11 de Outubro de 2019, Sexta-feira: Mas, conhecendo seus pensamentos, Jesus disse-lhes: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído; e cairá uma casa por cima da outra. Ora, se até Satanás está dividido contra si mesmo, como poderá sobreviver o seu reino? (vv. 17-18a).

27ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Jl 1,13-15; 2,1-2

Nada sabemos em que tempo viveu o profeta Joel (Joel significa “Javé é El”, o deus supremo). Mas, a partir de seus escritos, nota-se que ele exerce alguma função no culto do templo (1,9.13s.16; 2.15-17; 4,17s.20), talvez seja do mesmo grupo dos levitas como Malaquias (Ml 2,4).

Sua mensagem preocupada com a vida no campo e na cidade (1,9-12; 2,23) destina-se aos habitantes de Jerusalém e toda a região (Judá). Uma praga de gafanhotos (1,4-12; cf. hoje a praga do lagarto helicoverpa) e uma estiagem (1,16-20) observadas atentamente e comparadas com uma invasão de exército inimigo serviram para que Joel anunciasse o Juízo final, o “dia do Senhor” (1,15; 2,1; 3,4; 4,14). Joel pede a participação de todos, uma grande manifestação de penitência para suplicar a Deus.

Ponde as vestes e chorai, sacerdotes, gemei, ministros do altar. Entrai no templo, deitai vos em sacos, ministros de Deus; a casa de vosso Deus está vazia de oblações e libações (1,13).

Os “ministros de Deus” devem depor os ornamentos sacerdotais; deitar-se “em sacos” implica a abstinência sexual. “Oblações” (oferendas) e a “libação” consistiam de farinha, óleo e vinho (cf. 1,10). A crise no campo e a situação econômica desarticularam a ordem cultual. Segundo a teologia oficial da época (teologia da retribuição), a calamidade com a praga e a seca (“fogo”, v. 19; cf. Am 7,1-6) é atribuída aos pecados dos sacerdotes, anciãos e habitantes de Judá (cf. Dt 28,15.38-42)

Prescrevei o jejum sagrado, convocai a assembléia, congregai os anciãos e toda a gente do povo na casa do Senhor, vosso Deus, e clamai ao Senhor: “Ai de nós neste dia! O dia do Senhor está às portas, está chegando com a força devastadora da tempestade” (1,14-15).

“Toda a gente do povo” é convocada para participar do “jejum sagrado” do templo, “na casa do Senhor”. “Prescrevei”, lit. “santificai”; trata-se de jejum ritual, coletivo (cf. Is 58; Jr 26; Zc 7) para provocar a compaixão de Deus. Para jejuar, os antigos se revestiam de vestes simples, raspavam a barba, cobriam de cinzas a cabeça e se abstinham de alimentos e de relações sexuais. Encontramos os mesmos apelos à penitência e à oração em 2,12-13.15-17 (leitura de quarta-feira de Cinzas; cf. Jn 3,5-9). O interesse que Joel tem por essas manifestações religiosas como pelos elementos do culto (1,9.16; 2,14) está em vivo contraste com a atitude de Amós, Oséias, Miquéias e Jeremias (cf. Am 5,21). Joel pensa, naturalmente, na conversão do coração (2,13).

“Ai de nós neste dia”. Há um “hoje” presente, infeliz, que anuncia e quase inaugura um “dia do Senhor”, de maior alcance. Há um jogo de palavras hebraicas entre “devastação” (shôd, cf. Is 13,6; Jr 48,3) e o nome divino “Todo-poderoso” (Shaddai – antigo nome de Deus; cf. Gn 17,1; 28,3; 35,11; 43,14; 48,3; 49,25; Ex 6,3; Jo 40,2 etc.) é anunciador do “dia de Javé (Senhor)”, dia terrível (cf. 2,1-2.11; Am 5,18; Ml 3,19-21 etc.), mas lido no contexto de Jl 3-4 (cf. Ab 15), ele traz consigo o triunfo final de Israel. Deus assegura o triunfo do justos e castiga os pecadores no “dia do Senhor”.

Tocai trombeta em Sião, gritai alerta em meu santo monte; tremam os habitantes da terra, que está chegando o dia do Senhor, ele está às portas (2,1).

Os vv. 1-11 retomam, em função do dia de Javé (1,15), a descrição da praga de gafanhotos (1,4), sob a imagem de um exército, cujo ataque é irresistível (vv. 3-9, omitidos pela liturgia de hoje). O toque de alarme estabelece uma tonalidade militar (Os 5,8; Jr 4,5). O dia do Senhor não é dia de festejos, mas de alarme, advertência de perigo iminente (Am 3,6; 5,18; Os 5,8; Ez 33,3-6). O toque da trombeta ou da corneta anuncia o castigo de Israel (Is 18,3; Os 8,1; Jr 4,5; 6,1), e a vinda do “dia da ira” (Sf 1,15); ele dará, pois, o sinal da grande reunião dos eleitos no último dia (Is 27,13; 1Ts 4,16-17; 1Cor 15,32).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 899) comenta: O toque de trompa destinado a dar alarme, provoca o pânico entre os habitantes de Judá; provavelmente o sinal era transmitido de pico a pico, desde Jerusalém até a última aldeia de Judá. Trompa, clamores, terror (e abalos cósmicos, v. 10) fazem parte das habituais descrições da teofania, cf. Ex 19,16 ss; Sl 18,8-10; Hb 3,7ss.

É um dia de escuridão fechada, dia de nuvens e remoinhos; como aurora espraiada nos montes, assim é um povo numeroso e forte, tal como jamais se viu algum outro nem jamais se verá, até aos anos de gerações futuras (2,2).

Estas imagens referem-se à aproximação das “nuvens” de gafanhotos que obscurecem o céu (cf. Ap 9,2). A “escuridão” (cf. Am 5,18.20) provocada pela nuvem de gafanhotos é real (Ex 10,22) e ao mesmo tempo simbólica (Sf 1,15). Em vez de esperança depois da escuridão, a “aurora espraiada” evoca, quer a rapidez da invasão, quer os reflexos avermelhados das nuvens de gafanhotos sob o sol. Um apelo dramático à conversão.

Além das calamidades da natureza, a terra é castigada pelas invasões destruidoras e exércitos invencíveis (“povo numeroso e forte”), semelhantes ao ataque dos gafanhotos. (1,2-12; cf. Na 3,15b-17). A invasão das nações inimigas traz também o julgamento de Deus contra o povo pecador no dia do Senhor (1,15; 2,1).

 

Evangelho: Lc 11,15-26

O evangelho de hoje apresenta a reação negativa depois de uma cura e uma acusação absurda à qual Jesus responde. Lc copia aqui do evangelho mais velho (Mc 3,22-27) e da fonte de palavras Q (Mt 9,32; 12,22-32.43-45).

(Naquele tempo, Jesus estava expulsando um demônio), mas alguns disseram: “É por Belzebu, o príncipe dos demônios, que ele expulsa os demônios.” Outros, para tentar Jesus, pediam-lhe um sinal do céu (vv. 15-16).

Na introdução (“Naquele tempo, Jesus estava expulsando um demônio”), nossa liturgia resume o versículo anterior com a cura de um mudo endemoninhado e a e admiração da multidão (v. 14). Como a sua fonte Q (cf. Mt 9,32-34), Lc atribuiu a doença do mudo ao próprio demônio, como em 13,11.16 (cf. 4,39) e não ao possesso.

A Bíblia do Peregrino (p. 2494) comenta:

Um exorcismo público serve para introduzir em contraste a admiração popular e as reservas de alguns em dois pontos: a origem do poder de Jesus (vv. 17-26), a necessidade de um sinal particular (vv. 16.29-32). A mudez é atribuída à possessão diabólica que impede a comunicação. A de Ezequiel foi induzida por Deus como sinal (Ez 3,22-27), a de Zacarias foi castigo por sua falta de fé (Lc 1,20.62-64). Jesus expulsa o demônio, liberta o mudo e o restitui a comunidade humana normal.

A admiração dos presentes é resultado frequente nos milagres e ainda não significa fé messiânica. Alguns, para desacreditar Jesus ou para justificar sua rejeição, atribuem o êxito do exorcismo a um pacto com o “chefe dos demônios”. Dão-lhe o nome de “Belzebu”, o deus da cidade fenícia de Acaron, a quem o rei de Israel Ocozias queria consultar (2Rs 1,2). Isaias fala de pacto com a divindade infernal Xeol (Is 28,15).

Outros pensam que o êxito do exorcismo não basta para acreditar no Messias, pois outros exorcistas têm poderes semelhantes. Um sinal celeste, nos astros ou nos meteoros, será uma garantia (para o limite máximo dos sinais, cf. Is 7,1)

O julgamento é puro preconceito: será verdade que Jesus exibe poder sobre um demônio? É poder delegado do chefe dos demônios? Seu poder pode ser autêntico? Não nos é suficiente. Exigimos um sinal “do céu”.

“Belzebu” é um dos nomes tradicionais do diabo (tomado do deus de Acaron em 2Rs 1, onde o nome Beel-Zebul, “senhor príncipe”, é transformado maliciosamente em Baal Zebub, “senhor das moscas”).

Para os judeus , o “céu” é uma das maneiras de designar Deus sem pronunciar o seu nome inefável (Dn 4,23; 1Mc 3,18 etc.). Reencontra-se este uso em 15,7.18.21; 20,4. Este versículo prepara os vv. 29-32 (resposta de Jesus à exigência do sinal; evangelho da próxima segunda-feira).

Mas, conhecendo seus pensamentos, Jesus disse-lhes: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído; e cairá uma casa por cima da outra. Ora, se até Satanás está dividido contra si mesmo, como poderá sobreviver o seu reino? (vv. 17-18a).

Jesus responde com dupla comparação: a unidade de um reino e de uma casa/família. Satanás tem seus agentes, seus instrumentos, sua morada e seus seguidores; insinua-se uma oposição ao reino de Deus e a casa ou a família de Deus. Os demônios lutam contra outros, não entre si. Uma “casa” dividida desmoronará em ruínas. Lc pensa em edifícios que caem em ruínas. No paralelo de Mt 12,25 pode-se entender “casa” no sentido de família.

Vós dizeis que é por Belzebu que eu expulso os demônios. Se é por meio de Belzebu que eu expulso demônios, vossos filhos os expulsam por meio de quem? Por isso, eles mesmos serão vossos juízes. Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus (vv. 18a-20).

Esta parte não estava em Mc, é da fonte Q (ou estava inserida numa segunda edição de Mc, Dt, cf. Mt 12,27s). Se alguns dizem que Jesus é agente de Belzebu, tem de dizer o mesmo dos filhos deles, e estes se voltarão para condená-los. “Vossos filhos”, em Mt trata-se dos discípulos dos fariseus, em Lc dos judeus em geral (cf. Mt 12,27); Lc menciona exorcistas judeus em Éfeso, em At 19,13. Como discípulos que também praticam exorcismos, eles têm direito de condenar seus mestres que se mostram intolerante com Jesus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2494) comenta a expressão própria de Lc: A consequência é que na ação de Deus se mostra “o dedo de Deus” (Ex 8,15). O confronto de Moises com os magos do Egito é atraído mentalmente por tal expressão: quando pela terceira vez suas artes mágicas fracassaram, tiveram de reconhecer nos milagres de Moisés a ação da divindade.

Jesus é o novo Moises que expulsa os demônios por seu próprio poder. Em Mt 12,28, ele os expulsa pelo “Espírito de Deus”. Da comparação desta passagem com o paralelo Mt 12,28, deriva o apelativo dado ao Espírito Santo de “dedo da direita do Pai” (dedo de Jesus sentado a direita do Pai).

Quando um homem forte e bem armado guarda a própria casa, seus bens estão seguros. Mas, quando chega um homem mais forte do que ele, vence-o, arranca-lhe a armadura na qual ele confiava, e reparte o que roubou (vv. 21-22).

Não é que uma facção do reino de satanás esteja lutando contra outra, o ataque vem de fora, de um mais forte que ele, que o amarrará e saqueará sua casa (Jesus já enfrentou satanás com sucesso no deserto, cf. 4,1-13p). Quando satanás for amarrado, também o domínio da morte o será (cf. Lc 10,18; Hb 2,14; Ap 20,1.10). Lc é o único a mencionar aqui um homem “mais forte”, termo que João Batista deu ao Messias em 3,16p.

A Bíblia do Peregrino (p. 2494) comenta: A luta com Satanás é travada desde o princípio (Gn 3,15). Com suas armas domina os homens, despojo conquistado, e está seguro: “Mas pode-se tirar a presa de um soldado, escapa um prisioneiro de um tirano?” (Is 49,24). Sim, porque Jesus é mais forte como o veio demonstrando, e está tirando-lhe em que confiava. Seu despojo são os homens libertados (cf. Is 53,11-12).

Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, dispersa (v. 23).

As expressões evocam o comportamento do pastor (cf. Mc 14,27p; Jo 10,12; 11,52; 16,32; como proceder do próprio Deus, cf. Is 40,11; 49,18; Ez 34,13.16) e do ceifador em sua labuta (19,21p; Mt 3,12;13,30).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2000) comenta: Esta sentença, que se torna a incorporar em Mt 12,30, é mais severa que a de Lc 9,50, paralela a Mc 9,40. Essa dureza corresponde ao contexto polêmico em que a situam Mt e Lc.

Lc transferiu para 12,10 (no contexto do testemunho sem medo) a frase conclusiva de Mc 3,28s sobre o pecado contra Espírito Santo (imperdoável também no mundo futuro, Mt 12,32).

Quando o espírito mau sai de um homem, fica vagando em lugares desertos, à procura de repouso; não o encontrando, ele diz: “Vou voltar para minha casa de onde saí”. Quando ele chega, encontra a casa varrida e arrumada. Então ele vai, e traz consigo outros sete espíritos piores do que ele. E, entrando, instalam-se aí. No fim, esse homem fica em condição pior do que antes (vv. 24-26).

Os que foram libertados do poder do mal não devem abdicar da vigilância, porque a hostilidade continua e o inimigo pode retornar com mais força e maior prejuízo que antes.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2000) comenta: Sob as representações demoníacas do judaísmo de seu tempo, Jesus descreve a triste sorte de quem recai em poder de Satanás depois de ser libertado dele. Ele está demais persuadido da sua vitória sobre o Mau para ver nisto algo fatal (cf. 10,18; 11,20), mas adverte os convertidos do perigo que os ameaça (Mt 12,43-45 aplica estes vv. a “esta geração má”).

Nos povos semíticos e no AT, o “deserto” é habitação de seres demoníacos (Lv 16,10; Is 13,21; 34,12.14; Tb 8,3; Br 4,35; cf. Lc 4,1p). A ideia de ser possuído por vários demônios já apareceu em 8,2 (em Maria Madalena ”sete”, número que significa plenitude) e 8,30p (“legião”). Jesus, o bom pastor, procura a alma perdida, como a mulher em 15,8-10 que “varre a casa”.

O site da CNBB comenta: O reino de Deus chegou até nós com toda a sua força contra o mal e suas consequências. Mas porque é que sempre temos a impressão que o mal está vencendo o bem e que as coisas estão sempre piorando? A verdade é que vemos a realidade em si sem sermos capazes de interpretar os sinais dos tempos que se apresentam a nós. Assim sendo, até mesmo as coisas boas que Deus realiza no meio de nós são interpretadas como coisas más e, por isso, nós bloqueamos até mesmo as coisas boas que Deus realiza, vendo nelas, por motivos egoístas e por dureza de coração, coisas más, como fizeram os judeus.

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