09 de maio de 2018, quarta-feira: Os que conduziram Paulo, levaram-no até Atenas. De lá, voltando, transmitiram a Silas e Timóteo a ordem de que fossem ter com ele o mais cedo possível.

Leitura: At 17,15.22-18,1

A leitura de hoje nos apresenta Paulo sozinho em Atenas pronunciando um discurso exemplar para converter os pagãos cultos. Apesar de perder muita influência para Alexandria do Egito, Atenas continuava a capital intelectual, o “centro universitário” da cultura grega. A Bíblia do Peregrino (p. 2673) comenta:

Ainda que em plena decadência econômica e política, Atenas conservava auréola cultural intacta e até idealizada. Evocava muito mais do que era. Em Atenas, Sólon tinha descido as leis do céu, secularizando o direito. Os filósofos foram reinterpretando a mitologia para transformá-la em religião purificada. As escolas filosóficas tinham florescido e estendido sua influência. Nesse momento atuava a Academia (de Platão), os peripatéticos (de Aristoteles), os epicureus e os estoicos. Estes últimos eram a escola religiosa e ética mais sadia e difundida no mundo grego e helenista.

Os pregadores cristãos até então tinham enfrentado o judaísmo e a lei, a magia (16,16-18; 19,12-16), e o politeísmo ingênuo (14,8-18). Agora é a vez de Paulo enfrentar uma religiosidade marcada pela filosofia. Esse encontro preludia de longe o que acontecerá entre a cultura cristã e a cultura grega. Lucas constrói um relato perfeitamente fluido e coerente. Dá-lhe cor local com o cenário, a linguagem, as citações, a psicologia dos personagens. Ainda que o êxito da pregação tenha sido modesto, a importância deste capítulo é imensa, porque perpetuamente se repete uma confrontação equivalente de cada época e cultura.

Os que conduziram Paulo, levaram-no até Atenas. De lá, voltando, transmitiram a Silas e Timóteo a ordem de que fossem ter com ele o mais cedo possível. E partiram (v. 15).

Depois de partir de Filipos, Paulo e seus dois companheiros passaram por Tessalônica e Beraia. Por causa da perseguição, os irmãos de lá fizeram Paulo descer a Atenas (cf. vv. 1-14). A leitura de hoje saltou também o que Paulo fez ao chegar naquela cidade, “indignava-se ao observar com a idolatria. Na sinagoga discutia com judeus e prosélitos; na praça pública falava aos que por aí passavam. Alguns das escolas filosóficas de epicureus e estóicas conversavam com ele” (vv. 16-18). Da praça pública (Ágora, cf. 16,19) o levam ao “Areópago”, a colina de Ares (deus da guerra) ao oeste da Acrópole, lugar mais sossegado; designa também o lugar do supremo conselho de Atenas. É provável que se trate deste conselho; em suas atribuições religiosas e universitárias queria se informar sobre essa nova doutrina.

A Bíblia do Peregrino (pag. 2674) comenta: Lucas compõe o discurso de Paulo como modelo de pregação a pagãos. O esquema é parecido com o que encontramos nas cartas (1Ts 1,9-10 e Hb 6,1-2); o de Listra parou na metade (14,15-18). Começa com a afirmação monoteística de Deus: é o criador do universo, criador e benfeitor do homem. Esse Deus exorta hoje ao arrependimento, um dia julgará por um delegado seu, que ele credencia com a ressurreição. A primeira parte é bastante extensa, porque antes Lucas não a tratou suficientemente. A parte final está reduzida a poucas frases, porque já fez ouvir ao longo do livro. Uma economia narrativa global governa o desenvolvimento relativo das partes. Comparando com a ampla explanação da carta aos Romanos, este breve discurso mostra divergências notáveis, devidas talvez à diversidade do público, ou a uma concepção diversa de Lucas.

De pé, no meio do Areópago, Paulo disse: “Homens atenienses, em tudo eu vejo que vós sois extremamente religiosos. Com efeito, passando e observando os vossos lugares de culto, encontrei também um altar com esta inscrição: ‘Ao Deus desconhecido’. Pois bem, esse Deus que vós adorais sem conhecer, é exatamente aquele que eu vos anuncio (vv. 22-23).

A introdução como entrada no assunto, é magistral. Como um cumprimento cortês e ambíguo que se transforma em crítica, e saber perceber um valor profundo, a ânsia indefinida de uma religiosidade frustrada. Os gregos dedicavam altares “aos deuses desconhecidos” para se conciliarem mais seguramente o favor de divindades esquecidas ou ignoradas (cf. a confissão de pecados “não lembrados”). Pois bem diz Paulo, o Deus para vós desconhecido e procurado, eu vo-lo dou a conhecer (cf. Jo 4,22). Para ajudar os seus ouvintes a saírem da “ignorância” (v. 30), ele se esforça por descobrir no paganismo analogias com sua mensagem.

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo Senhor do céu e da terra, ele não habita em santuários feitos por mãos humanas. Também não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa; pois é ele que dá a todos vida, respiração e tudo o mais (vv. 24-25).

É Deus que cria o universo (Sl 146,6), e não precisa de que lhe construam moradas (is 66,1); o Deus que dá e não precisa que lhe dêem (Sl 50); que dá o alento (“respiração”; cf. Is 42,5; Gn 2,7).

Que Deus “não habita em santuários feitos por mãos humanas” (1Rs 8,27; Is 66,1s; no NT: At 7,48) e “não é servido por mãos humanas” (alusão à fabricação dos ídolos,) já é polêmica frequente no AT e empregado pelo judaísmo em sua pregação aos pagãos. Um tema análogo se encontra entre os estóicos: “… como se precisasse de alguma coisa” (Sl 51,18; Jr 7,22; cf. 1Cr 29,10s; 2Mc 14,35; Sl 50,9-13; Am 5,21s), ideia desenvolvida pelo filósofo Sêneca na mesma época em Roma.

De um só homem ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, tendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites de sua habitação (v. 26).

A tradição bíblica de Adão coincide com o conceito estóico da unidade do gênero humano por sua origem do primeiro (não mencionado) e como criatura de Deus. Com a humanidade advém a história: em suas coordenadas de tempo e espaço também controladas por Deus (cf. Gn 10; Dt 32,8s; Is 18,5-6). Outros referem essas coordenadas à natureza: os “tempos” das estações (cf. 14,17; Gn 1,14; Sb 7,18; Eclo 33,8) ou os “limites” que separam a terra habitável das águas do abismo (Gn 1,9s; Sl 104,9; Jó 38,8-11; Pr 8,28s; cf. Jr 5,22-24; Sl 74,17). A ordem do mundo era uma noção central na filosofia estóica.

Assim fez, para que buscassem a Deus e para ver se o descobririam, ainda que às apalpadelas. Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como disseram alguns dentre vossos poetas: ‘Somos da raça do próprio Deus’ (vv. 27-28).

A expressão “buscar a Deus” é comum no AT (cf. Sl 27,4; Is 55,6; Zc 8,21; Os 5,6 etc.); aqui tem o sentido amplo e também mais matizado pelo que se segue. Apresenta-nos a busca do homem, dividido entre seu afã, sua ânsia de alcançar a Deus e a dificuldade de transcender as dedicações. Em sua busca, o homem vai como tateando, “às apalpadelas” (cf. Dt 28,29; Is 59,10). Não obstante, Deus esta perto de cada ser humano: “Ele não está longe de cada um de nós”  (cf. Sl 139,5; 145,18).

O texto sugere que os pagãos poderiam “descobrir” a Deus, pelo menos através da criação (cf. Rm 1,19s): “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos”, frase inspirada no poeta Epimênides (séc. VI a.C.) e na tríade platônica: vida, movimento e ser (cf. o paralelo em v. 25b).

A citação “Somos da raça do próprio Deus” é dos Fenômenos do poeta Áratos (séc. III a.C.) e se parece a um verso de um hino de Cleantes, um filósofo estóico: Deus como espaço total da vida e da existência humana (comparece-se em termos de luz, Sl 36,10). O homem como ser “da descendência de Deus” (Ml 2,15), uma aproximação com a ideia de “imagem de Deus” (Gn 1,26s; cf. 2Pd 1,4; 1Jo 3,2). Citar para os pagãos um poeta deles é quase como citar para os judeus a Escritura.

Sendo, portanto, da raça de Deus, não devemos pensar que a divindade seja semelhante a ouro, prata ou pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem (v. 29).

Os pagãos imaginavam os deuses à imagem do homem. A partir dos seus próprios princípios, é o processo inverso que lhes é proposto aqui. A literatura do AT é abundante contra os ídolos materiais e sua ambiguidade ou engano (cf. Is 44,9-20, a carta de Jeremias em Br 6, os acréscimos em Dn 3 e 14, e Sb 12-15).

Mas Deus, sem levar em conta os tempos da ignorância, agora anuncia aos homens que todos e em todo lugar se arrependam, pois ele estabeleceu um dia em que irá julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou, diante de todos, oferecendo uma garantia, ao ressuscitá-lo dos mortos” (vv. 30-31).

Depois da exposição vem a interpretação. Toda a história passada se encerra na definição de “ignorância” (Ef 4,18; 1Pd 1,14), devida ao desconhecimento das profecias (cf. v. 23; 3,17; 13,27). A culpa dos pagãos é de não saberem descobrir Deus através da criação (cf. vv. 27; Rm 1,19-22). Chegou o momento de sair dessa ignorância e passar ao arrependimento, ou seja, reconhecer a maldade para corrigi-la. Todos os seres humanos são chamados a romper com o passado. Os apóstolos convidam para o arrependimento na perspectiva do julgamento.

Haverá um dia certo, embora não revelado, para este julgamento de Deus (Sl 9,9; 75,3; 96,13; 98,9). É um “homem” encarregado de executá-lo (10,42; Mt 25,31-32; 1Pd 4,5; cf. Rm 14,9; 2Tm 4,1). Diferente da pregação aos judeus, Paulo fala aqui aos pagãos nem da vida nem da morte de Jesus, nem do seu nome. O apresenta aqui apenas como “homem” (cf. 2,23), artífice de um juízo universal. A ressurreição de Jesus é afirmada, mas chega assim quase sem fazer barulho, como garantia dessa missão de juiz, ou em atenção aos pagãos, para aguçar sua curiosidade, ou em atenção aos leitores que ouviram falar dela no livro.

Quando ouviram falar da ressurreição dos mortos, alguns caçoavam, e outros diziam: “Nós te ouviremos falar disso em outra ocasião” (v. 32).

No mundo grego, mesmo entre cristãos, o conceito da ressurreição superou com muita dificuldade as prevenções (cf. 15,12). Para os gregos, havia vida após a morte apenas como sombras no submundo (hades), para os filósofos, só contava a natureza como podia ser observada (Aristóteles), ou o mundo espiritual das idéias, não o material e ou corporal (Platão). O anúncio da ressurreição dos mortos (da carne), de fato, causa uma reação que se divide entre a caçoada explícita e o adiantamento cortês e distante. Nas suas cartas, Paulo questionará o alcance dos ornamentos da sabedoria grega (1Cor 2,1-5).

Assim Paulo saiu do meio deles. Alguns, porém, uniram-se a ele e abraçaram a fé. Entre eles estava também Dionísio, o areopagita, uma mulher chamada Dâmaris e outros com eles. Paulo deixou Atenas e foi para Corinto (17,33-18,1).

Lucas menciona dois nomes, um homem e uma mulher que devem ser conhecidos pelos leitores. Sob o nome de Dionísio, um autor do séc. V (o Pseudo-Dionísio) colocou seus escritos místicos (neo-platônicos). Estes tiveram grande influência para o desenvolvimento dos vitrais do estilo gótico em Paris (St. Denis). Foi também identificado com São Dionísio , primeiro bispo de Paris (séc. III).

  1. Josafá Menezes da Silva escreveu: O Apóstolo pensou que os atenienses estivessem bem preparados para compreender a revelação do verdadeiro Deus, porque já possuíam um certo grau de conhecimento, que já tinham um caminho andado. Ouvinte, não é a primeira vez que o discurso de Paulo não tem a resposta esperada! Aconteceu coisa pior com Jesus no discurso inaugural na sinagoga de Nazaré. A pregação missionária não tem sucesso garantido. O fato que os ouvintes se mostrem incapazes de acolher a pregação não depõe contra o seu conteúdo ou contra o modo como foi apresentado, mas atesta simplesmente que a palavra, para dar fruto, deve encontrar terreno bem preparado. Além da filosofia, os homens precisam do Espírito Santo. É o Espírito que prepara os corações para a fé em Cristo! De agora em diante, ele vai abandonar o método dos discursos eruditos e vai falar direto de Cristo, aquele que o alcançou no caminho de Damasco. Falará logo de Cristo, de sua experiência! Em Corinto tentará outro caminho.

 

Evangelho: Jo 16,12-15

Em poucos versículos, Jesus traça a ação futura do Espírito em duas ações complementares: para fora, deixando convicto o mundo (vv. 8-11, evangelho de ontem); para dentro, guiando a comunidade (vv. 12-15).

Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora (v. 12).

O v. 12 parece contradizer que o que foi afirmado em 15,15: “Vos comuniquei tudo o que ouvi do meu Pai”. A Bíblia do Peregrino (p. 2603) comenta: Projetá-lo ao tempo entre a Ressurreição e Pentecostes seria sair de João e passar para o esquema de Lucas. Pode-se lembrar 2,22 e 12,16, ou seja, fatos e palavras que à luz da ressurreição falam aos discípulos com uma linguagem nova, inteligível.

Jesus já disse “tudo” aos discípulos, mas há coisas no futuro (v. 13) que não os atingem agora, mas precisam ser compreendidas por cada geração respectiva. O que falta aos discípulos não é uma quantia maior de revelação, mas uma maior compreensão a qual o Espírito providenciará. O verbo grego aqui traduzido por “compreender”, significa “suportar” ou “carregar” e alude à paixão (19,17; Lc 11,46; 14,27; Gl 6,2.5).

Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu (vv. 13-15).

O evangelho de hoje apresenta a conclusão das palavras sobre o paráclito (defensor, advogado, intercessor, consolador), chamado em Jo “Espírito da Verdade” (cf. 14,16s.26; 15,26; 16,7-11). O Espírito completa a revelação, porque comunicará o que os discípulos ainda não conseguem compreender. A “verdade plena” não é um sistema dogmático, mas a realidade divina (cf. 4,24; 8,32; 17,17; 18,37s).

As coisas futuras”, Jesus não precisa revelá-las num apocalipse, mas o Espírito as atualiza. Não é que o Espírito traga novas revelações, mas ele “conduzirá à verdade” (ou fidelidade; no AT, a expressão era aplicada à Lei, cf. Sl 25,5), no interior da revelação de Jesus, para a compreensão sempre mais atualizada e crescente, à nova ordem das coisas, originada da morte e da ressurreição de Cristo. O futuro se entende em relação ao momento em que Jesus fala; “anunciar” (anaggelein) equivale a tomar e apresentar de novo. O Espírito interpretará os sinais dos tempos e livrará do medo do futuro. Pela partida de Jesus, os discípulos não serão separados da revelação divina, mas envolvidos pela atualização do Espírito da Verdade. Os leitores de Jo já entendem coisas que os discípulos não podiam compreender no momento.

Como Jesus, também o Espírito “não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido” (cf. 3,32; 7,17f; 8,26.28; 12,49; 14,10). A Bíblia de Jerusalém (p. 2029) comenta:  Como Jesus glorificou o Pai (7,18), o Espírito “glorificará” Jesus, manifestando as riquezas do seu mistério. O próprio Jesus glorifica o Pai (14,13; 17,4). A revelação, portanto, é perfeitamente una, originando-se no Pai e tendo a sua realização no Filho, termina no Espírito, para a glória do Filho e do Pai.

Aqui, porém, está falando da função do Espírito (paráclito) em favor dos pessoas afligidas, ou seja, na economia da revelação. Tirar as consequências para uma doutrina trinitária é tarefa posterior.

Não haverá uma nova revelação independente daquela dada em Jesus Cristo. O que o Espírito revela não é mais do que a verdade de Jesus, porém, a leva adiante. A verdade do Espírito é, portanto, a verdade de Jesus a qual é nada menos do que a verdade de Deus (cf. 10,30; 20,28).

O site da CNBB resume: O Espírito Santo nos é enviado não apenas como o Consolador. Ele é também o Espírito da Verdade, que nos ensinará toda a verdade. A promessa da presença do Espírito Santo no meio de nós é a garantia da fidelidade da Igreja na busca da compreensão das verdades reveladas nas Sagradas Escrituras. É o Espírito Santo quem abre o coração e a mente de todos os fiéis para que possam compreender melhor as coisas do alto e assim possibilita a todos a melhor vivência da vontade do Pai. É pela ação do Espírito Santo que podemos reconhecer Jesus e glorificar o seu santo Nome.

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