11 de outubro de 2016 – Terça-feira, 28ª semana

Leitura: Gl 5,1-6

Na carta aos Gálatas, Paulo menciona apenas três vezes a palavra “liberdade” (2,4; 5,1.13). Mesmo assim, esta carta é chamada “manifesto da liberdade cristã”, porque defende a liberdade dos cristãos contra os pregadores judeu-cristãos que queriam obrigar os cristãos de outros povos a seguirem a lei judaica e se circuncidarem (cf. 2,3; At 15,1). No concílio apostólico em Jerusalém (cf. 2,1-10; At 15), a questão já foi decidida. A exigência dos adversários judaizantes seria um retrocesso, uma volta à escravidão. O que vale para Paulo é a fé em Cristo e seu sinal, o batismo (2,20; 3,26s), não mais a circuncisão.

É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai, pois, firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão (v. 1).

 “É para a liberdade que Cristo nos libertou”; esta frase foi escolhida como lema da CF 2014 contra tráfico humano. No estilo hebraico quer dar ao verbo libertar um sentido mais intenso; quer dizer que o Cristo nos libertou totalmente.

Cristo nos comprou pelo preço do seu sangue na cruz (1Cor 6,20; 7,23; Rm 3,24s). Se alguém voltasse à circuncisão como exigem os adversários judaizantes de Paulo (cf. At 15,1) renunciaria à liberdade dada pela fé em Cristo (cf. Rm 6,15-18). Nisto a Lei e a fé não se podem conciliar (vv. 2-6). Os termos “escravidão” e “liberdade” continuam conduzindo todo o assunto do capítulo 5.

Eis que eu, Paulo, vos digo que Cristo não será de nenhum proveito para vós, se vos deixardes circuncidar (v. 2).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2260) comenta: Paulo torna a pôr, concretamente os gálatas diante da opção fundamental. Ele o faz numa linguagem utilitarista que corresponde à ótica deles. Pensam que a circuncisão pode ser-lhes útil. Então, responde Paulo, é o Cristo que não vos servirá para nada. Perdeis totalmente o beneficio da sua libertação. Doravante, o que eles deverão praticar toda a lei (cf. 3,10); ele o lembra no v. seguinte.

Mais uma vez, atesto a todo homem circuncidado que ele está obrigado a observar toda a Lei. Vós que procurais a vossa justificação na Lei, rompestes com Cristo, decaístes da graça (vv. 3-4).

A vida em Cristo torna as pessoas livres (Rm 6,15-23). Mas é preciso manter-se vigilantes para não voltarem à escravidão. Se os gálatas cederem à Lei da circuncisão, teriam que cumprir toda a Lei de Moisés e voltarão a ser escravos novamente. A consequência lógica é que invalidariam a “graça” de Deus em Jesus Cristo.

Quanto a nós, que nos deixamos conduzir pelo Espírito, é da fé que aguardamos a justificação, objeto de nossa esperança (v. 5).

“Aguardamos a justificação, objeto de nossa esperança”, lit. “a esperança da justiça”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2260) comenta: Nesta fórmula muito densa, a palavra “esperança” designa o objetivo que se espera: o Reino: o termo “justiça” designa o dom gratuito que o crente recebe do Cristo; esta graça que o torna filho encaminha-o para a herança que ele espera. A graça que recebeu é o germe da glória que ele aguarda.

Com efeito, em Jesus Cristo, o que vale é a fé agindo pela caridade; observar ou não a circuncisão não tem valor algum (v. 6).

A Bíblia do Peregrino (p. 2799) comenta: A consequência é uma opção entre dois sistemas inconciliáveis: circuncisão + lei, ou Cristo + Espírito, obras ou fé (1Cor 7,19). Mas a fé é um dinamismo que põe em marcha o amor. A vida cristã não exclui as obras: ela as concentra no amor fraterno e as olha como frutos que brotam da fé; não como méritos, em virtudes dos quais o homem se salva por suas forças. A fé ativa a caridade, é ativa pela caridade (ver vv. 12-15 e 22-23). 

A “fé” é o princípio da vida nova (4,5; 5,5), mas ela está ligada, pela ação do Espírito, à “esperança” (v. 5) e ao “amor-caridade” (vv. 6.13-14; cf. Rm 5,5; 1Cor 13,13). Pela prática da caridade que se manifesta que a fé é viva e não morta (cf. 1Jo 3,23s; Tg 2,14-26).

O cristão acolhe a ação do “Espírito” (v. 5) entregando-se a esta ação pela “fé”, nela comunga, “agindo pela caridade” (amando, não por preceito legal, mas pelo exemplo de Jesus, cf. Fl 2,1-5). Enfim é do Espírito que ele “espera” a ressurreição, a vida no Reino de Deus. Fé, amor, esperança aparecem, portanto, como as atitudes características do cristão, estrutura da vida nova que é a sua (cf. 1Ts 1,3; 1Cor 13,13; Rm 5,1-5).

Estas três virtudes teologais (fé, esperança e amor) formam a base da existência cristã (1Ts 1,3; 5,8; 1Cor 13,13; Cl 1,4s) que consiste em viver a esperança da justiça que vem da fé, vivendo que age através do amor. Essa dinâmica move a nova vida em Cristo Jesus. Ao relativizar o valor da circuncisão, Paulo elimina o argumento básico do machismo da época, pois, caindo essa prática, tem fim a discriminação do homem para com a mulher. Uma expressão forte conclui o raciocínio: quem insiste na circuncisão, que se mutile de uma vez (v. 12).

Evangelho: Lc 11,37-41

Nos próximos dias ouvimos críticas duras de Jesus aos fariseus. Lc as copia de Mc 7,2.5 e 12,38s e da sua outra fonte comum com Mt, chamada Q (cf. Mt 23,25s).

Enquanto Jesus falava, um fariseu convidou-o para jantar com ele. Jesus entrou e pôs-se à mesa. O fariseu ficou admirado ao ver que Jesus não tivesse lavado as mãos antes da refeição (vv. 37-38).

Jesus acabou seu discurso anterior e é convidado por um fariseu. Em Lc, Jesus aceita dos fariseus convites para refeições (7,36; 11,37; 14,1; outras refeições cf. 5,29; 10,38) e aproveita a ocasião para ensinar. Como em 7,39 (cf. 5,30; 15,2), o fariseu se admira com a conduta liberal de Jesus (cf. Mc 7,2.5) que omite a lavagem das mãos costumeira entre os judeus antes das refeições.

Entre as muitas observâncias, algumas se referem a lavatórios e abluções cotidianas (cf. Jt 12,7-9), baseiam-se em leis do culto para sacerdotes, mas os fariseus levam ao extremo tentando impor ao povo todo (Ex 30,18-21; 40,12.31-32;Lv 15; Nm 19; Dt 21,6; Eclo 34,25; Hb 9,10). Não se trata de higiene, mas de pureza ritual, diferente de uma purificação do coração (conversão; cf. Is 1,16; 4,4; Ez 36,25; Mc 1,4; Hb 6,2; 1 Pd 3,21). Lc omite a questão judaica da lei e da tradição (tema de Mc 7 e Mt 15) e passa para um assunto mais genérico.

O Senhor disse ao fariseu: “Vós fariseus, limpais o copo e o prato por fora, mas o vosso interior está cheio de roubos e maldades (vv. 39).

O fariseu não falou nada ainda, mas Jesus começa seu novo discurso contra a hipocrisia dos líderes religiosos, a contradição entre fora e dentro que encontrou sua expressão eloquente nos ritos de purificação. A frase surpreende porque em vez de lavar as mãos se fala de copo e prato (um indício que Lc costurou aqui a cena de Mc 7 com a fonte Q, cf. Mt 23,25s) e passa logo para o interior do ser humano. Enquanto por fora se celebra a perfeição, por dentro, no coração reina a corrupção e a maldade (cf. 16,14; Mc 12,40).

Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior? (v. 40).

Uma pergunta retórica que destaca o coração como centro de responsabilidade religiosa. Não se deve supor dualismo antropológico (corpo/alma), mas Deus criou o ser humano como um todo e como pessoa ética (cf. 1Sm 15,22; Os 6,6). A exclamação “insensatos” lembra a polêmica judaica contra os ímpios e materialistas (12,20; 1Cor 15,36; 2Cor 11,16.19; 12,11; Ef 5,17) e provoca o partido dos fariseus que concebe a si mesmo como “educador dos ignorantes e mestre dos que não sabem” (Rm 2,20).

Antes, dai esmola do que vós possuís e tudo ficará puro para vós” (v. 41).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2002) comenta a “esmola”: Tema particularmente caro a Lc, que é o único que a apresenta-lo aqui como em 12,33; 16,9; 19,8; At 9,36; 10,2.4.31; 11,29; 24,17 ( e em paralelo com Mt e Mc, em 6,30; 18,22; 21,1-4). É, portanto, mais provável que a transformação em relação ao v. paralelo de Mc 23,26 seja obra de Lc.

O próprio Lc atualiza a atitude do coração concretizando-a na “esmola”, talvez uma referência ao “prato” de v. 39. Limpando o próprio prato, mas negando comida para o próximo é uma contradição. O amor e a misericórdia são mais importantes do que todos os outros preceitos da lei (cf. v. 42; 10,25-37; Mt 23,23; 25,31-46). A consciência, ou seja, um coração que não se prende no legalismo já sabe o que é certo e errado e “tudo ficará puro para vós” (cf. Tt 1,15).

O site da CNBB comenta: O Evangelho que nos é proposto para a reflexão a partir da liturgia de hoje é altamente questionador no que diz respeito à nossa fé e à nossa vivência religiosa. Para quem crê verdadeiramente, o importante não é a prática exterior, pois esta prática só encontra seu verdadeiro sentido quando é uma expressão do que realmente se crê e se vive, caso contrário, caímos na insensatez: celebramos o que não vivemos nem construímos, e revelamos valores que não são nossos, nem são importantes para nós. O Evangelho de hoje exige de nós coerência entre o que celebramos e o que vivemos, para que as nossas celebrações não sejam ritos vazios e estéreis, mas espírito e verdade.

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