10 de janeiro de 2017 – Terça-feira, 1ª semana

Leitura: Hb 2,5-12

Continuamos lendo a carta aos hebreus escrita por um anônimo no fim do séc. I: Um “sermão para cristãos desorientados” – é assim que poderíamos chamar esta “epístola de Paulo aos hebreus” que não é epístola, nem de Paulo, nem aos hebreus (A. Vanhoye; cf. o comentário de ontem).

Não foi aos anjos que Deus submeteu o mundo futuro, do qual estamos falando (v. 5).

A posição de Jesus é muito mais alta do que os anjos (1,4-2,4; cf. Ef 1,20s; Cl 1,16; 2,10.15; 1Pd 3,22). Ele tem direito não apenas aos títulos de “Filho” (1,5), de “Primogênito” (1,6) e de “Senhor” (1,10; cf. 1,4), mas também ao próprio nome de “Deus” (1,8.9). Só ele será o soberano do “mundo futuro” (v. 5). Este mundo futuro pode ser o Reino de Deus (cf. 1Cor 15,24-28) que será entregue ao Filho do Homem (Dn 7,13s).

A este respeito, porém, houve quem afirmasse: “O que é o homem, para dele te lembrares, ou o filho do homem, para com ele te ocupares? Tu o fizeste um pouco menor que os anjos, de glória e honra o coroaste, e todas as coisas puseste debaixo de seus pés” (vv. 6-8a).

Apesar da sua posição superior aos anjos não se deve esquecer que Jesus é “homem”. O autor da carta cita o Salmo 8, mas o reinterpreta:  O salmo falava da posição especial que o ser humano (“filho do homem”, em hebraico é “filho de Adão”) ocupa na criação e diante de Deus. Para Hb, o “filho do homem” é o próprio Jesus. “Filho do homem” pode significar simplesmente “criatura humana” (Ez 2,1 etc.) ou a figura humana que aparece em Dn 7,13-14, a quem Deus entregará seu reino no final dos tempos (cf. Mc 2,10.28; 8,31.38; 13,26; 14,62).

Se Deus lhe submeteu todas as coisas, nada deixou que não lhe fosse submisso. Atualmente, porém, ainda não vemos que tudo lhe esteja submisso. Jesus, a quem Deus fez pouco menor do que os anjos, nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte. Sim, pela graça de Deus em favor de todos, ele provou a morte (vv. 8b-9).

“Atualmente, porém, ainda não vemos que tudo lhe esteja submisso” (v. 8c). Sua volta ainda não aconteceu, contudo ele permanece o glorificado em quem a comunidade crê e espera: “nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte” (v. 9). O Filho de Deus, feito homem e crucificado foi glorificado e agora domina o universo (cf. Fl 2,6-11). Só aqui em 2,9, quando fala da morte, o autor menciona pela primeira vez o nome “Jesus” (antes falava do “Filho”). O Cristo (messias-rei) celeste é o homem Jesus, histórico, “coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte… em favor de todos” (cf. a descrição tradicional de Cristo como Servo sofredor de Is 53; Mt 26,28; Mc 10,45).

Convinha de fato que aquele, por quem e para quem todas as coisas existem, e que desejou conduzir muitos filhos à glória, levasse o iniciador da salvação deles à consumação, por meio de sofrimentos. Pois tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, ele não se envergonha de os chamar irmãos, dizendo: “Anunciarei o teu nome a meus irmãos; e no meio da assembleia te louvarei.” (vv. 10-12).

Em Mc 15,34p vemos Jesus na sua humanidade, gritando “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Sl 22,2). É o salmo da paixão (cf. Mt 27.35.39.43.46). A maior parte deste Salmo 22 é lamentação, mas em v. 23 começa a reviravolta, o orador é finalmente ouvido e resgatado do seu sofrimento pelos perseguidores e da “poeira da morte” (Sl 22,16) e começa louvar a Deus: “Anunciarei o teu nome a meus irmãos; e no meio da assembleia te louvarei.” Este v. é citado aqui em v. 12, o crucificado é o glorificado.

O sofrimento e a morte fazem parte do ser humano. Se Jesus, “o santificador” (v. 11) se tornou de fato “filho do homem”, é “filho de Adão” e chama de “irmãos” os seres humanos (cf. vv. 11-12: “descendentes do mesmo ancestral”, ou seja, de Adão) e tinha que se fazer igual também no sofrimento. Sem passar pelo sofrimento não podia ser o “iniciador da salvação” da nossa condição humana. Com essas palavras, o autor prepara a mediação do sumo sacerdote Jesus (v. 17 etc.), sem seu sacrifício não podia ter a salvação dos humanos.

É neste irmão Jesus, que experimentamos e anunciamos a Deus. Em Deus, que criou todos nós, somos todos irmãos. Nem sempre é fácil pensar em Jesus realmente como ser humano igual a nós (com carne e osso, suor, saliva etc., com alegria e esperança, tristeza e angústia, cf. GS 1). Também não é sempre fácil ver nas outras pessoas, do jeito como estão, nossos irmãos e irmãs e neles a presença de Deus.

Evangelho: Mc 1,21b-28

O evangelho de Mc é como um filme de ação em que Jesus realiza muitos milagres na primeira parte do evangelho. O primeiro acontece na sinagoga de Cafarnaum, cidade onde moram os primeiros discípulos que Jesus acabou de chamar (v. 29; cf. 2,1; 3,1; Mt 4,13; 6,59).

Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei (vv. 21b-22).

No texto da nossa liturgia parece que só Jesus “entrou”, mas no texto original tem o plural “Entraram” (Jesus e seus discípulos recém-chamados, cf. vv. 16-20, evangelho do domingo passado) em Cafarnaum e “logo” (omitiu-se também esta palavrinha típica de ação em Mc) num dia de sábado, “começou a ensinar” na sinagoga onde os judeus costumavam celebrar um culto da palavra lendo da lei de Moisés e dos profetas, cantando os salmos e fazendo orações.

Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: ”Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?  Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (vv. 23-24).

Dentro da sinagoga onde os mestres da lei judaica ensinam como o povo deve cumprir a lei e se manter afastado dos pecadores impuros (“fariseu” quer dizer separado dos pecadores) encontrou-se “um homem possuído por um espírito mau”. A medicina precária da época atribuía doenças com causas desconhecidas ou psíquicas a espíritos impuros e maus (demônios).

Como espíritos sabem mais do que os homens, sabem que Jesus é “o Santo de Deus” (v. 24). Só Deus é santo, e sua santidade se comunica ao que lhe pertence ou lhe é consagrado (cf. Lv 19,2; Is 6,3 etc.). Jesus é “Santo de Deus” por excelência, por ser o Messias-Cristo (consagrado com a unção; não parece que os judeus tenham aplicado esse título ao Messias, cf. Lc 1,35; 4,34; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7).

Jesus o intimou: “Cala-te e sai dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu (vv. 25-26).

Como Jesus venceu a tentação de satanás no deserto (vv. 12-13), ele tem o poder para vencer também os espíritos maus. Os relatos de exorcismo eram comuns na época e seguiam certo esquema (cf. 5,1-13; 9,15-27): O possuído mostra seu desequilíbrio, gritando com seu conhecimento sobrenatural sobre Jesus (cf. v. 34; 5,7). O exorcista (Jesus) ordena “cala-te e sai dele” (v. 25; cf. 9,25). O espírito sai com gritos sacudindo o homem (v. 26; 9,26; cf.5,10-13). O homem fica curado (cf. 5,15; 9,27) e as pessoas que assistiram ficam espantadas e admiradas (v. 27; 5,15; 9,26c).

E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” E a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia (vv. 27-28).

Para Mc, a palavra de Jesus tem autoridade divina e é eficaz, fala e assim se faz (cf. Gn 1; Is 55,8-11). Como os discípulos inicialmente atenderam seu convite a segui-lo imediatamente (vv. 16-20), assim também os espíritos maus o obedecem logo (v. 27). O “ensinamento novo” de Jesus (1,27; cf. 12,28-34; Jo 13,32; Mt 5,21ss) é diferente daquele dos mestres da lei na sinagoga (vv. 22.27). Estes oprimem, desprezam e exploram as pessoas (cf. 12,38-40; Mt 23). Resumidamente pode-se concluir: o ensinamento dos mestres da lei na sinagoga deixa o homem louco, mas a palavra de Jesus o liberta.

O site da CNBB comenta: Jesus tem como costume ensinar nas sinagogas e o conhecimento da fé é a maior arma que o cristão tem para vencer o mal e o pecado, pois não só nos mostra o caminho para chegarmos até Deus e o valor da verdade para nós, além de nos revelar o amor que Deus tem por nós e a necessidade que temos de corresponder a esse amor por uma vida santa para que possamos vencer toda sorte de mal que venha a acontecer em nossas vidas e sentirmos o poder amoroso de Deus que se faz presente na vida de todas as pessoas que acolhem o que Jesus veio revelar a respeito de Deus e do seu Reino.

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