11 de abril de 2018 – Quarta-feira, ato de perseguição da parte do conselho

Leitura: At 5,17-26

Quanto à estrutura, o novo ato de perseguição da parte do conselho (sinédrio) se parece muito com o procedente (4,1-22, cf. leituras da sexta-feira e sábado da semana passada): prisão interrogatório, resposta do acusado, deliberação privada, proibição. O narrador quer que sintamos a repetição e que nela apreciemos os detalhes novos, o avanço da ação para uma primeira pausa.

Levantaram-se o sumo sacerdote e todos os do seu partido – isto é, o partido dos saduceus – cheios de raiva e mandaram prender os apóstolos e lançá-los na cadeia pública (vv. 17-18).

Há lógica na insistência: as autoridades haviam imposto aos apóstolos uma proibição formal, mas eles a violaram, não se importaram (4,31; 5,12-16). São réus reincidentes e devem prestar contas ao tribunal pelo descumprimento. Acabam sendo presos, jogados na “cadeia pública” (v. 18; no Brasil, as condições nas cadeias públicas estão piores do que nos presídios).

Porém, durante a noite, o anjo do Senhor abriu as portas da prisão e os fez sair, dizendo: “Ide falar ao povo, no Templo, sobre tudo o que se refere a este modo de viver.” Eles obedeceram e, ao amanhecer, entraram no Templo e começaram a ensinar (vv. 19-21a).

Mas Deus abre o caminho com uma intervenção no estilo tradicional, “o anjo do Senhor abriu as portas e os fez sair” (v. 19; o “anjo do Senhor” representa o próprio Deus, cf. Gn 16,7.13; 22,11, Ex 3,2; Jz 2,1 etc.; Mt 1,20; 28,2; At 8,26; 10,3; 12,7-10.23; 27,23). Pode-se recordar a libertação de presos como José (Gn 41,14), Jeremias (Jr 40,4), e a promessa aos exilados (Is 48,9; 51,14) ou para os últimos tempos (Zc 9,11), ainda de Pedro e de Paulo (At 12,6-11; 16,25-28).

O anjo dá ordem contrária à proibição dos sacerdotes: “Ide falar ao povo, no templo, sobre tudo o que se refere a este modo de viver” (v. 20; lit. “todas as palavras desta vida”, equivale a “palavra desta salvação” em 13,26, cf. 13,46). A mensagem dos apóstolos é vida (3,12; 11,18; 13,4.6.48) e salvação (4,12; 11,14; 15,11; 16,17.30-31). Eles “obedeceram” ao anjo e não aos sacerdotes (v.21; cf. 4,19; 5,29).

O sumo sacerdote chegou com os seus partidários e convocou o Sinédrio e o Conselho formado pelas pessoas importantes do povo de Israel. Então mandaram buscar os apóstolos à prisão. Mas, ao chegarem à prisão, os servos não os encontraram e voltaram dizendo: “Encontramos a prisão fechada, com toda segurança, e os guardas estavam a postos na frente da porta. Mas, quando abrimos a porta, não encontramos ninguém lá dentro.” Ao ouvirem essa notícia, o chefe da guarda do Templo e os sumos sacerdotes não sabiam o que pensar e perguntavam-se o que poderia ter acontecido (vv. 21b-24).

Com ironia, o narrador conta como o sinédrio foi convocado e se descobriu que os apóstolos não estavam mais na cadeia, “com toda segurança, e os guardas estavam a postos na frente da porta” (v. 23). Os sacerdotes “não sabiam o que pensar”. O leitor cristão, porém, já sabe: A cadeia vazia, como já antes o túmulo vazio (cf. Lc 24,5), demostra que a Palavra da vida não se deixa deter.

Chegou alguém que lhes disse: „Os homens que vós colocastes na prisão estão no Templo ensinando o povo!” Então o chefe da guarda do Templo saiu com os guardas e trouxe os apóstolos, mas sem violência, porque eles tinham medo que o povo os atacasse com pedras (vv. 24-26).

Sabendo depois onde estavam, o chefe da guarda “trouxe os apóstolos, mas sem violência” (v. 26) por medo do povo (cf. o medo que os sacerdotes tinham do povo quando Jesus ensinava no templo em Lc 19,47s; 20,19; 22,2).

Evangelho: Jo 3,16-21

O evangelho de hoje ainda pertence ao diálogo de Jesus com o velho conselheiro Nicodemos que se transformou no primeiro discurso típico do quarto evangelho (vv. 1-21).

Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna (v. 16).

“Deus amou tanto o mundo”. Em Jo, o “mundo” pode significar, como aqui, toda criação amada por Deus (17,5.24; Sb 11,24) ou a terra habitada por seres humanos (17,25; 16,21). Muitas vezes, porém, é o mundo que se afastou de Deus, a humanidade perdida que se fechou à luz e odeia os discípulos de Jesus “porque não pertencem ao mundo” como ele também não (17,14).

Deus ama até as últimas consequências (cf. 13,1), “que deu seu Filho unigênito/único”; em vez de “deu” talvez seja melhor traduzir “entregou” (palavra-chave da paixão) “o Filho unigênito” (1,18: “o unigênito que é Deus no seio do Pai”); talvez com alusão oblíqua ao sacrifício ao sacrifício de Isaac (Gn 22,2.16; cf. Rm 8,32; Gl 2,20; 1Jo 4,9-10).

Deus não quer que os homens se percam, nem sente prazer em condená-los (cf. Ez 18,23). Ele manifesta todo o seu amor através de Jesus, para salvar e dar a vida a todos.

Em vez de falar do “Reino de Deus” (exceto em vv. 3.5) como os outros três evangelistas, o quarto evangelista prefere falar da “vida”, eterna ou plena (cf. 1,4; 3,36; 4,14; 5,24.26; 6,27.33 etc., cf. 8,12; 10,10; 11,25; 14,6; 20,31; cf. Mc 10,17p).

De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito (vv. 17-18).

Outra palavra-chave em Jo é “enviar”. Jesus é o enviado do Pai (cf. 4,34; 5,24.36-38; 9,7; 8,42; etc.). “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar, mas para que o mundo seja salvo por ele” (v. 17). Como nas cartas de Paulo é apenas a fé que decide sobre salvação ou condenação (cf. Rm 1,16s; 3,21-26; Gl 2,16 etc.; diferente: Tg 2,14-26; Mt 7,21-23; 25,31-46). Fé é acolher Jesus (1,12; 5,34), conhecer e reconhecê-lo como enviado do Pai (6,29; 12,44; 14,1.10; 17,8,21-25; 20,31). Quem crê, será salvo, terá a vida eterna (vv. 16.18; 5,25; 10,26-28). Como contrário à “salvação”, entende-se aqui o “julgamento” de condenação (vv. 17-19). A incredulidade se fecha ao dom do amor, e com isso fica julgada e condenada.

Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus (vv. 19-21).

A palavra grega krisis significa julgamento/condenação e distinção/separação. No princípio, “Deus separou a luz das trevas” (Gn 1,4): ao vir ao mundo, Jesus, a luz do mundo, atua um julgamento de separação de acordo com a reação dos homens (8,12; 12,46-48).

O tema se desenvolve com a imagem clássica da luz e das trevas (Jo 1,5; Is 5,20: inversão de valores). Deus “amou” o mundo (Rm 8,32; 1Jo 4,9), os homens “amaram” as trevas (cf. Sb 17,4 e, referido à morte, Sb 1,16). O perverso busca a escuridão para agir impunemente, como refúgio no delito (Jó 24,14; Eclo 23,18-19). A luz de Jesus manifesta a realidade do ser humano (Sl 90,8). O fato de que Deus quer salvar este mundo que não o merece, e ainda dar (entregar) o mais precioso que ele tem, o seu Filho unigênito, é o milagre do seu amor. O maior amor é dar a vida pelos amados (15,12s).

Em v. 14, a cruz já foi anunciada no símbolo da serpente de bronze. O Papa Francisco falou na Sexta-feira Santa (2013) no Coliseu: “Nesta noite, deve permanecer uma única palavra, que é a própria Cruz. A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responda ao mal, que permaneça calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia, perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Lembremo-nos: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva.”

O site da CNBB comenta: A vinda de Jesus ao mundo é a grande manifestação do amor misericordioso de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva, e por isso manda o seu próprio Filho, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele, ou seja, pelo mistério de sua paixão, morte e ressurreição, todas as pessoas que querem viver segundo a luz, realizando as obras de Deus, e fugir das obras das trevas, fugir do pecado e das suas consequências, deixam de ser escravas do pecado e da morte e tornam-se livres, filhos e filhas de Deus, para viver segundo a graça e caminhar na esperança de que viverá eternamente junto de Deus.

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