10 de janeiro de 2018 – Quarta-feira, 1ª semana

 

Leitura: 1Sm 3,1-10.19-20

Continuamos ouvindo a história de Samuel que nasceu de uma mulher estéril e foi dado ao sacerdote Eli para ajudar no santuário de Silo. Este capítulo 3 narra a vocação de Samuel como “profeta” (v. 20), mas seu protagonista é a “palavra de Deus”. Aparece negativamente no v. 1, outra vez em relação com Samuel no v. 7 “ainda não”; no final do capítulo (4,1a) penetrou plenamente na história Samuel será seu mediador.

A Bíblia do Peregrino (p. 491) comenta: A mesma palavra cria para si este instrumento humano como chamado. A tríplice voz noturna, além de ser um recurso narrativo popular, ilumina um contraste: até agora Samuel esteve às ordens de Eli, escutou sua voz; doravante escutará a voz do Senhor, para cumprir e transmitir suas ordens.

O jovem Samuel servia ao Senhor na presença de Eli. Naquele tempo a palavra do Senhor era rara e as visões não eram frequentes (v. 1).

Não sendo de família sacerdotal, o menino ocupava-se de serviços secundários. A Nova Bíblia Pastoral (p.306) comenta: O velho representante de Deus em Silo começa a perder espaço para o jovem Samuel. A menção da rara manifestação da palavra de javé (v. 1) quer desacreditar o sacerdote Eli e a religiosidade camponesa do norte. Em contraposição, na nova ordem da cidade, a palavra de Deus se manifesta três vezes.

“Visões” e “palavra” podem ser duas formas ou dois componentes do saber profético (cf. Am 7; Jr 1 etc.). O profeta, homem da palavra, era chamado em outra época “vidente” (cf. 9,9.18s).

Aconteceu que, um dia, Eli estava dormindo no seu quarto. Seus olhos começavam a enfraquecer e já não conseguia enxergar. A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado e Samuel estava dormindo no templo do Senhor, onde se encontrava a arca de Deus (vv. 2-3).

Enquanto, não podendo encarregar-se da vigilância, o velho Eli dorme em um dos anexos, o jovem Samuel “estava dormindo no templo do Senhor” (não é ainda o templo propriamente dito que foi construído por Salomão 100 anos depois em Jerusalém, mas um santuário-tenda ou edifício). A “arca de Deus” é a arca da aliança onde Moisés depositou as tábuas da Lei (decálogo: os dez mandamentos). É acima da Arca da aliança que Javé se torna presente e comunica suas ordens (cf. Ex 25,22; Is 6). No tempo dos juízes, ou talvez já sob Josué (cf. Js 18,1; Jz 21), esta arca foi instalada no santuário de Silo. Davi a trouxe a Jerusalém (2Sm 6), Salomão a instalou no templo (1Rs 8,1-9) em 966 a.C. A “lâmpada de Deus” deve ser o candelabro de que fala Ex 25,31-40; 27,21; Lv 24,2-4; era talvez evolução de uma instituição mais antiga

Então o Senhor chamou: “Samuel, Samuel!” Ele respondeu: “Estou aqui” (v. 4).

Este primeiro chamado equivale a uma vocação, como no meio da sarça em Ex 3,4, ainda que não inclua todos os elementos de uma vocação profética (cf. Jr 1; Is 6). A vocação de Samuel não é uma visão nem um sonho, a voz divina o desperta.

E correu para junto de Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Eli respondeu: “Eu não te chamei. Volta a dormir!” E ele foi deitar-se. O Senhor chamou de novo: “Samuel, Samuel!” E Samuel levantou-se, foi ter com Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Ele respondeu: “Não te chamei, meu filho. Volta a dormir!” Samuel ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado (vv. 5-7).

A Bíblia do Peregrino (p. 491) comenta: Samuel ainda não tem trato e familiar com o Senhor, como o têm os profetas (Am 3); a palavra não se revelou ou manifestou a ele pessoalmente, porque é necessária uma atualização com a força do Espírito, para que o homem capte essa palavra em seu caráter único de palavra de Deus.

O Senhor chamou pela terceira vez: “Samuel, Samuel!” Ele levantou-se, foi para junto de Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Eli compreendeu que era o Senhor que estava chamando o menino. Então disse a Samuel: “Volta a deitar-te e, se alguém te chamar, responderás: “Senhor, fala, que teu servo escuta!” E Samuel voltou ao seu lugar para dormir. O Senhor veio, pôs-se junto dele e chamou-o como das outras vezes: “Samuel! Samuel!” E ele respondeu: “Fala, que teu servo escuta” (vv. 8-10).

O fato de o Senhor apresentar-se seria uma visão (cf. Jó 4,16: visão de Elifaz). A nossa liturgia de hoje omite o conteúdo da mensagem que Samuel ouve em seguida (vv. 11-14), porque não é uma boa nova (para Eli, cf. v.11: “o ouvido vai ficar zunindo”). O Senhor fará cumprir o que um profeta anônimo já anunciou a Eli (2,27-36): o fim da família de Eli, a morte dos filhos do sacerdote Eli que se comportavam mal no santuário desviando as oferendas (2,12-17) e o fim de Eli que não os repreendeu o bastante (cf. 2,22-25). O pano de fundo na época do autor é a reforma do rei Josias (640-609 a.C.) que destituiu os levitas das aldeias do interior e concentrou o culto em Jerusalém (2Rs 23,8s).

Na manhã seguinte, Eli insiste em ouvir a mensagem e a reconhece como autêntica (3,15-18). Também hoje, o representante da instituição divina (templo, Igreja) ajuda ao jovem vocacionado (seminarista) a discernir o chamado sentido.

Samuel crescia, e o Senhor estava com ele. E não deixava cair por terra nenhuma de suas palavras. Todo Israel, desde Dã até Bersabeia, reconheceu que Samuel era um profeta do Senhor (vv. 19-20).

No final, o ofício profético de Samuel está afirmado: “o Senhor estava com ele” (cf. Jr 1), suas palavras são “do Senhor”; também em hebraico é ambíguo o possessivo “suas”: “não deixava cair nenhuma das suas palavras” quer dizer sem cumprimento, sem produzir frutos (mesma expressão em 2Rs 10,10; cf. Is 55,10s; Mc 4,4.15p).

O povo o reconhece como “profeta”. Samuel será o último dos Juízes (cf. 7,15-17) e ungirá os primeiros reis (1Sm 8-9; 16). Mas também já Moisés e sua irmã Miriam (Maria) foram chamados de profeta e profetisa (cf. Ex 15,20; Nm 12).

“Todo Israel”, de norte ao sul, está descrito segundo os limites do reino unido sobre Davi: “desde Dã até Bersabeia” (Jz 20,1; 2Sm 3,10; 1Rs 5,5 etc.), e pode esconder o projeto expansionista do rei Josias.

Os versículos resumem globalmente toda uma etapa, pois Samuel por certo tempo desaparece do cenário no qual sua palavra profética vai atuar (4,1-7,3).

Evangelho: Mc 1,29-39

Continuamos ouvindo o relato do sábado em Cafarnaum, em que Jesus, depois de curar um homem possuído no espaço público da sinagoga (1,21-28, evangelho de ontem), cura uma mulher no espaço privado de uma casa.

Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André (v. 29).

Hoje a sinagoga daquela época e a ruína da casa de Simão Pedro são sítios arqueológicos em Cafarnaum. Tiago e João já haviam deixado a família (o pai em v. 20). Simão, chamado de Pedro em 3,16 (cf. Mt 16,18) parece ter sido chefe da “casa”, que serve de apoio para a missão de Jesus nesta cidade (cf. 2,1; 3,20.31; 4,10?; 9,33).

A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los (vv. 30-31).

A sogra de Simão estava “de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus” (v. 30). Os relatos de cura seguem um esquema simples: descrição da doença e pedido de cura, aproximação, gesto e/ou palavra que cura (“ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se”; em Lc 5,39, Jesus “ameaçou a febre”) e no final, a demonstração da saúde recuperada (“a febre desapareceu, e ela começou servi-los”. Muitas vezes segue a reação do povo admirado, aclamando ou assustado. Aqui a reação é descrita em vv. 32s.

O fato de Simão Pedro ter uma sogra demonstra claramente que ele era casado (cf. 1Cor 9,5: salvo Paulo, os outros apóstolos e Cefas [=Pedro] levaram consigo uma mulher na missão). Alguns acham que Pedro já era viúvo, mas a Bíblia não diz nada a respeito. Em Mc 10,28s, Pedro diz que deixou tudo para seguir Jesus. Jesus promete recompensas para quem tenha deixado “casa, irmãos, irmãs, mãe e filhos e terras” por sua causa. Lc 18,29 acrescenta “mulher”.

À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu em frente da casa (vv. 32-33).

“À tarde, depois do pôr do sol” quer dizer que o sábado terminou. No sábado, dia sagrado dos judeus (Gn 2,3; Ex 16,23-30; 20,8-11; 23,12; 31,12-17 etc.), era proibido trabalhar e curar (cf. Mc 2,23-3,6p; Lc 13,14; Jo 5,10.16-18; 9,14-16). Mas para os judeus, o próximo dia já começa com o brilho da primeira estrela na véspera, então agora podiam carregar a Jesus “todos os doentes e possuídos pelo demônio” (cf. 6,55-56).

Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era (v. 34).

Jesus “não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem Ele era” (cf. v. 24; 5,6). Os demônios, ou seja, os espíritos maus e impuros têm conhecimento sobrenatural, mas Jesus quer manter sua identidade em segredo (cf. v. 44; 3,11-12; 7,36; 8,30; 9,9) para não ser confundido com um messias guerreiro e nacionalista. Este segredo messiânico é típico para este evangelho de Mc escrito no meio da Guerra Judaica (66-70 d.C.).

De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos estão te procurando”. Jesus respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim”. E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios (vv. 35-39).

Jesus começa afastar-se das multidões (cf. 3,9; 4,10; 7,24) e, “de madrugada… rezar num lugar deserto” (v. 35, cf. 6,31-46). Aos discípulos que o procuraram, responde: “Vamos a outros lugares…, devo pregar também ali, pois foi para isso que vim” (v. 38). Jesus não veio para ser um médico bem-sucedido (cf. 2,17; Lc 4,23) prolongando a vida das pessoas apenas por mais alguns anos, mas para pregar os valores do reino de Deus e salvar-nos do pecado e da morte através da doação de sua própria vida (cf. 2,5.17; 10,45).

O site da CNBB resume: A centralidade da missão de Jesus encontra-se na revelação do Reino de Deus, de modo que para ele é mais importante a pregação do que a realização de curas e outros tipos de milagres. Os milagres estão relacionados com a revelação, pois explicitam o conteúdo principal da pregação de Jesus que é o amor que Deus tem por todos nós e o bem que ele concede a nós como manifestação desse amor. Sendo assim, o mais importante não é o milagre em si, mas a revelação que ele traz junto de si: Deus ama a todos nós com amor eterno e tudo faz pela nossa felicidade, e isso deve ser anunciado a todos os povos.

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