10 de Outubro de 2019, Quinta-feira: Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá (vv. 9-10).

27ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Ml 3,13-20a

O livro de Ml só contém três capítulos. É o último livro dos 12 profetas menores e o último na sequência cristã do AT. O nome do livro “Malaquias” significa “meu mensageiro, meu anjo” e foi tirado de 3,1; o NT o aplica a João Batista (cf. Mc 1,2; Mt 11,10; At 13,24s), assim este último livro do AT já introduz o NT em seguida. Mais do que uma pessoa, o nome Malaquias indica uma função: manter o povo unido no serviço do Deus único, na esperança de purificar o templo (3,3.18), na fidelidade à Lei de Moisés.

O livro não traz data, mas a partir do texto podemos deduzir que foi escrito entre 500 e 445 a.C.: o Templo reconstruído em 520-515 já está funcionando, mas ainda não existia a legislação contra os casamentos mistos declarada na reforma de Esdras e Neemias (2,10-16; cf. Esd 9-10; Ne 13,23-31). Também não há distinção clara ainda entre sacerdotes e levitas, como apareceu nos livros mais recentes (Nm 16-17; Esd 2; Ne 7,6-72). Críticas e denúncias e a defesa dos humildes (3,5) indicam que a origem do livro está num grupo de sacerdotes levitas (2,4.8), em oposição aos sacerdotes de Sadoc atuando no Templo (2,1). Este grupo de sacerdotes levitas é portador do núcleo do Deuteronômio (Dt 12-26; cf. 2Rs 23,8s) que contém leis sobre o culto a Javé, a defesa dos pobres, o dízimo, o divórcio. Apelando à conversão, Ml apresenta a certeza do julgamento no Dia do Senhor (2,17-3,5; 3,13-21).

A mensagem crítica de Ml apresenta também as vozes dos adversários às quais o Senhor Javé responde (recurso dialético da objeção respondida). Até entre os “tementes a Javé” (v. 16) havia vozes que duvidavam da existência de um Deus justo dizendo “Quem pratica o mal é bom aos olhos de Javé, nestes ele se compraz! Ou, então: Onde está o Deus da Justiça? ” (2,17).

A leitura de hoje reflete a confusão dos fieis diante da aparente injustiça de Deus que parece favorecer os orgulhos. Deus não aprova as queixas deles (v. 13). Porém em sua misericórdia os acolhe na sua longanimidade. Sua verdadeira justiça se manifestara logo (v. 19).

Pode-se ler sobre o pano de fundo o Sl 73: falam uns judeus fieis e desanimados; têm servido ao Senhor sem ver resultados, começam a invejar os perversos (Pr 23,17; 24,1); Deus responde fazendo-os perceber o destino dos perversos, o erro das palavras das avaliações deles. Compara-se também as lamurias de Jó e no NT, a parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-30.36-43).

Vossas palavras são duras contra mim, diz o Senhor, e ainda perguntais: “Que dissemos contra ti? ” Vós estais dizendo: “É coisa inútil servir a Deus; que vantagem tivemos em observar seus preceitos e em levar uma vida severa na presença do Senhor dos exércitos? Portanto, hoje os felizardos são os soberbos, pois consolidaram-se, praticando o mal, e, mesmo provocando a Deus, estão impunes” (vv. 13-15).

Que proveito em “levar uma vida severa” (lit. “andar de luto”)? A cerimônia do luto comportava jejuns, lamentações e sacrifícios por ocasião de grandes calamidades. Alguns pensavam que a cerimônia como tal bastaria para afastar a cólera de Deus (cf. a objeção dos que jejuam em Is 58,3s; “enlutados” em sinal de penitência: 2Sm 19,25; Sl 35,13). Vamos “parabenizar os arrogantes (soberbos) ”, como revirando às avessas o Sl 1 (retribuição terrestre dos justos). A queixa sobre a impunidade está grande no Brasil.

Vieram, entretanto, a falar uns com os outros, os tementes a Deus. O Senhor prestou atenção e ouviu-os; em sua presença foi escrito um livro de feitos notáveis, aberto aos que temem o Senhor e têm seu nome no pensamento (v. 16).

O termo “tementes a Deus” exprime a escolha especial do povo por Deus (Ex 19,5; Dt 7,6). O Senhor ouve suas queixas e tem compreensão, não reage com uma ameaça de castigo, mas o gesto de registrar no livro mostra que os nomes e obras dos justos não serão esquecidos. O livro em que se registra as ações será aberto novamente no julgamento final (cf. Dn 7,10; Lc 10,20; Ap 20,12-15).

Serão para mim o tesouro, diz o Senhor dos exércitos, para o dia que eu me reservar; hei de favorecê-los, como o pai ao filho que o serve. De novo vereis a distância que há entre o justo e o ímpio, entre o que serve a Deus e o que não o serve (vv. 17-18).

Deus perdoa quem lhe respeita o nome, o filho que lhe serve (Sl 103,10-14). Forma inclusão temática (pai, filho) com 1,6 (cf. Dt 32,4; Is 63,16; 64,7): uns sacerdotes desprezam a Deus negando-lhe o respeito que lhe devem como os filhos e servos.

Eis que virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo. Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas” (vv. 19-20a).

Virá o dia do grande juízo escatológico (como nos vv. 2.17; cf. Am 5,18; Sf 1,14-18; Jl 2,11). Ml expõe a diferença de destinos, com mediana coerência de imagens e por sistema de oposições. Os ímpios serão como palha (como em Sl 1,4; cf. Jó 21,18; Sl 35,5) que será queimada; sobre o fogo no dia de Javé (cf. Is 10,16s; 30,27; Sf 1,18; 3,8; Jr 21,14).

Podemos imaginar um dia em que se acende uma grande fogueira para nela queimar o nocivo e o inútil; depois vem outro dia, amanhece um sol libertador e restaurador; os inocentes podem sair livres e felizes para desfrutar do sol e da liberdade (v. 20b: “pularão como bezerros na pastagem”; os opressores já não são mais que pó (“cinzas”, v. 21) sob os pés daqueles.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1176) comenta: O Dia de Javé foi anunciado por Amós (cf. Am 5,18) e passou por várias etapas de compreensão. Para Amós, o dia de Javé é uma manifestação da ira de Deus contra os governantes de Israel. No tempo do exílio, o Dia de Javé passa a significar o castigo que Deus dará às nações inimigas (cf. Ab 15; Jr 46,10). No pós-exílio, o dia de Javé é o grande julgamento contra quem não observa a Lei. O sol da justiça irá manifesta quem é justo e quem é ímpio (cf. Jl 2,20-18; Jó 21,30; Pr 11,4). Cada um receberá a recompensa que merece.

Chamamos um “sol de justiça” o que abrasa e queima: o contrário do que pretende Malaquias. Nas imagens religiosas do Egito, da Assíria e da Babilônia se apresenta o sol com asas, porque atravessa o ar celeste, é deus ou ministro de justiça, porque tudo vê. O sol da justiça traz “salvação em suas asas”, ou seja, e a cura nos seus raios. Esta significa a consolação e o restabelecimento na integridade; é um dos termos que exprimem a salvação messiânica (Jr 33,6; Is 57,18). “Justiça” implica aqui o poder e vitória (cf. Is 41,1s). O título “sol de justiça”, aplicado a Cristo, influenciou na formação das festas litúrgicas do Natal (cf. Lc 1,78; 2,9.30-32; Jo 8,12) e da Epifania (Mt 2,1-12).

 

Evangelho: Lc 11,5-13

O contexto desta parábola (vv. 5-8) e a aplicação, que Lc lhe acrescenta nos vv. 9-13, indicam que se trata de um convite à oração. No evangelho de Lc, Jesus está subindo para Jerusalém e aproveita para instruir os seus discípulos também sobre a oração (no evangelho de ontem sobre a do Pai Nosso). Hoje ouvimos do amigo inoportuno e o ensinamento a respeito do pai que sabe dar boas coisas para os seus filhos. As duas imagens, do amigo e do pai, ilustram na oração o caráter de relação pessoal.

Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: “Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer” e se o outro responder lá de dentro: “Não me incomoda! Já tranquei a porta, e meus filhos e eu já estamos deitados; não me posso levantar para te dar os pães”; eu vos declaro: mesmo que o outro não se levante para dá-los porque é seu amigo, vai levantar-se ao menos por causa da impertinência dele e lhe dará quanto for necessário” (vv. 5-8).

“Se um de vós tiver um amigo”, lit. “Qual dentre vós terá um amigo…”. Os inícios interrogativos são frequentes na parábola de Lc (14,28-31; 15,4,8; 17,7; cf. 11,11; 12,25-26; 14,5). Este método corresponde a pedagogia de Jesus (cf. 10,26; 24,17 etc.).

A Bíblia do Peregrino (p. 2494) comenta: A primeira parábola pode desconcertar o leitor: Um Deus que atende aos pedidos para que o deixe em paz? Jesus conhece o Pai (11,22) e pode permitir-se esse ato de condescendência, ou seja, pode humanizar ao máximo a situação. Por contraste, pode se recordar a caçoada que Elias faz dos profetas de Baal que importunaram um Deus surdo (1Rs 18,27). A parábola supõe uma situação de emergência e que o pedinte seja movido por obrigação de hospitalidade. Não é por capricho ou por puro interesse pessoal. Desenvolve-se em regime de amizade, nas condições culturais da época: o pão é assado em cada a cada dia, todos dormem num único cômodo, a porta está trancada com uma barra. Um breve salmo repete quatro vezes no pedido “até quando? ” (Sl 13).

A parábola nos vv. 5-8 apresenta vários traços comuns com a de 18,2-5 (o juiz injusto e a viúva), a qual Lc dá um sentido análogo (18,1). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1999) comenta: É provável que na origem essas duas parábolas formassem um par (como 5,36-38; 13,18-21; 14,28-32; 15,4-10; cf. 13,1-5) … O amigo não cede por amizade, mas para ter paz, como o juiz sem justiça de 18,4-5. Ambos fazem sobressair a atitude maior de Deus, que concede porque é justo e Pai.

Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá (vv. 9-10).

“Portanto, eu vos digo”, esta fórmula de Lc (cf. 16,9) serve aqui para acrescentar as palavras seguintes com as quais faz a aplicação da parábola. “Recebereis”, lit. “ser-vos-á dado”, a forma passiva é um modo discreto de indicar a ação de Deus sem mencioná-lo (passivo divino); ela é empregada do mesmo modo no terceiro verbo da frase.

A Bíblia do Peregrino (p. 2494) comenta: Em forma de aforismo recolhe o ensinamento. Isto é o contrário de uma resignação fatalista aos acontecimentos, como se fossem a vontade de Deus. A iniciativa de Deus, em imperativos, quer provocar a iniciativa dos seres humanos: “estarão ainda falando e eu os terei escutado” (Is 55,6; 65,24). Quem pede, confessa-se necessitado; quem insiste, não procura outro remédio, bate à porta de quem sabe que irá responder.

Será que algum de vós que é pai, se o filho pedir um peixe, lhe dará uma cobra? Ou ainda, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Ora, se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem! (vv. 11-13).

A imagem do pai é mais expressiva. Jesus, o Filho “quer revelar o Pai” e nos revela também o Espírito Santo (10,22). Os homens, mesmo os pais, são “maus” (egoístas); contudo, o amor paterno se sobrepõe. Deus é o doador (Sl 136,25; 144,10; 146,7), seu dom máximo é o Espírito Santo (Jo 14,17; At 2,4.33; 5,32; Ef 1,17).

“Se vós que sois maus”; este adjetivo, “maus”, é exigido literariamente pela oposição entre as coisas boas que os pais da terra dão e a bondade do pai do Céu. Não é primordialmente um julgamento moral sobre a corrupção do homem.

Um grande número de testemunhos literários introduz aqui (seguindo Mt 7,9): “um pão, será que ele lhe apresentará uma pedra, ou…”. A antítese entre o ovo e o escorpião é própria de Lc e substitui, em Lc a de Mt 7,9, entre o pão e a pedra. É possível que o texto de Lc se inspire na menção das serpentes e escorpiões em 10,9. Isto dá a sua antítese uma força maior do que em Mt. O paralelo Mt 7,11 fala apenas das “coisas boas”; Lc introduz o “Espírito Santo”, que é para ele o “dom” por excelência (At 3,38 etc.), tantas vezes concedido na história relatada em seu segundo livro, os Atos dos Apóstolos.

Santo Agostinho faz o seguinte comentário ao trecho de hoje: Jesus “nos estimula ardentemente a pedir, buscar, chamar até conseguir o que pedimos… Deus está mais disposto a dar do que nós a receber. Ele ganha mais fazendo-nos misericórdia que nós de sermos livres. Se ele não nos liberta, nós ficaremos miseráveis; se nos exorta, o faz para nosso bem”.

O site da CNBB comenta (citando Tg 4,3): A oração é uma busca constante de viver na presença de Deus e procurar estar em diálogo com ele para que ele nos ajude em nossas necessidades, mas devemos nos lembrar das palavras de São Tiago: “Pedis sim, mas pedis mal, pois não sabeis o que pedir. ” Muitas vezes pedimos, e pedimos muito, mas não pedimos o que deveríamos, nossos pedidos são mesquinhos, materialistas e visam simplesmente a satisfação de interesses pessoais e imediatos, não sabemos pedir os verdadeiros valores, que são eternos, não pedimos a salvação, o perdão dos pecados nossos e dos outros, não pedimos pela ação evangelizadora da Igreja, pela superação das injustiças que causam guerras e tantos sofrimentos, mas principalmente, não pedimos a ação do Espírito Santo em nossas vidas.

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