09 de março de 2018 – Sexta-feira, Quaresma 3ª semana

Leitura: Os 14,2-10

O profeta Oseias exerceu sua atividade no Reino do Norte até a queda da sua capital Samaria (750-722 a.C.). Ouvimos hoje o final do livro que termina com a esperança de cura e perdão. Não é possível que o juízo terrível sobre Samaria em 14,1 fosse a última palavra de Deus. Provavelmente foi um discípulo de Oseias que queria chamar à conversão os sobreviventes da invasão dos assírios na Samaria (cf. 2Rs 17).

Volta, Israel, para o Senhor, teu Deus, porque estavas caído em teu pecado (v. 2).

O verbo “voltar” é usado três vezes (vv. 2.3.8) e se refere à volta do exílio e retomada da aliança (6,1; cf. Is 55,7; Zc 10,9).

A matança (v. 1) não é o último ato; o final do livro se abre com um chamado à conversão e encerra com a garantia dos frutos. O desenvolvimento é linear: convite a converter-se (v. 2), discurso do réu convicto e arrependido (vv. 3-4), perdão e cura (v. 5) e assim que Efraim floresce e dá fruto (vv. 6-8), diálogo final (v. 9). Deus não quer a morte do pecador, mas sua conversão e a salvação (cf. Ez 18,23.32).

Vós todos, encontrai palavras e voltai para o Senhor; dizei-lhe: “Livra-nos de todo o mal e aceita este bem que oferecemos; o fruto de nossos lábios. A Assíria não nos salvará; não queremos montar nossos cavalos, não chamaremos mais deuses nossos a produtos de nossas mãos; em ti encontrará o órfão misericórdia” (vv. 3-4).

O final do livro nos remete ao seu início: o objetivo de Oseias é procurar a conversão do pecado de Israel, que era a idolatria (10,8), na metáfora do profeta um adultério (traição da aliança com Deus). A esposa infiel (Israel) não só é reprovada e censurada pelo esposo fiel (Javé Deus), mas também é cortejada e convidada a retomar seu amor verdadeiro (cf. 2,16-25; 11,8-11). Fica evidente quem são os “amantes” (2,7.9.12) que levam o povo a prostituição. É a política de submissão à potencias estrangeiras (“Assíria”), a confiança no poderio militar (“cavalos” do Egito) e o culto a outras divindades (“deuses”); em nada disso se podem encontrar a certeza de uma recuperação política, um florescimento econômico e até mesmo a salvação.

Convém a Israel pedir perdão e confessar seus pecados (“oferecer o fruto de nossos lábios”, v. 3; cf. Hb 13,15). Os elementos desta profissão de fé são a contraparte das censuras dirigidas ao povo pelo profeta no decorrer do livro: a renúncia das alianças políticas e da idolatria. Estabelece uma oposição radical entre os ídolos (“obras de nossas mãos”) e o Deus de Israel. O povo pequeno e fraco (“órfão”) encontra misericórdia e salvação somente no Senhor (v. 4d).

Hei de curar sua perversidade e me será fácil amá-los, deles afastou-se a minha cólera (v. 5).

O v. 5 marca a mudança, a cura da apostasia, a vitória do amor sobre a cólera (fechando uma série: 3,1; 4,18; 8,9; 9,1.10.15; 10,11; 11,1.4; 12,5). Oseias compara o amor divino com o amor de esposo (caps. 1-3) ou de pai (11,1-4.8-9).

Serei como orvalho para Israel; ele florescerá como o lírio e lançará raízes como plantas do Líbano. Seus ramos hão de estender-se; será seu esplendor como o da oliveira, e seu perfume como o do Líbano. Voltarão a sentar-se à minha sombra e a cultivar o trigo, e florescerão como a videira, cuja fama se iguala à do vinho do Líbano. Que tem ainda Efraim a ver com ídolos? Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto (vv. 6-9).

O cântico dos Cânticos se inspirará nestes vv. 6-9: perfume, vinho, açucena, cipreste frondoso (Ct 1,17), sentar-se à sombra (Ct 2,3), orvalho (Ct 5,2), florescer (Ct 6,11; 7,3) e o Líbano (Ct 4,11) que simboliza força, esplendor e beleza.

“Que tem ainda Efraim a ver com os ídolos?” (v. 9). Efraim é um dos filhos de José (Gn 41,52) e nome da tribo que se assentara no centro de Israel (Js 16); simboliza o Reino do Norte com sua capital Samaria. Com certa ousadia, Oseias declara Javé como o verdadeiro Deus da fertilidade, não o ídolo Baal (deus cananeu da tempestade e fertilidade): “Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto”. Corresponde à explicação do nome “Efraim” em Gn 41,52 baseada no verbo “frutificar, fecundar”.

Compreenda estas palavras o homem sábio, reflita sobre elas o bom entendedor! São retos os caminhos do Senhor e, por eles, andarão os justos, enquanto os maus ali tropeçam e caem (v. 10).

O versículo final é do estilo sapiencial (cf. Sl 107,43; Jr 9,11; Ecl 8,1). Provavelmente escrito na época quando as palavras de Os foram redigidas e compilados. Ele mostra que não basta uma leitura superficial para entender a mensagem do profeta, é necessário discernimento diante das idolatrias que nos rodeiam, para enveredar-nos pelos caminhos retos do Senhor. Sem esse discernimento que leva a uma atitude concreta diante dos “amantes” que nos fascinam, o próprio caminho do Senhor se torna um tropeço. “Seguir os caminhos do Senhor (Javé)” é expressão deuteronômica e significa obedecer aos mandamentos de Deus (Dt 8,8,6; 11,22.28; 19,9).

 

Evangelho: Mc 12,28-34

Depois da leitura da profecia de Oseias sobre o amor de Deus que perdoa o pecado de Israel, ouvimos no evangelho de hoje sobre o mandamento do amor. No meio das últimas controvérsias com os adversários em Jerusalém (caps. 11-12), Mc nos apresenta um diálogo que não é hostil.

Um mestre da Lei aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” (v. 28b).

No judaísmo, a pergunta sobre o “primeiro de todos os mandamentos” já era uma polêmica. Muitos a consideravam até uma blasfêmia, fazer diferença entre mandamentos mais importantes e menos importantes, já que cada um vem do Senhor e ele só dá mandamentos importantes. No AT (Antigo Testamento), mais precisamente na Lei de Moisés (os cinco primeiros livros chamados Torá em hebraico, Pentateuco em grego), não só havia o decálogo (os “10 mandamentos”: Ex 20; Dt 5). Os rabinos contavam um total de 613 mandamentos da Lei (365 proibições e 248 mandatos)! Não se podia fazer uma síntese de todos eles? As respostas que já foram dadas repetem um dos 10 mandamentos, por ex. o primeiro (contra os ídolos) ou o terceiro (santificar o sábado) ou o quarto (honrar os pais). Haverá outras sínteses, mas sem citar um texto bíblico, combinando por ex. os deveres a respeito de Deus e dos semelhantes: “servir com santidade e justiça” (cf. Lc 1,75), ou a Regra de Ouro (cf. Mt 7,12; Lc 6,31).

Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes” (vv. 29-31).

A resposta de Jesus é uma combinação original de dois textos da Lei de Moises. O primeiro começa com o shema (“ouve”), ou seja, a profissão de fé monoteísta que os judeus guardam por escrito em cápsulas e faixas de couro colocadas na testa ou na entrada da casa: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Como ele é o único (ao contrário do politeísmo), ele exige toda atenção e adoração: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda tua alma, de todo o teu entendimento e com toda tua força” (Dt 6,5).

Do amor a Deus nasce o amor a suas criaturas.  “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Jesus não especifica aqui o significado da palavra “próximo” (em Lv 19,18 era o compatriota; em Lc 10,29-37 será o bom samaritano, ou seja, qualquer um, até o inimigo, cf. Mt 5,43-48p). Estes dois mandamentos equivalem as duas tábuas do decálogo (deles “dependem toda a Lei e os Profetas”, Mt 22,40), e mais ainda: “amar” exige mais criatividade e empenho do que “não ter outros deuses, não pronunciar o santo nome em vão”, ou “não matar, não furtar” etc.

O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente e com toda a força e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (vv. 32-33).

Em Mc, o mestre da Lei (escriba) perguntou Jesus sem segundas intenções (v. 28; em Mt e Lc, os fariseus e um legista já querem “pô-lo a prova”). Ele elogia a resposta de Jesus e a repete com outras palavras (“não existe outro além dele”: cf. Dt 4,35; Is 43,10s; 44,6; 45,5s.14.18.21s), afirmando que cumprir estes dois mandamentos “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (doutrina frequente no AT, cf. Is 1,10-20; Sl 50; Eclo 34-35).

Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus (v. 34).

Jesus, por sua vez, atesta a “inteligência” do mestre da lei e afirma: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O letrado aceitou a soberania de Deus na velha legislação, agora se abre ao reino de Deus presente em Jesus. Para a comunidade de Mc, este letrado simpatizante se incorpora a Igreja e pode representar outros (cf. Mt 13,52). Mt e Lc omitem a resposta e o elogio deste mestre da lei, provavelmente porque ambos escrevem 10 a 15 anos depois de Mc e devido à destruição do templo (70 d.C.) já não há mais holocaustos nem sacrifícios. Para Mc, que escreve por volta de 70 d.C., a questão era atual.

Mas em todos os quatro evangelhos, Jesus coloca o amor como critério soberano (cf. ainda Jo 13,34s; 15,12s17). Quem ama, não está longe de Deus, porque “Deus é amor” (1Jo 4,8.16; cf. 1Jo 3,11-24; 4,20-21).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas acham que para serem salvas, é suficiente cumprir todas as suas obrigações de ordem religiosa como a participação nas celebrações e atos devocionais. O escriba do Evangelho de hoje afirma que amar a Deus e ao próximo é melhor do que as práticas religiosas, no caso os holocaustos e os sacrifícios, e Jesus confirma isso ao afirmar que ele não está longe do reino de Deus. A nossa vida religiosa só tem sentido enquanto é um reflexo do amor vivido concretamente, ou seja, enquanto é manifestação da nossa solidariedade. Caso contrário, a religião se reduz a práticas mágicas, bruxarias, rituais vazios, que nada acrescentam a ninguém e não nos aproxima de Deus.

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