10 de Junho de 2021, Quinta-feira: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus (v. 20).

10ª semana 5ª feira – Ano Ímpar

Leitura: 2Cor 3,15-4,1.3-6

Continuamos na oposição que Paulo descreve entre a antiga e a nova aliança. A primeira, que foi concluída no monte Sinai por Moisés, tinha valor “passageiro” (3,7) e era “ministério de morte” (3,7), porque a lei denuncia o pecado e condena, mas não dá forças para vencê-lo. Mas Paulo reconhece a glória da antiga aliança que se manifestou no brilho do rosto de Moisés quando desceu da montanha com as tábuas da lei (Ex 34,29-35).

Até ao dia de hoje, quando os israelitas leem os escritos de Moisés, um véu cobre o coração deles (3,15),

Paulo pode aludir ao véu que Moisés usava ou também ao véu de oração (kippa), adotado, na sinagoga, pelos judeus no século I (cf. 1Rs 19,13; At 15,21; 28,27).

Moisés colocou um véu que só tirava quando falava com o Senhor, porque “os israelitas não podiam fitar o rosto de Moisés por causa do seu fulgor” (3,7). Paulo segue uma interpretação rabínica: o véu serviu para que os filhos de Israel não percebessem a índole transitória desse fulgor. Paulo afirma que o mesmo véu cobre agora o rosto dos judeus, que absolutizam a aliança antiga e não compreendem que Jesus Cristo é a chave para as Escrituras e a aliança nova e definitiva que conduz à vida como força de libertação e fonte de liberdade.

Mas, todas as vezes que o coração se converte ao Senhor, o véu é tirado. Pois o Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (3,16-17).

Os cristãos em Corinto são gregos e não rezam com cabeça coberta. Paulo queria, porém, que as mulheres usassem véu (cf. 1Cor 11,2-15), conforme o costume (mas contra sua teologia, cf. Gl 3,27s).

“O Senhor é o Espírito” (v. 17; cf. Jo 4,24). “Senhor” designa aqui Deus Pai ou “Cristo, o Senhor” (4,4; cf. Fl 2,9-11)? Sem negar a distinção entre Cristo e o Espírito, nitidamente acentuada nesta carta (1,20-23; 13,13), esta fórmula condensada afirma a sua identidade na obra de salvação de duas alianças. Na mesma linha, a teologia posterior afirmará que todas as obras de Deus são comuns às três pessoas divinas.

O Senhor do v. 17 é o mesmo que do v. 16, isto é, Deus? Quando se voltava para Deus é que Moises retirava o véu (Ex 34,34). Neste caso, Paulo queria dizer que o Senhor para o qual Moises se voltava (converteu) era o Espírito Santo, para o qual hoje se voltam os cristãos. Mas Paulo pensa também em Cristo libertador: “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte” (Rm 8,2). “É para liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1). Paulo chama a interpretação rígida da lei pelos fariseus e os opositores judaizantes “jugo da escravidão”, porque distorcem a lei cuja finalidade era garantir a liberdade do povo (cf. Ex 20,2).

Todos nós, porém, com o rosto descoberto, contemplamos e refletimos a glória do Senhor e assim somos transformados à sua imagem, pelo seu Espírito, com uma glória cada vez maior (3,18).

A “glória do Senhor” é a de Jesus Cristo, pois a “glória de Deus resplandece na face de Cristo” (4,6). À diferença de Moises, nós cristãos temos o semblante descoberto e refletimos a glória divina de maneira permanente e não de modo transitório (cf. 3,13). O privilégio de Moises é hoje concedido a todos.

Do “esplendor” (glória) passa a “imagem” (unidos em 1Cor 11,7), aludindo à semelhança e imagem de Deus em Gn 1,27. Nossa imagem deformada pelo pecado vai se transformando pouco a pouco até adquirir a imagem de Deus (que é Cristo 4,4) pela eficácia do Espírito quando nós nos expormos e recebermos o impacto da glória luminosa do Senhor. Esta contemplação de Jesus Cristo torna-se ideal apostólico e de vida cristã. A luz do Ressuscitado se reflete na vida dos fiéis e a nos transforma de forma cada vez mais profunda (cf. numa espécie de transfiguração espiritual, cf. 17,2; Rm 8,29).

Não desanimamos no exercício deste ministério que recebemos da misericórdia divina. E se o nosso evangelho está velado, é só para aqueles que perecem que ele está velado. O deus deste mundo cegou a inteligência desses incrédulos, para que eles não vejam a luz esplendorosa do evangelho da glória de Cristo que é a imagem de Deus. De fato, não nos pregamos a nós mesmos, pregamos a Jesus Cristo, o Senhor. Quanto a nós, apresentamo-nos como servos vossos, por causa de Jesus (4,1.3-5).

Paulo continua desenvolvendo o tema de “ministério”, que é puro dom, e por isso impõe uma responsabilidade (4,1-2: cf. 1Tm 2,5). Apesar da oposição, o apóstolo não desanima, mas continua a falar abertamente a verdade, sendo contrário aos procedimentos secretos e vergonhosos (v. 2, omitido pela liturgia de hoje).

Poder-se-ia objetar: se a mensagem é tão valiosa e aquele que a transmite é tão sincero, como se explica que muitos a rejeitam? Não só judeus, mas também pagãos. Paulo responde que a mensagem não está encoberta, mas muitos, por cegueira voluntaria, se negam a crer nela (cf. Is 6,9; 56,10; Jo 9,40-41).

O “deus deste mundo” é aquele que este mundo reconhece e venera como absoluto, como rival do Deus verdadeiro (Satanás, cf. Mt 4,8-10, “ todos os reinos do mundo”; Lc 4,6; Ef 2,2; Jo 12,31; 14,30; 16,11; 1Jo 2,11) que impede a visão mais espiritual. É o domínio marcado pelo pecado e a separação em relação a Deus opondo-se “este mundo” ao século futuro. Este texto é o único em que Satanás é chamado de deus.

Cristo é “imagem” gloriosa (resplandecente) de Deus (cf. a alusão de 3,18 a Gn 1,27). Ele é a imagem perfeita de Deus invisível (Cl 1,15), “Quem me vê, vê o Pai”, disse em Jo 14,8-9. É luz que se difunde e ilumina (cf. Sl 57; Is 60). Mas o cego voluntário não vê esta luz. O apóstolo não se deve impor em proveito próprio, é apenas um servidor: “Nós não pregamos a nós mesmos … apresentamo-nos como servos vossos” (4,5, cf. 1,24).

Com efeito, Deus que disse: “Do meio das trevas brilhe a luz”, é o mesmo que fez brilhar a sua luz em nossos corações, para tornar claro o conhecimento da sua glória na face de Cristo (4,6).

Como no relato de Gn a primeira criatura foi a luz (Gn 1,3), assim Deus ilumina os cristãos para que contemplem em Cristo a imagem gloriosa de Deus: “ À tua luz vemos a luz” (Sl 36,10; cf. Is 9,1; 1 Pd 2,9); cf. o símbolo da luz “no primeiro dia da semana” em que Cristo ressuscitou (Mt 16,2; Mt 28,1; Lc 24,1; cf. Ef 5,8-14; Jo 8,12 etc.).

 

Evangelho: Mt 5,20-26

No sermão da montanha (caps. 5-7), Mt apresenta Jesus como novo Moisés que transmite a nova lei na montanha (vv. 1-2). Ele não veio para abolir a lei, mas para aperfeiçoar seu cumprimento (vv. 16-19, cf. leitura e comentário de ontem).

Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus (v. 20).

A lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça a fim de que o ser humano tenha vida e relações mais fraternas. Esta “justiça maior” não será um preceito exterior, será a prática do amor e da misericórdia, como Jesus resume toda lei na regra de ouro e no mandamento do amor a Deus e ao próximo (cf. 7,12 e 22,34-40p; cf. Jo 13,34: Rm 13,8-10; Gl 5,14; Cl 3,14). Para Paulo, a justiça não vem da lei judaica, mas da fé: “Não tendo mais a justiça minha aquela que vem da lei, mas aquela quem vem de Deus e se baseia na fé” (Fl 3,9). Para Mt (e Tg), Jesus não dispensa a lei, mas a reinterpreta e cumpre plenamente no amor.

Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: “Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal”. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: “patife! ” Será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de “tolo” será condenado ao fogo do inferno (vv. 21-22).

Em 5,21-48, Mt apresenta seis exemplos em forma de antítese, para mostrar como é que uma lei deve ser entendida. Nas sinagogas se transmitia o ensino oralmente (“vos ouvistes”) ao povo simples. Na forma repetida “Vós ouvistes que foi dito aos antigos … Eu, porém, vos digo” (vv. 21-25.27-28.31-34.38-39.43-44), Jesus se apresenta como autoridade soberana, maior que Moisés.

A primeira antítese compreende duas partes: sobre homicídio e sobre reconciliação. O mandamento de “não matar” (lit. “não assassinar”; Ex 20,13; Dt 5,17; Lv 24,17) radicaliza-se na atitude interior (“cólera”, cf. Lv 19,17-18; Tg 1,19-20; Ef 4,26) de onde brota o homicídio (Gn 4,1-7; 37,4.8) e se estende a ofensas menores, p. ex. palavrões.

“Patife” (imbecil, cabeça vazia, inútil) e “tolo” (idiota, louco; insensato pode significar “ímpio” para judeus) são insultos graves que negam ao outro a capacidade de compreender, são expressões de desprezo, rancor, inveja e podem conduzir a ações graves.

“Condenado pelo tribunal” (vv. 21-22) faz alusão aos tribunais disseminados pelo país, em contraposição ao grande sinédrio (conselho) que tinha sua sede em Jerusalém. O tribunal será a primeira instância, depois o conselho nacional, ao final o próprio Deus e o castigo, “o fogo do inferno” (v. 22; cf. 3,12), localizado na Geena (cf. Is 66,15.16.24, lugar associado no AT à sacrifícios humanos de crianças, Jr 7,31).

Parece-nos um absurdo ser condenado ao inferno, só por ofender um irmão com uma única palavra. Mas Jesus quer levar ao absurdo a mania legalista dos fariseus de julgar (cf. 7,1-5) e quer chamar atenção sobre o fato de que o pecado começa já no próprio coração, e não só quando cometer um homicídio: “Confesso a Deus todo-poderoso que pequei por pensamentos e palavras, atos e omissões, …” Sentimentos involuntários, porém, não são pecados, mas depende como lidamos com eles; devemos transformar os negativos em positivos, vencer o mal pelo bem (amar até os inimigos, cf. 5,43-48).

Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta (vv. 23-24).

O preceito negativo “não matar” estende-se a exigência positiva da reconciliação (vv. 23-26; Lc 12,58-59; cf. Mc 11,25), com ênfase em relação com o culto. É por isso que damos um gesto simbólico na missa, um “sinal de paz e reconciliação” e de “comunhão fraterna” antes de aproximarmo-nos do altar para receber a sagrada Hóstia e ter comunhão com Cristo.

Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás jogado na prisão. Em verdade eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo (vv. 25-26).

Mesmo ofendido e inocente, o discípulo de Jesus deve ter a coragem de dar o primeiro passo para reconciliação. Caso se sinta culpado, procure urgentemente a reconciliar-se, porque sobre a sua culpa pesa um julgamento. O ensinamento de Jesus poderia citar textos afins do AT (como Is 1,10-20; 58,1-12; Jr 7; Eclo 34,18-22).

O site da CNBB resume: Todas as pessoas costumam falar em justiça, mas para a maioria delas o fundamento dessa justiça são princípios e valores humanos, principalmente o que está escrito nas leis. Para nós cristãos, esse critério não é suficiente para entendermos verdadeiramente o que é justiça. Não é suficiente em primeiro lugar porque nem tudo o que é legal, é justo ou moral, como por exemplo a legalização do divórcio, do aborto ou da eutanásia. Também devemos levar em consideração que todas as pessoas, embora sejam seres naturais, possuem um dom de Deus que faz delas superiores à natureza, participantes da vida divina, e como Deus é amor, o amor é, para quem crê, o único e verdadeiro critério da justiça.

Voltar