13 de Fevereiro de 2021, Sábado: “Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer”

5ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Gn 3,9-24

Ouvimos hoje a continuação da narrativa que começou com a criação de Adão e Eva no jardim Éden (2,1-5) e depois contou a queda, ou seja, o pecado deste casal quando comeu o fruto proibido (3,1-8).

A “árvore do conhecimento do bem e do mal” era a única árvore no jardim Éden do qual Javé Deus proibiu de comer (cf. 2,9.16s; 3,1-5). Mas Eva deixou-se seduzir pela serpente e deu de comer também ao homem. A mentira (falsa propaganda) da serpente prometeu: “Vossos olhos se abrirão e sereis como deuses” (v. 5). Depois de comerem, porém, “seus olhos se abriram e souberam que estavam nus” (v. 7).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 28) comenta este pecado: O que o relato condena não é a posse do conhecimento, pois Deus o outorgará ao homem, mas a maneira com ele foi adquirida, pela violação da prescrição divina… O Senhor intervém como um juiz no contexto de um processo judicial. Interroga os culpados, determina as responsabilidades e fixa as sanções. Com isto mesmo, o relato dá a entender que Deus não se desinteressa da sua criatura e não a abandona ao poder da força que a seduziu.

O Senhor Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás? ” E ele respondeu: “Ouvi tua voz no jardim, e fiquei com medo porque estava nu; e me escondi” (vv. 9-10).

O saber lhes revelou a sua nudez, isto é, sua fraqueza que não importava antes do pecado (2,25). Sem excluir a ideia de pudor, as palavras “nudez” e “vergonha” exprimem na Bíblia a fraqueza, a falta de proteção, a derrota (Am 2,16; cf. Mc 14,51s; Mq 1,8; Sl 6,11 etc.).

Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás?”. O pecado do homem o afastou de Deus: “Onde estás? ” Outra pergunta interrogatória será dirigida a Caim depois de ter matado seu irmão: “Onde está seu irmão? ” (4,9).

A relação mútua se turba com a vergonha, e surge o encobrimento (vv. 7-8). A relação com Deus se turba com a cautela, a vergonha e o medo, e acontece outro encobrimento (cf. Ap 3,18; Eclo 23,18-19)

Disse-lhe o Senhor Deus: “E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?” Adão disse: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi” (vv. 11-12).

O homem e, mais adiante, a mulher empurram para outrem a responsabilidade pelo sucedido. Ao tentar de responder à pergunta “de onde vem o mal? ”, a própria narração não culpa unicamente o ser humano, mas a tentação (serpente) a ele proposta.

A tradição machista culpou Eva e com ela as mulheres (cf. v. 12; 1Tm 2,14), mas a serpente se aproximou a Eva por ser a parte mais fraca (na sociedade machista). Depois, Adão cedeu igualmente à tentação. Indiretamente, Adão parece culpar até o próprio Deus: “a mulher que tu deste”.

Nas cartas pastorais do NT revoga-se certas liberdades das cartas anteriores de Paulo (cf. Gl 3,28; 1Cor 11,5). Assim justifica-se a proibição de uma mulher ensinar o marido ou falar na assembleia, porque “não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão” (1Tm 2,14). Adão comeu sem ser seduzido? Pior.

Disse o Senhor Deus à mulher: “Por que fizeste isso?” E a mulher respondeu: “A serpente enganou-me e eu comi” (v. 13).

No Antigo Oriente, a serpente simbolizava a potência de fertilidade (Canaã) e a força política (Egito); na epopeia babilônica de Guilgamesh, a serpente roubava ao herói a planta da imortalidade. Em Gn 3, a serpente serve de máscara para um ser hostil a Deus e inimigo do ser humano (cf. o comentário da leitura de ontem). Nela a Sabedoria, e depois o NT e toda a tradição cristã, reconheceram o Adversário, o Diabo, Satanás (cf. Jó 1-2 etc.), chamado de “pai de mentira” em Jo 8,44.

Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (vv. 14-15).

A serpente, “o mais astuto de todos os animais do campo”, passa a ser o mais miserável deles, a sua astúcia volta-se contra ela. No hebraico, o sujeito de “ferirá a cabeça” é a descendência (“este”, linhagem), em latim é a mulher (ipsa: “esta”, a mulher).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 28) comenta: Este versículo tem sido entendido de maneiras diferentes. Para uns, ele anunciaria uma luta de morte e sem fim entra a descendência da mulher e a da serpente; este combate sem desfecho insere-se no contexto das sanções adotadas pelo Senhor. A tradução aqui adotada deixa possibilidade para esta interpretação. Segundo outros, o v. permite entrever um desfecho favorável, pois visa antes de tudo a serpente. A linhagem da serpente é atingida na “cabeça”, a da mulher somente no “calcanhar”; além disso, “comer pó” é sinal de derrota (Mq 7,17) … À luz dos demais livros bíblicos, a tradição cristã frequentemente viu neste texto o “Protoevangelho” que anuncia a vitória do Messias, nascido de uma mulher, o que é sugerido já pela versão grega (este, um indivíduo, e não a descendência, que seria “isto”). A tradição católica reconheceu aqui um dado importante sobre o papel da mãe do Messias, donde a tradução “ipsa conteret” (ela, a mulher, te esmagará) da Vulgata.

Na festa da Imaculada Conceição de Maria (08 de dezembro) ouvimos esta leitura (vv. 9-15.20), porque fala pela primeira vez da vitória sobre o mal (v. 15 é chamado “Protoevangelho”, primeira boa notícia). Como Jesus é o novo Adão que não é vencido pelo diabo (cf. Mc 1,12-13; Rm 5,12-21; 1Cor 21s; Jo 20,15), Maria é a nova Eva que foi preservada do pecado original e não peca. “Ele”, ou “ela”, destruirá o poder da serpente (cf. v. 15).

O profeta Isaías apresenta imagens de uma paz paradisíaca que o messias trará: a criança pequena pode brincar com a cobra sem lhe fazer mal (Is 11,8).

À mulher ele disse: “Multiplicarei os sofrimentos da tua gravidez: entre dores darás à luz os filhos; teus desejos te arrastarão para o teu marido, e ele te dominará” (3,16).

Sobre as dores no parto, cf. as matriarcas: Rebeca teve dores na gravidez (25,22) e Raquel morreu no parto (35,17s). “Teus desejos te arrastarão” (cf. 4,7). Trata-se de um impulso instintivo, a mulher sente a necessidade do homem e da sua força, sobretudo nas sociedades primitivas. Já em Pr 31,10; Gl 3,28; Ef 5,22-23, a mulher desfruta de condições diferentes.

E disse em seguida a Adão: “Porque ouviste a voz da tua mulher e comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer, amaldiçoado será o solo por tua causa! Com sofrimento tirarás dele o alimento todos os dias da tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos e comerás as ervas da terra; comerás o pão com o suor do teu rosto até voltares à terra de que foste tirado, porque és pó e ao pó hás de voltar” (vv. 17-19).

“Disse a Adão”; o texto hebraico aqui não tem artigo e considera Adão (adam = ser humano) já como um nome próprio, assim como em 4,25.

Estes dois vv. 17-18 descrevem a penosa condição do agricultor palestinense que vive das suas colheitas trabalhosas, chamadas aqui de “erva do campo” entre “espinhos e cardos” (cf. Is 27,4). A sanção divina consiste em fazer do trabalho do homem (2,15) um labor penoso e em abandonar o ser humano à morte. O que é condição do homem (Eclo 17,1) se converte em condenação por seu pecado (cf. 2,17).

A Bíblia de Jerusalém (p. 35) comenta: A condenação atinge os culpados nas suas atividades essenciais: a mulher como mãe e esposa, o homem como trabalhador. O texto não quer dizer que sem o pecado, a mulher daria à luz sem dor, e que o homem trabalharia sem suor do rosto. Isso seria o mesmo que concluir que, segundo o v. 14, antes do pecado as serpentes teriam patas. O pecado transtorna a ordem querida por Deus: em vez de ser a associada do homem e sua igual (2,18-24), a mulher se tornará a sedutora do homem, que a sujeitará para ter filhos; em vez de ser o jardineiro de Deus no Éden, o homem lutará contra um solo hostil. Mas o grande castigo será a perda da familiaridade com Deus (v. 23). Trata-se de “penas” hereditárias. Para que daí se deduza a doutrina de uma “falta” hereditária, será preciso esperar que são Paulo ponha em paralelo a solidariedade de todos em Cristo salvador e a solidariedade de todos em Adão pecador (Rm 5).

E Adão chamou à sua mulher “Eva”, porque ela é a mãe de todos os viventes. E Adão chamou à sua mulher “Eva”, porque ela é a mãe de todos os viventes (v. 20).

Num jogo de palavras em hebraico, o nome de Eva, Havvah, é explicado pela raiz hayah, “viver”.

Então o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher túnicas de pele e os vestiu (v. 21).

Nos caps. 2-3, Deus é apresentado de maneira mais rústica, como oleiro ou artesão (2,7.19), agricultor (2,8), médico (2,21s) e agora como alfaiate (3,21). Este gesto mostra a solicitude de Deus pelos culpados. Enquanto o homem nu só se protegia com folhas (v. 7), Deus lança mão dos animais (pele), “seres vivos” como o homem (2,19), para dar proteção ao homem.

Disse, depois, o Senhor Deus: “Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não aconteça, agora, que ele estenda a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre!”. E o Senhor Deus o expulsou do jardim de Éden, para que ele cultivasse a terra donde fora tirado (vv. 22-23).

Depois de ter fixado as novas condições das criaturas após a desobediência do homem e da mulher, o Senhor, na sua soberania, priva-os do “jardim” que lhe havia preparado, embora reconhecendo o saber que adquiriram. Análoga ao poder do Senhor se lê em 11,7-9; Como reminiscência mítica, cf. Ez 28,12-19.

A sentença de morte é comutada em desterro perpétuo do paraíso, do “jardim.; poderia haver uma projeção da experiência do exílio. No trabalho árduo, o homem começa a voltar a seu lugar de origem (“terra”), não mais como simples dominador.  

O homem pecador se constitui juiz do bem e do mal (cf. 2,17), o que é privilégio de Deus. “O homem se tornou como um de nós”, isto é, seres sobre-humanos – o próprio Deus e sua corte (cf. 1Rs 22,19; Jó 1,6) – os quais, segundo a tradição mesopotâmica (cf. epopeia de Gilgamesh), reservam para si a imortalidade. Aqui a atitude do Senhor aparece como uma resposta ao gesto do casal humano.

Expulsou o homem, e colocou a oriente do jardim de Éden os querubins, e a espada lampejante de chamas, para guardar o caminho da árvore da vida (v. 24).

O autor se serve do imaginário babilônico: Os “querubins” (na Mesopotâmia, Karibu) eram gênios em forma de touro ou de esfinge, que guardavam simbolicamente a entrada dos palácios, os lugares santos ou até os tronos divinos (1Sm 4,4; cf. suas imagens na arca da aliança em Ex 25,18-22).

“A espada lampejante de chamas”, lit.: assim como a chama da espada que se abate sobre a terra (Jz 7,13; Jó 37,12) significa o relâmpago, quase sempre símbolo da ira divina. O grande deus dos semitas do oeste, Baal, deus da tempestade, era representado brandindo o raio na sua mão (cf. a luta de Elias em 1Rs 18).

A “árvore da vida” vem de uma tradição paralela à da árvore do conhecimento (2,9). O ser humano é mortal por natureza (cf. v. 19), mas aspira à imortalidade que lhe será finalmente concedida. O Paraíso perdido pela falta do homem é imagem do Paraíso reencontrado pela graça de Deus (Ap 22,1s.14).

Em Mc 1,12s, Jesus é tentado por Satanás, mas não cai na tentação e recupera a situação do paraíso: “Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam”. No quarto Evangelho, encontram-se diversas alusões a Gn 2-3: o diabo é o “pai da mentira” (Jo 8,44), a paixão começa e termina num “jardim” (18,1; 19,41), Jesus flagelado é apresentado: “Eis o homem” (Jo 19,50); do seu lado aberto sai a nova Eva, a Igreja (simbolizada pelos sacramentos do sangue e da água em Jo 19,34); Jesus ressuscitado é visto como “jardineiro” (Jo 20,15), o novo Adão que recupera o paraíso (cf. 1Cor 15,20-22; Rm 5,12-19).

Evangelho: Mc 8,1-10

Chegamos quase à metade do Evangelho de Mc entrando no oitavo capítulo. Esse bloco 8,1-26, antes da profissão de fé por Pedro (8,27ss), repete aproximadamente a sequência de 6,32-7,37. Apesar de os conteúdos e desenvolvimentos diferem bastante, podemos ver a seguinte correspondência:

Dá de comer a 5000/4000 pessoas (6,32-44 e 8,1-10);

Cruza o lago (6,45-56 e 8,10);

Discussão com fariseus (7,1-23 e 8,11-13);

O tema do pão (7,24-30 e 8,14-21);

Cura de um mudo/cego (7,31-37 e 8,22-26).

O milagre da comida (multiplicação dos pães) é narrada uma segunda vez (também Mt 15,29-39). Os peritos bíblicos supõem a existência de dois relatos já antes da redação de Marcos. É possível imaginar que Jesus tenha saciado mais de uma vez uma multidão, mas também pode ser que um único evento tenha sido transmitido por duas comunidades diferentes o que explicaria a duplicata com suas leves diferenças. Assim aconteceu com o relato da instituição da eucaristia que foi transmitido em duas formas, uma por uma tradição judeu-cristã da Palestina (Mc 14,22; Mt 26,26-29) e outra por uma tradição grega (Lc 22,19-20 e Paulo em 1Cor 11,23-25).

Marcos faz o leitor imaginar que a segunda multiplicação dos pães aconteceu em território pagão, pois não indica mudança de localidade (“Decápole”, ou seja, “dez cidades” gregas em 7,31).

Naqueles dias, havia de novo uma grande multidão e não tinha o que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: “Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer. Se eu os mandar para casa sem comer, vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe” (vv. 1-3).

Como em 6,34, início e impulso é a compaixão do messias. Aqui Jesus é mais preocupado com a fome material (em 6,34 a compaixão o levou a ensinar muita coisa). Em 6,35, os discípulos perguntaram, mas aqui é Jesus que abre o diálogo, constando que “já faz três dias” (tempo para Deus se manifestar ajudando, cf. Gn 40,13; Ex 19,16; Js 1,11; Os 6,2; Jo 2,1) e que “vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe” (alusão aos povos pagãos? Cf. At 2,39; 22,21; Ef 2,12.17; Js 9,6; Is 60,4). “É a hora de piedade, chegou o prazo” (Sl 102,14); “não passarão fome nem sede. Porque os conduz aquele que se compadece deles” (Is 49,10).

Os discípulos disseram: “Como poderia alguém saciá-los de pão aqui no deserto? ” Jesus perguntou-lhes: “Quantos pães tendes? ” Eles responderam: “Sete. ” Jesus mandou que a multidão se sentasse no chão. Depois, pegou os sete pães, e deu graças, partiu-os e ia dando aos seus discípulos, para que os distribuíssem. E eles os distribuíam ao povo. Tinham também alguns peixinhos. Depois de pronunciar a bênção sobre eles, mandou que os distribuíssem também. Comeram e ficaram satisfeitos, e recolheram sete cestos com os pedaços que sobraram. Eram quatro mil, mais ou menos. E Jesus os despediu (vv. 4-9).

Simplificam-se a cena e o diálogo. A pergunta dos discípulos parece ignorar a primeira multiplicação. Para Mc, sempre custa aos discípulos compreender (cf. 8,14-21; etc.). Mas em seguida, tudo transcorre como na primeira multiplicação: a pergunta de Jesus sobre o número dos pães disponíveis, a refeição com pães e peixes, a fórmula eucarística da benção, a comida abundante até todos ficarem satisfeitos e sobrarem cestos (com números) e a despedida.

Mudam alguns detalhes: os números agora são “sete” cestos e “quatro mil” pessoas. Em 6,38.43s, os números aludiram ao povo de Israel: “cinco” mil pessoas aos cinco livros de Moisés (Pentateuco: Gn, Ex, Lv, Nm, Dt); “doze” cestos às doze tribos de Israel (cf. Gn 35,22b-25; Ex 1,2-3 etc.). Aqui, os números diferentes da segunda multiplicação dos pães podem indicar todas as nações da terra, porque “quatro” (mil) simboliza a terra cujos pontos cardiais são quatro (norte, sul, leste, oeste). “Sete” é número sagrado e significa plenitude, cf. a semana inteira da criação em Gn 1; então é um número mais universal do que doze. Lc diferencia da mesma maneira: os doze apóstolos judeus em Lc 6,13-16 e os sete diáconos helenistas-gregos em At 6,1-6; dois relatos de envios, o dos doze apóstolos em Lc 9,1 e o dos setenta discípulos em Lc 10,1.

Outra diferença é a própria bênção dos pães: em 6,41, Jesus “abençoou” os pães; em 8,6 “deu graças” (verbo grego eucharistein); a mesma diferença no vocabulário consta na última ceia entre Mc 14,22; Mt 24,26 (tradição judeu-cristã) e 1Cor 11,24; Lc 22,19 (tradição grega-helenista). Aqui em v. 7 menciona-se uma bênção extra sobre os peixinhos (v. 7), é atípica para os judeus e indica uma tradição grega.

Como todo judeu piedoso, Jesus rezou antes da refeição, “deu graças” e distribuiu os pães. Assim, a multiplicação dos pães tem algo de eucarístico, apesar dos peixinhos e de faltar o vinho. Mas não se deve interpretar a multiplicação dos pães apenas no sentido sacramental ou espiritual. Mc e Mt insistem por contar o mesmo milagre duas vezes (Lc o narra só uma vez, mas duplicou a missão dos discípulos cf. 9,1-6; 10,1-8): o milagre não é exibição de poder, mas resultado da compaixão do Senhor (cf. Is 49,10.13).

Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos a deram, provavelmente nas suas assembleias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), permanece para nós o incentivo de sentir compaixão, partilhar com os necessitados (cf. Mc 6,37p) e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44-45; 4,32.34-35).

Com a repetição da multiplicação dos pães (com outros números) em terras pagãs, o evangelista sublinha que os benefícios da salvação (e a Eucaristia) são também para os povos pagãos. O milagre forma assim um tríptico junto com os dois procedentes: da menina endemoninhada e do surdo. Mas não são mais migalhas (7,27-28) o que é dado aos comensais pagãos da cena presente. “Ele faz bem” (7,37) também isto: dar de comer ao todos os povos famintos, “cumulou de bens os famintos” (Sl 107,9; 147,7; Ne 9,15).

Subindo logo na barca com seus discípulos, Jesus foi para a região de Dalmanuta (v. 10).

Como em 6,45-52, segue-se uma viagem por mar (mas sem Jesus andar sobre o mar) e, à pouca distância, um diálogo com os fariseus (vv. 11-13; cf. 7,1-13) e sobre o significado do milagre (vv. 14-21; cf. 7,14-23).

Na origem do relato do milagre da comida, a multidão faminta se encontrava mais no interior do deserto, não tão perto do mar, onde teria facilidade de pescar. Mas já em 6,30-52 a viagem na barca estava juntada à multiplicação dos pães: uma tradição judeu-cristã (anterior a Mc) deve ter associado o maná cristã no “deserto” (v. 4) com o poder de Jesus sobre as águas, como Moisés antigamente dividiu o mar e saciou o povo no deserto (cf. Ex 14; 16).

Aqui, em v. 10, foi Mc que continua com seu itinerário. Ainda não se conseguiu localizar a misteriosa “Dalmanuta”, nome de uma localidade desconhecida, como “Magadã” no paralelo de Mt 15,39; ou talvez seja a transição de uma expressão aramaica mal identificada.

O site da CNBB comenta: Jesus age por compaixão em relação aos sofrimentos e dificuldades do povo de sua época. Ele ama com amor eterno e o seu amor se transforma em solidariedade, em gesto concreto. Jesus não pára diante das dificuldades que são apresentadas, porque sabe que o amor supera todas as dificuldades. Jesus leva as outras pessoas a sentirem compaixão com ele e assim colaborarem na superação dos problemas. Os discípulos colaboram na medida em que organizam o povo e distribuem os pães. Outros contribuem também doando os sete pães, que poderiam garantir o próprio sustento. Assim, a compaixão cria uma rede de solidariedade que supera a fome no deserto.

 

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