às nações. Seu domínio se estenderá de um mar a outro mar, e desde o rio até aos confins da terra (v. 10).

“Eliminarei os carros de Efraim, os cavalos de Jerusalém”; “eliminarei” está no texto hebraico, mas é preferível, para a unidade do discurso, seguir aqui o grego “eliminará”, porque toda a passagem descreve a ação do messias anunciado.

Efraim era filho do patriarca José e território no centro de Israel que este tribo recebeu (às vezes, o termo representa todo o reino do norte, cf. Os 11,1-3.8 etc.).

“Carros e cavalos” (cf. Ex 14-15) eram obtidos comerciando com o Egito (Dt 17,16); os profetas condenam o fato como sinal de militarismo (Is 2,7; Mq 5,9). “Ele quebrará o arco de guerreiro, anunciará a paz às nações”; destroem-se as armas para promulgar uma paz universal (Is 2,2-5; 9,6; Mq 4,1-3; Sl 76).

“Seu domínio se estenderá de um mar a outro mar, e desde o rio até aos confins da terra”. A formula é tirada do estilo de corte babilônico e quer evocar a extensão ideal do reino de Israel no tempo de Salomão (Gn 15,18; 1Rs 5,1.4; 8,65; Sl 80,12). É o domínio como o do rei histórico e messiânico (Sl 2,8; 18,44; 72,8; Mq 5,3), ou seja, do mar Mediterrâneo ao mar Morto e do rio Eufrates ao extremo sul. As nações mencionadas no relato de Pentecostes (At 2,9-11) darão a esta expressão o seu significado pleno.

A Bíblia do Peregrino (p. 2295s) comenta o contexto (a vitória sobre os povos vizinhos nos vv. anteriores e a descrição nos vv. seguintes): Inspira-se em passagens sobre o reinado do Senhor, como Sl 96 e 98; Is 62; os vv. 9-10 podem-se compara com Mq 4-5. Consumada a vitória, o rei volta à capital para nela inaugurar uma era de paz e esplendor. Não entra triunfante. Mas com toda simplicidade (compara-se com 2Sm 19; Is 40,10; 63,1-3). Não vai libertar com poderoso armamento, mas desarmando seu povo (Mq 5,9) e agindo ele pessoalmente (Sl 98,2); não por meio de alianças humanas (Is 30,1-7), mas por força da sua aliança selada com sangue (Ex 24). Também o povo deve ser simples e humilde, como um rebanho (16); toda a sua riqueza será a colheita de trigo e vinho (v. 17), a qual dependerá da chuva, que é dom de Deus (10,1). Se aceitarem esse papel, o Senhor fara deles uma joia (v. 16), espada e arco (v. 13), corcel (10,3).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1168) resume: O rei vitorioso e pobre (Sf 3,12), montando num jumento (Gn 49,11; Jz 5,10; 10,4; 12,14; Mt 21,5), é o Senhor Javé (Is 33,22; Mq 4,7; Sf 3,15). Sua realeza não está no poderoso armamento, como os carros e cavalos dos gregos, e sim na justiça e na solidariedade com o povo. Sobre o desarmamento para a paz universal, ver Is 2,2-5; Mq 4,1-3.

2ª Leitura: Rm 8,9.11-13

Na leitura desta carta mais volumosa de Paulo, chegamos ao ápice da carta, uma das páginas mais ricas e mais belas de Paulo e da literatura religiosa da humanidade. É o cap. 8 que ouviremos nos próximos domingos. Palavra-chave é Espírito/espírito, repetida 29 vezes neste cap. que pode ser denominado “a vida no/pelo Espírito”.

“Quem me livrará?” (7,24) gritava no final do parágrafo anterior que apresentava a lei da carne (do instinto ou da sensualidade) em nossos membros. Agora o texto responde: o Cristo (Messias), infundindo-me um princípio novo e mais poderoso, o Espírito Santo. Só o Espírito capacita para cumprir a lei e assegurar a vida (cf. Sl 51,12-14; Ez 36,27); sem aniquilar o instinto o submete e supera. “Na verdade, as aspirações da carne levam à morte e as aspirações do espírito levam à vida e à paz” (v. 6).

(Irmãos:) Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo (v. 9).

A leitura de hoje omitiu os vv. 1-8, uma explanação por oposição dos dois poderes: pneuma/sarx, ou seja, “espírito” e “carne”. A palavra “carne”, em grego sarx, corresponde ao hebraico basar, que designa qualquer ser vivo, em especial o ser humano na sua condição fraca e caduca. Como palavra oposta, Paulo emprega o “espírito”, em grego pneuma, que pode designar o “espírito” humano (com letra minúscula) ou o divino (“Espírito” com letra maiúscula em português; mas na época de Paulo, não existiam ainda as letras minúsculas). Das diversas traduções propostas em português, “carne” desfoca o significado, devido a nossos hábitos linguísticos; melhor seria “instintos egoístas” (antiga Bíblia Pastoral) ou “baixos instintos”.

A Bíblia do Peregrino prefere simplesmente “instinto”, polarizado pelo espírito, e comenta (p. 2719): Pois bem, o instinto é um dinamismo no homem que inspira e promove ações; mas, deixado a si, se opõe a Deus e conduz à morte definitiva (cf. Gn 6,3.5). O Espírito de Deus ou do Messias se instala em nosso espírito como princípio de vida nova. Primeiro, inspira ações concordes com ele; depois estende seu poder até vivificar o corpo mortal. Vence a fragilidade ética e a caducidade orgânica do homem. Salva o homem inteiro.

Nos vv. 9.11 fica evidente, que Paulo não fala apenas do espírito humano (cf. vv. 15s; 1,9), mas do “Espírito de Deus” (v. 14; cf. 5,5: “Espírito Santo”). A Bíblia do Peregrino (p. 2719) comenta: O Espírito do Messias é o Espírito de Deus. É dom de Cristo aos que creem nele; portanto, se alguém não o possui, é sinal de que não é cristão, não pertence a Cristo. É o pedido do Sl 51,12-14 no novo contexto cristão.

E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós (v. 11).

Nossa liturgia omitiu o v. 10: “Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja ferido de morte por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça”. O “corpo” (cf. 6,6) está destinado à morte física “por causa do pecado”, é instrumento de morte espiritual (cf. 5,12s; 6,23), mas o Espírito é vida e poder da ressurreição, “graças à justiça” (v. 10) de Deus que faz viver o Cristo que ressuscitou e não morre mais (6,9). Outros entendem: naquele que está justificado, o corpo é “cadáver para o pecado”; o pecado não pode mais servir-se dele (6,6; 7,8). Para outros, o “espírito” em v. 10 é o espirito do ser humano, (enquanto em v. 11 é o Espírito de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2720) comenta: O corpo é mortal (Sl 39; 49; 90), frustra o destino à imortalidade. Mas o Espírito o supera com sua força vivificante, que abrange também o corpo mortal (Ez 37), como se demonstrou na ressurreição de Jesus Cristo (1Cor 4,14; Fl 3,21).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2132) comenta: A ressurreição dos cristãos está em estreita dependência da de Cristo (1Ts 4,14; 1Cor 6,14; 15,20s; 2Cor 4,14; 13,4; Rm 6,5; Ef 2,6; Cl 1,18;

2,12s; 2Tm 2,11). É pelo mesmo poder e pelo mesmo Dom do Espírito (cf. Rm 1,4) que o Pai por sua vez, os ressuscitará. Esta obra se prepara desde agora numa vida nova que os torna filhos (v. 14), à imagem do Filho (v. 29), incorporação ao Cristo ressuscitado que se realiza pela fé (1,16s) e pelo batismo (6,4s).

Portanto, irmãos, temos uma dívida, mas não para com a carne, para vivermos segundo a carne. Pois, se viverdes segundo a carne, morrereis, mas se, pelo espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis (vv. 12-13).

O Espírito exige de nós uma vida não “segundo a carne”, mas segundo o Espírito (o segundo membro da antítese está subentendido). “Pelo espírito, matardes o procedimento carnal”, lit. “vós fazeis morrer as obras do corpo”. Aqui “corpo” é sinônimo de “carne” (cf. 6,6) e designa um gênero de vida centrado em si mesmo, um instinto egoísta.

A Bíblia do Peregrino (p. 2720) comenta: Mortificar significa dar morte; seu objeto devem ser as ações hostis a Deus e contrárias à vida cristã. O Espírito dá forças para isso.

Evangelho: Mt 11,25-30

No evangelho de hoje (e da festa do Sagrado Coração), Jesus se apresenta “manso e humilde de coração”, mas antes agradece louvando ao Pai pelos humildes que aceitam seu evangelho (vv. 25-27). Mateus copiou este louvor da fonte catequética “Q“ que transmitia palavras e parábolas de Jesus e foi usada também por Lucas (cf. Lc 10,21s). No contexto, diante da soberba e arrogância das cidades amaldiçoadas (cf. vv. anteriores 20-24), desprende-se essa exaltação dos humildes e simples.

(Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer:) “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado (vv. 25-26).

Os judeus se dirigiam ao bom Deus, chamando-o de “Senhor do céu e da terra”; e Jesus acrescenta a palavra “Pai”. A relação é de grande proximidade. O mistério que cria e coordena as grandes leis do mundo tem rosto e coração paterno. Para alguns, essa identidade do Pai permanece escondida, inacessível, mas para os pequeninos ela se manifesta. Os “pequeninos” são aqueles humildes que tudo esperam da bondade infinita do Pai e criador de todas as coisas (cf. a primeira bem-aventurança em 5,3).

Visto que este trecho (vv. 25-27) não tem conexão mais estreita com o contexto em que Mt o inseriu (cf. o lugar diferente que ocupa em Lc 10,21s), “essas coisas” não só se referem ao que procede (às cidades da Galileia), mas devem ser entendidos de um modo geral como se referindo aos “mistérios do Reino” (13,11), revelados aos “pequeninos”, aos discípulos (cf. 10,42), mas escondidos aos sábios, aos fariseus e seus doutores. O “agrado” do Pai lembra a voz do céu na hora do batismo do Filho (3,17) e a citação de Is 42,1 em Mt 12,18.

Além da linguagem sapiencial (cf. Eclo 51 ou Pr 8; Eclo 24; Sb 6-8) pode se reconhecer a linguagem apocalíptica, como a do livro de Daniel: Os “sábios” não foram capazes de interpretar o sonho do rei (Dn 2,3-13; cf. José no Egito, Gn 41), mas o “mistério é revelado” a Daniel que implorou a “Deus do céu” (Dn 2,18s.28) e “louva” a Deus por lhe ter concedido a “sabedoria” (Dn 2,23); trata-se do “reino” fundado pelo próprio Deus (Dn 2,44).

“Deus revela seus segredos aos humildes” (Eclo 3,20). A sabedoria é dada aos sábios (Dn 2,21), mas só se forem humildes e reconhecerem Deus como doador (Br 4,1-4; Eclo 1,4-9; cf. Br 3,37; Eclo 24,3-17) e ele “torna sábio o simples” (Sl 19,8; cf. 119,130; 116,6). Os profetas se manifestam contra os que são “sábios aos próprios olhos” (Is 5,21; cf. 29,14-19; Jr 9,22s). Os prodígios de Deus confundem a sabedoria dos sábios, como em Is 29,14: “Eu continuarei prodigando prodígios, a sabedoria dos sábios fracassará”. O prodígio presente é o envio e a presença do seu Filho, mistério que os ignorantes humildes compreendem, pois não vivem satisfeitos com seus preconceitos; ao passo que os doutores que se creem suficientes, olhando não veem (cf. Is 42,20; 6,9s). A fé pascal dos cristãos acolhe e proclama essa revelação. O apóstolo Paulo fará a mesma experiência quando anunciar a mensagem da cruz aos sábios filósofos em Atenas em vão e ao povo simples em Corinto com sucesso (1Cor 1,17-2,9; cf. At 17,16-18,11).

Meu Pai entregou tudo a mim. Ninguém conhece o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar (v. 27).

Toda esta frase com sua união e reciprocidade entre Pai e Filho lembra o evangelho e as cartas de João (cf. Jo 1,18; 3,18; 3.11.35; 6,46; 10,14s, etc.) e testemunha, na base mais primitiva da tradição sinótica (na fonte Q, cerca de 50 d.C.) exatamente como em João (cerca de 90 d.C.), a consciência que Jesus deve ter tido da sua filiação divina.

“Tudo” quanto o Pai entregou ao Filho pode se referir ao poder no universo (céu e terra; cf. 28,19; Jo 3,35; 13,3), e aqui, no contexto, à sabedoria e conhecimento do Pai que confia os mistérios celestes ao Filho (cf. Jo 5,20; 7,16.28s; 8,19.38; 12,49).

A afirmação de Jesus de que ele estava numa relação íntima com Deus (vv. 26-27) e o seu convite aos discípulos (em seguida nos vv. 28-30) evocam muitos passos dos livros sapienciais (Pr 8,22-36; Eclo 24,3-9. 19s; Sb 8,3s; 9,9-18; etc.). Jesus desse modo atribui a si mesmo o papel da Sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial, não como personificação, mas como pessoa, “o Filho” por excelência do “Pai”. Mais uma vez, a frase lembra o batismo de Jesus (3,17; cf. 4,3; 27,40; em Mc 1,11, só Jesus escuta a voz do Pai e quer manter segredo até o prazo determinado pela cruz e ressurreição; cf. Mc 9,7-9; 15,39). É uma das três vezes em Mt, em que o próprio Jesus exprime, de maneira indireta, ter uma relação única com Deus seu Pai (21,37; 24,60; cf. Lc 2,49; 23,46; Jo 20,17).

Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso (vv. 28-29).

Depois de copiar o louvor de Jesus da fonte Q (cf. Lc 10,21s), o próprio evangelista Mt acrescenta este convite aos discípulos (vv. 28-30). Evoca os convites tradicionais da Sabedoria personificada (Pr 8,1-21.32-36; 9,4-6; Eclo 24,19-22; etc.) ou do mestre que ensina a sabedoria (Eclo 6,18-37; 51,23-29; Sb 6,11-16). Jesus desse modo atribui a si mesmo o papel da sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial (não já como personificação, mas como pessoa real).

A escravidão no Egito se definia pelas “cargas”, “fardos” (Ex 6,6). Não só os animais, também os homens carregam o “jugo” como sinal e exercício da escravidão. Era um jugo curvo de madeira, apoiando com almofadas sobre os ombros, que servia para transportar cargas equilibradas. O amor de um casal chama se “conjugal” porque ambos se unem para carregar a carga da vida juntos.

A imagem é frequente no AT: pode referir-se à Lei de Deus, escrita ou oral (“jugo da lei” é uma metáfora corrente entre os rabinos, cf. Sf 3,9; Lm 3,27; Jr 2,20; 5,5; Is 14,25; Os 10,11); este jugo nem sempre era sentido como algo pesado ou ofensivo. O termo pode ser aplicado também à sabedoria, cuja aprendizagem é no início jugo, mas no fim “joia” (Eclo 6,24-30; cf. 51,26s; Mt 13,45s) ou ao jugo pesado da tirania estrangeira (Is 10,27; Jr 27,8 etc.; cf. Os 10,11)

A sabedoria dá tranquilidade e “descanso” (Eclo 6,28; 51,27; cf. 24,7), mata a fome e a sede (Pr 9,4s; Eclo 24,20-22; 51,24; cf. 15,3; Jo 4,14; 6,34), dá alegria (Eclo 6,28; 15,6), vestimenta da honra e a coroa (Eclo 6, 31; cf. 7,16-18). Por isso, o jugo da sabedoria é “leve”, ela se deixa encontrar porque está perto (Eclo 51,26; Sb 6,12.16), pode-se adquirir de graça (Eclo 51,25).

Em Mt, Jesus chama no lugar da Sabedoria. O Filho de Deus conhece e revela o caminho para Deus, mas este passará pela cruz (cf. 16,24p), porém, pode dar o descanso definitivo porque “tudo foi entregue a ele pelo Pai” (v. 27; 28,18; cf. Ap 14,13).

O Filho de Deus é “manso e humilde de coração”, expressão clássica dos “pobres de Javé” do AT (cf. Sf 2,3; Is 26,6; Dn 3,87; cf. Mt 5,5; 18,4.10; 20,26-28; 23,8-11). Jesus reivindica a atitude religiosa deles, e por isso arroga a si autoridade para ser o seu mestre de sabedoria, como estava predito a respeito do “servo” de Javé que evangeliza os humildes (Is 61,1s; cf. Lc 4,18; Mt 12,18-21; 21,5). De fato foi para eles que ele pronunciou as bem-aventuranças e felicidades do Reino (Mt 5,3.5) e muitas outras instruções de sua boa nova (evangelho).

Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (v. 30).

O jugo que Jesus impõe, aceito com amor e levado com sua ajuda, é “leve” particularmente se comparado com as cargas dos fariseus (23,4), porque as observâncias farisaicas sobrecarregavam ainda mais o fardo da lei (23,4; cf. 5,17). Ao legalismo rígido dos fariseus, Jesus contrapõe sua interpretação libertadora da lei, apresentada no sermão da montanha (caps. 5-6). Este inicia com a declaração da felicidade do Reino de Deus nas bem-aventuranças (5,3-12). Simultaneamente com a lei renovada, cujo mandamento maior é o amor (Mt 22,34-40p; cf. 7,12; 23,23), Jesus transmite aos homens a alegria do Reino.

No Concílio de Jerusalém, os apóstolos também não querem sobrecarregar os fiéis com a lei da circuncisão (At 15,10; Gl 5,1), e Paulo incentiva: “Carreguem o peso uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2).

O site do CNBB comenta: Existem pessoas que acreditam que a verdade da religião encontra-se num rigorismo muito grande, principalmente no que diz respeito às exigências morais e rituais. Com isso, a religião acaba por ser um instrumento de opressão. Jesus nos mostra que não deve ser assim. Ele veio ao mundo para trazer a libertação do jugo do pecado e da morte e que a verdadeira religião é aquela que liberta as pessoas de todos os pesos que as oprimem na sua existência. O verdadeiro cristianismo é aquele que não está fundamentado na autoridade e na rigidez, mas na humildade e mansidão de coração, por que o seu fundador, Jesus Cristo, manso e humilde de coração, é o Mestre de todo o nosso agir.

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