09 de setembro de 2016 – 23ª semana 6ª feira

Leitura: 1Cor 9,16-19.22b-27

Na leitura de ontem, Paulo salientou o princípio do amor aos mais fracos, respeitando a consciência deles. Na questão das carnes sacrificadas aos ídolos, o amor deve primar sobre a liberdade de julgamento pessoal (8,1-13). Paulo mostra como ele mesmo, por amor para com todos, renunciou a certos direitos que a sua missão lhe conferia (cf. vv. 1-15).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1396) comenta: Paulo continua a defesa de sua liberdade por não depender de ninguém no seu apostolado, dentre os vários argumentos, declara que sua missão é um encargo recebido de Deus, o salário de Deus é a gratuidade, e é com essa motivação que o apóstolo evangeliza. Ele cumpre um mandato divino, e por isso não está submisso a nenhum ser humano. Em seguida, proclama um princípio fundamental para a evangelização: torna-se tudo para todos (2Cor 11,29). E conclui com dois exemplos da vida esportiva, a corria e o pugilato, para aplicá-los à disciplina necessária ao cristão, tal como é indispensável a um atleta (Gl 5,7; 2Tm 4,7-8).

Pregar o evangelho não é para mim motivo de glória. É antes uma necessidade para mim, uma imposição. Ai de mim se eu não pregar o evangelho!(v. 16).

Paulo sente-se como um profeta, forçado a pregar; cf. as confissões de Jeremias: “forçado por tua mão” (Jr15,17), embalado por um fogo interior da massagem, “fazia esforços para contê-la e não podia” (Jr 20,9). Ai de mim, por minha pregação! dizia Jeremias; ai de mim, se não anuncio”, diz Paulo.

Se eu exercesse minha função de pregador por iniciativa própria, eu teria direito a salário. Mas, como a iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado. Em que consiste então o meu salário? Em pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá (vv. 17-18).

O apóstolo se compara a um escravo administrador (cf. 4,1), que não recebe salário, e se opõe ao cidadão livre, contratado por dinheiro. O escravo não recebia salário algum por um “encargo” que era forçado a assumir: ao contrário, quem é livre de aceitar ou rejeitar um trabalho pode reclamar uma retribuição. Note-se o paradoxo intencional: “Não receber nenhum salário, eis o meu salário”. A generosidade desinteressada é seu melhor salário.

Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível (v. 19).

Paulo não depende de seres humanos, é livre: como judeu, como cidadão romano, como cristão; torna-se escravo de todos, a exemplo de Cristo, servo de Deus (Fl 2,5-11; Mc 10,43-45p; Lc 22,26s; Jo 13,13-17; Is 53).

Com todos, eu me fiz tudo, para certamente salvar alguns. Por causa do evangelho eu faço tudo, para ter parte nele (22b-23).

Quando estava com os judeus, cumpriu a lei como estivesse ainda sujeito a lei (v. 20; cf. At 16,3; 21,20-26; Gl 4,4s). Com os pagãos, vivia sem a lei de Moisés, mas segundo a lei de Cristo (v. 21; cf. 11,1; Rm 6,15-19; Gl 2,20; 6,2). Com os “fracos” (v. 22a) na consciência, dos quais falou antes (8,7-12), evitou a carne sacrificada aos ídolos (cf. 2Cor 11,29). Mas ele tem de educar todos para ganhá-los, não os deixando em sua “fraqueza” ignorante.

Paulo faz tudo isso de modo que seja boa notícia (“evangelho”) também para ele.E essa é a paga daquele que trabalhou.

Acaso não sabeis que os que correm no estádio correm todos juntos, mas um só ganha o prêmio? Correi de tal maneira que conquisteis o prêmio. Todo atleta se sujeita a uma disciplina rigorosa em relação a tudo, e eles procedem assim, para receberem uma coroa corruptível. Quanto a nós, a coroa que buscamos é incorruptível! Por isso, eu corro, mas não à toa. Eu luto, mas não como quem dá murros no ar. Trato duramente o meu corpo e o subjugo, para não acontecer que, depois de ter proclamado a boa nova aos outros, eu mesmo seja reprovado (vv. 24-27).

Paulo quase não usa parábolas ou metáforas. Ele não fala ao povo simples da roça da Galileia, mas se dirige a um público urbano que frequentava jogos esportivos, como em Corinto onde se realizavam os jogos ístmicos na primavera. Toda esta passagem (vv. 24-27) usa um vocabulário esportivo, usado como imagem também pela filosofia popular.

A liberdade fica também limitada pela necessidade de treinamento e de competir até o final.Esta passagem fica estreitamente ligada ao problema das carnes sacrificadas aos ídolos. Paulo exorta os “fortes” a imitá-lo sacrificando os seus direitos por amor, do mesmo modo que os corredores se privam de tudo para obter o prêmio. No estádio, só um é coroado; no terreno cristão todos, contanto que corram segundo o regulamento.

“Trato duramente o meu corpo e o subjugo”;termo técnico do pugilato, lit.:“eu firo o meu corpo abaixo dos olhos e o arrasto cativo” como o vencedor arrastava o vencido. “Depois de ter proclamado a boa nova”, lit.:“bancando o arauto” que proclamava o resultado dos jogos.

O horizonte é escatológico (cf. o destino eterno e a recompensa dos justos em Sb 4,2; 5,15s). Paulo, que agora faz às vezes árbitro ou anunciador dos vencedores, é ao mesmo tempo lutador e corredor rumo à meta (cf.Fl 3,14; 2Tm 4,6-8; 1Pd 5,4; Tg 1,12. Ap 2,10; 3,11).

 

Evangelho: Lc 6,39-42

No Evangelho de hoje continuamos ouvindo o sermão da planície de Lc (cf. sermão da montanha de Mt 5-7). A frase central foi a de 6,36: “Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso” (cf. Mt 5,48: “perfeito”) que resumiu duas primeiras partes: as bem-aventuranças e o amor aos inimigos (vv. 20-35). Por isso os discípulos devem ser generosos e não julgar (6,37-38). Só Deus pode julgar.

Lc salienta que as relações numa sociedade nova não devem ser de julgamento e condenação, mas de perdão e dom (gratuidade). A terceira parte do sermão não apresenta mais imperativos proféticos, mas parábolas (vv. 39-49).

Jesus contou uma parábola aos discípulos: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco? Um discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre (vv. 39-40).

Em breves parábolas,Lc segue a crítica da sua fonte comum com Mt, uma coleção de palavras de Jesus, chamada Q,que visava os fariseus como guias cegos do povo e hipócritas (cf. Mt 6,2; 15,14; 23,16; Mc 12,15; cf. Is 3,12), mas Lc aplica-as aos líderes da comunidade cristã (!), convidando os responsáveis à lucidez e autocrítica (o mesmo procedimento em vv. 43-45). Dirigida novamente “aos discípulos” (cf. vv. 20.27), mostra que o farisaísmo é atitude típica que também pode ocorrer na comunidade.

São cegos os que não veem com os olhos de Jesus:“Um discípulo não é maior do que o mestre. Todo discípulo bem formado será como o mestre”. O lugar deste aforismo era a instrução aos discípulos sobre os sofrimentos da missão (Mt 10,24s; Jo 13,16). Aqui o mestre é Cristo: o outro lado deve procurar transmitir o que dele recebeu. Se o mestre (Cristo) é misericordioso (cf. Lc7,36-50; 15,1-32; 23,34.43), porque o discípulo (a Igreja) vai julgar com mais dureza?

Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho? Como podes dizer a teu irmão: ‘Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho’, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão (vv. 41-42).

Continua a comparação com a vista cega e distorcida. Uma frase feliz, hiperbólica, nos legou as expressões “o cisco e a trave”, referindo-se aqui aos hipócritas (em Mt, são os fariseus, em Lc, os líderes da comunidade) que querem julgar (e excluir) os outros sem misericórdia (cf. vv. 36s). Atenção aos censores que se creem exemplares!Quem corrige a outros que se corrija! A trave é como uma cegueira para os próprios defeitos. O rigor do nosso julgamento sobre o nosso próximo (cisco) mostra que desconhecemos a nossa própria fragilidade e a nossa condição de pecadores diante de Deus (trave).

O site da CNBB comenta: A nossa vida espiritual deve ser marcada por um constante aprendizado, de modo que sejamos, ao mesmo tempo, evangelizadores e evangelizados, e o crescimento na fé realize-se principalmente na experiência da vida comunitária, na troca de experiência e na valorização de tudo o que os outros podem nos oferecer, sem ficar vendo apenas as dificuldades, os problemas e os erros das pessoas que estão ao nosso lado. Mas tudo isso deve ser iluminado por uma mística: devemos ser dóceis ao Espírito Santo, nos deixar ser conduzidos por ele, já que não somos os donos da verdade e ele é o Espírito da Verdade, que nos conduzirá à plena verdade. Somente agindo assim é que não seremos os cegos que guiam outros cegos, mas sim todos guiados pelo próprio Deus.

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