12 de janeiro de 2018 – Sexta-feira, 1ª semana

Leitura: 1Sm 8,4-7.10-22

A leitura de hoje nos apresenta uma virada importante na história política e religiosa de Israel, a transição da liga dos tribos, uma confederação liderada por juízes (Samuel é o último desse tipo), ao sistema monárquico (um rei concentra os poderes e depois dele governa seu filho). O livro de Sm nos dá duas versões discordantes, sem se esforçar-se por harmonizá-las: uma negativa e outra positiva.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 309) comenta o conjunto de 7,22-15,35: Com a ascensão da monarquia, o período dos juízes entre em declínio. Esse processo não se dá sem resistência, como se percebe nos capítulos 7-12, que reúnem uma tradição favorável à monarquia (8,1-5.21-22; 9,1-10,16; 11) e outra contrária (7; 8,6-20; 10,17-27; 12).

A Bíblia de Jerusalém (p. 429) comenta: Mas é abusivo falar de uma “versão antimonarquista” (8; 10,17-24; 12) e de uma “versão monarquista” (9,1-10,16; 11). Essas tradições diferentes, provenientes de diferentes santuários, estão de acordo a respeito do papel histórico e religioso de Samuel. Sua importância vem de ter feito prevalecer uma realeza que respeitava os direitos de Deus sobre o povo. Depois da derrota do reino de Saul, isso ia realizar-se sob Davi. Sua extraordinária personalidade conciliou o aspecto religioso com o aspecto profano da monarquia em Israel, e nele o chefe político não faltou aos deveres do ungido de Javé. Mas esse ideal não foi mais atingido por seus sucessores, e Davi permaneceu como figura do rei do futuro, por meio do qual Deus operou a salvação do seu povo, o Ungido do Senhor, o Messias.

Nossa liturgia saltou os caps. 5-7. A unidade dos israelitas estava ameaçada ante o crescente domínio dos inimigos filisteus que destruíram o santuário da arca em Silo, mas devolveram depois a arca porque causou pragas no meio deles (caps. 5-6). A arca ficava em território neutro (em Cariat-Iarim, antiga Baala, até Davi a transportar a Jerusalém em 2Sm 6).

Todos os anciãos de Israel se reuniram, foram procurar Samuel em Ramá, e disseram-lhe: “Olha, tu estás velho, e teus filhos não seguem os teus caminhos. Por isso, estabelece sobre nós um rei, para que exerça a justiça entre nós, como se faz em todos os povos” (vv. 4-5).

Esta narração é originária do santuário de Ramá (residência de Samuel; cf. 7,17). Renovando o oferecimento feito a Gedeão (Jz 8,22s) e a tentativa de Abimelec (Jz 9,1s), uma parte do povo pede um rei “como se faz em todos os povos” (vv. 5.20), mas opõe-se a isso outra corrente de opinião, deixando a Javé, único Senhor de Israel, o cuidado de suscitar os chefes que as circunstâncias exigem como ele fazia no tempo dos juízes.

Samuel era reconhecido como juiz e profeta em Israel (cf. 3,20; 7,15-17), mas seus filhos não seguiram seus passos (repete-se a situação dos filhos corruptos de Eli em 2,11-17), se deixavam subornar e “pervertiam o direito” (vv. 2-3). Mas não tem lógica: Se o problema está nos filhos, porque então exigir uma monarquia hereditária? Um sistema como a democracia e república democrática não era conhecido ainda. Como a história de 1-2Rs mostra, os filhos dos reis também não seguirão os passos dos pais, levando o país a ruina e o povo ao exílio.

A Bíblia do Peregrino (p. 500) comenta: Os anciãos fazem uma síntese de julgar o reinar. O termo “julgar” adquire pouco a pouco o nosso sentido de governar; o que Samuel fez até agora, o rei doravante fará.

Samuel não gostou, quando lhe disseram: “Dá-nos um rei, para que nos julgue”. E invocou o Senhor. O Senhor disse a Samuel: “Atende a tudo o que o povo te diz. Porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, para que eu não reine mais sobre eles.” (vv. 6-7).

O desgosto de Samuel tem algo de pessoal e não ser pura questão de princípio: embora só acusem os filhos, rechaçam toda a instituição dos juízes. É uma situação crítica como a de Moisés em suas tensões com o povo (cf. Ex 16,8). O Senhor corrige a visão pessoal de Samuel: a rigor, o que o povo rejeita é a soberania direta de Deus; Samuel apenas sofre rejeição.

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 414) comenta: As funções de “juiz” (isto é de soberano) e de chefe de guerra (cf. v. 20) pertenciam, por direito, ao Senhor (cf. 12,12; Jz 8,22-23), que podia, em certas ocasiões delegá-las a homens, os juízes, para exercê-las temporariamente, Esta velha concepção da realeza divina é distinta da representação ulterior do Senhor-rei dominando em seu templo (Is 6,5; Sl 47,8-9).

Samuel opõe-se ao movimento do povo que quer um rei ”como nas outras nações” (vv. 5.20), mas em seguida não se opõe a uma monarquia que reconhece as prerrogativas a Javé. Israel se esquece de que não é um povo “como os outros”, de que se profana seguindo o exemplo deles e rejeitando seu verdadeiro rei, Javé Deus (cf. v. 7 e 12, 12).

Voz do povo, voz de Deus? Em Mc 15,12-15, o povo manipulado pela elite local (os sumos sacerdotes) pede que o “rei dos judeus” seja crucificado; em Jo 19,14-16, os sumos sacerdotes declaram: “Não temos outro rei senão César” (as autoridades judaicas cessam oficialmente de reconhecer a soberania absoluta de Deus sobre Israel, cf. Jz 8,23; 1Sm 8,7).

Samuel transmitiu todas as palavras do Senhor ao povo, que lhe pedira um rei, e disse: “Estes serão os direitos do rei que reinará sobre vós:” (v. 10)

Embora reprovando o desejo do povo, o Senhor parece ceder, autorizando Samuel a satisfazer este desejo (cf. v. 22). Contudo, antes da decisão, o povo deve conhecer bem as condições; o diálogo pretende informar bem o povo antes de formalizar a eleição, e recorda remotamente o diálogo de Josué com o povo na renovação da aliança (Js 24).

Esse “direito do rei” (cf. Dt 17,14-20) foi por muito tempo considerado como reflexo dos abusos do poder real sob Salomão e seus sucessores. Mas textos recentemente descobertos indicam que ele representa também as práticas dos reinos cananeus anteriores a Israel (conhecidas através dos arquivos cuneiformes de Alalakh e Ugarit).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 310) comenta: O verbo que predomina é “tomar” (laqah, vv. 11.13.14.16). Vv. 11-12: tomar os filhos (cf. 1Rs 9,20-22); v. 13: tomar as filhas (cf. 1Rs 11,3); v. 14: tomar as terras (cf. 22,7-8; 1Rs 21); vv.15.17a: tomar o tributo, as plantações e rebanhos (cf. 1Rs 5,2-3; Am 5,11; Mq 2,2); vv. 16.17b: tomar os servos para o trabalho forçado (cf. 1Rs 5,27). No final tudo será propriedade do rei. É uma volta ao Egito (cf. Ex 13,3.14). Esta prática do rei é totalmente contrária à prática de Samuel (cf. 12,3-5; Dt 17,14-20). O “direito do rei” (vv. 9.10) de “tomar” os bens do povo não é vontade de Deus.

“Tomará vossos filhos e os encarregará dos seus carros de guerra e dos seus cavalos e os fará correr à frente do seu carro. Fará deles chefes de mil, e de cinquenta homens, e os empregará em suas lavouras e em suas colheitas, na fabricação de suas armas e de seus carros. Fará de vossas filhas suas perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tirará os vossos melhores campos, vinhas e olivais e os dará aos seus funcionários” (vv. 11-14).

O autor pode aludir aos carros, trabalhos forçados e tributos de que Salomão se servia (vv. 11s; cf. 1Rs 9,15-23; 10,15) e fazer uma censura aos monopólios (v. 14) dos quais a história de Nabot (1Rs 21,1-24) é apenas um exemplo. O regime desejado de uma monarquia “como se faz em todos os povos” não corresponde aos interesses dos pequenos proprietários livres que não sentiam necessidade de um rei, a não ser para melhor resistir a pressões externas.

“Das vossas colheitas e das vossas vinhas ele cobrará o dízimo, e o destinará aos seus eunucos e aos seus criados. Tomará também vossos servos e servas, vossos melhores bois e jumentos, e os fará trabalhar para ele” (vv. 15-16).

No contexto bíblico, os vv. 11-17 soam como legalização do que o décimo mandamento proíbe (e, na sua forma antiga, o sétimo: “não roubar pessoas”). Os verbos que definem a atividade real são tirar ou levar, dizimar, para si e seus ministros; a lista de bens inclui os três itens fundamentais: família, terras, gado (o texto hebraico tem “os vossos bois”; o grego, “os vossos adolescentes”). O possessivo da terceira pessoa (seus, suas) soa quatorze vezes, repetindo que tudo é “para ele”.

“Exigirá o dízimo de vossos rebanhos, e vós sereis seus escravos. Naquele dia, clamareis ao Senhor por causa do rei que vós mesmos escolhestes, mas o Senhor não vos ouvirá” (vv. 17-18).

Este “direito do rei” desemboca na terrível frase final: “vós sereis seus escravos”; é a tensão dos homens entre liberdade e autoridade, entre segurança e escravidão. Recorde-se a história de José culminando em Gn 47,25: “Tu nos salvaste a vida… seremos servos do Faraó”.

A Bíblia do Peregrino (p. 501) comenta: Com o verbo gritar (clamar) entramos em outro esquema, bem conhecido pelo livro dos Juízes: o estrangeiro subjugava Israel, que gritava ao Senhor; mas a história se rompe, porque o Senhor não responderá. É um pouco como o argumento contra os ídolos de Jz 10,14; se se empenham em buscar a salvação em um rei, que o rei os salve.

A Bíblia do Peregrino (p. 500-501) comenta o conjunto: Samuel se opõe a petição do povo. Israel deve ter o Senhor por único rei, deve confiar nele na vida política e militar; o juiz-profeta será o intermediário que dará a conhecer em cada caso a vontade de Deus que dirige a história. Mais ainda, a monarquia se voltará contra o povo por suas exigências despóticas. Samuel recita o que significa ter com um rei: escravidão mais que libertação. Recordemos que quando o autor quer falar, costuma fazê-lo pela boca de algum dos protagonistas. Mas Samuel não está exagerando? Um mediador humano não desbanca a soberania de Deus. O rei é o defensor do povo diante da prepotência dos poderosos, é garante da justiça e defensor na guerra. Isso justifica outra proposta, e os fatos comprovam. O livro 1Sm conta que Samuel ungiu o primeiro rei, o povo o aclamou, o rei começou bem a sua tarefa salvadora.

Saul, porém, não será “escolhido” pelo povo, mas designado pelo Senhor (9,15; 10,24; 11,6). O rei ideal (messias), que protege os pobres, é descrito no Sl 72.

Porém, o povo não quis dar ouvidos às razões de Samuel, e disse: “Não importa! Queremos um rei, pois queremos ser como todas as outras nações. O nosso rei administrará a justiça, marchará à nossa frente e combaterá por nós em todas as guerras”. Samuel ouviu todas as palavras do povo e repetiu-as aos ouvidos do Senhor. Mas o Senhor disse-lhe: “Faze-lhes a vontade, e dá-lhes um rei” (vv. 19-21a).

O povo parece querer contestar o discurso de Samuel: a monarquia não será para ele, o rei, mas para “nós” (repete sete vezes o sufixo: nosso/nos). De novo se juntam os termos julgar-reinar, dando a vitória ao segundo: em todo capítulo seus vezes a raiz shpt (juiz, julgar) contra doze vezes mlk (rei, governar, reino).

Mas Samuel continua em seu papel de mediador, como porta-voz de Deus (cf. Moisés em Ex 19,9). A execução da ordem do Senhor fica em suspenso. Com a última frase (v. 21b: “Volte cada uma à sua cidade“), Samuel dissolve a assembleia (cf. Js 24,28). Permite ao autor inserir a narrativa da unção de Saul (9,1-10,16, cf. leitura de amanhã).

A Bíblia do Peregrino (p. 500) comenta: No capítulo 8 assistimos a versão antimonárquica em forma dramática de diálogo. Para o povo, o rei representa governo firme e defesa militar; para Samuel, representa impostos e servidão. O drama consiste em que ambos têm razão. A verdadeira liberdade e segurança está em reconhecer e servir ao Senhor, que liberta e não escraviza; só quando o rei for servidor do Senhor a serviço da comunidade, é que protegerá sem escravizar (cf. Dt 17,14-20).

 

Evangelho: Mc 2,1-12

O evangelho de hoje nos apresenta mais uma cura de Jesus e simultaneamente o primeiro entre vários conflitos com as autoridades da Galileia (2,1-3,6.22-30; 7,1-13).

Alguns dias depois, Jesus entrou de novo em Cafarnaum. Logo se espalhou a notícia de que ele estava em casa. E reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar, nem mesmo diante da porta. E Jesus anunciava-lhes a Palavra (vv. 1-2).

Encontramos Jesus de volta em “casa”, deve ser a de Simão Pedro em Cafarnaum (1,29-33). Por causa da sua fama (vv. 25.45; 3,7-8. 20; 6,31) “reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar nem mesmo diante da porta” (cf. 3,31-32). Para Mc, é importante que “Jesus anunciava-lhes a palavra” (cf. 1,21-22.38-39; 2,13; 4,1.14-20,33; 6,2,6b.34; 10,1; 12,35.38; cf. 7,13), ele não veio apenas para curar (1,34-39).

Trouxeram-lhe, então, um paralítico, carregado por quatro homens. Mas não conseguindo chegar até Jesus, por causa da multidão, abriram então o teto, bem em cima do lugar onde ele se encontrava. Por essa abertura desceram a cama em que o paralítico estava deitado (vv. 3-4).

Com sua maneira viva de descrever detalhes, Mc apresenta quatro homens que trouxeram um paralítico, subiram no telhado e abriram um buraco, por onde desceram a cama com o paralitico, porque não conseguiram passar pela porta por causa da multidão. Não sabemos como Simão Pedro reagiu à danificação de sua casa (cf. Ex 22,s; também o exorcismo em Mc 5,11-17 causa grande prejuízo material), mas para Jesus vale este exemplo de “fé daqueles homens” em favor do doente (v. 5)

Quando viu a fé daqueles homens, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados estão perdoados” (v. 5).

Segundo os antigos, a doença era causada pelo pecado (cf. Sl 32; 38; 41; Eclo 38,9-10). Para libertar este deficiente físico, Jesus vai direto à raiz que é o pecado invisível causando os males externos e visíveis (cf. Jo 5,5-14). Os carregadores querem a cura física, Jesus desvia a atenção para o mais importante da sua missão: vencer o pecado com o perdão (cf. o significado do seu nome em Mt 1,21): “Filho, teus pecados estão perdoados”. O termo “filho, menino” indica que o paralítico era jovem.

Ora, alguns mestres da Lei, que estavam ali sentados, refletiam em seus corações: ”Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando: ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus” (vv. 6-7).

A oposição a Jesus começa: “Alguns mestres da lei, que estavam ali sentados,” pertenciam ao partido dos fariseus (vv. 16.18.25; 3,2,6) que dominavam o culto nas sinagogas da Galileia (outros mestres da lei pertenciam ao partido dos saduceus, à classe alta dos sacerdotes e atuavam mais em Jerusalém, cf. 3,22; 7,1; 11,27; 12,18; 14,1,53; 15,1). Começaram pensar no seu íntimo: “Ele está blasfemando”. Blasfêmia é falar mal (amaldiçoar) das coisas mais sagradas (cf. 3,28-29; 14,64).

A blasfêmia de Jesus seria arrogar-se um privilégio exclusivo de Deus, porque “ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus” (v. 7c; cf. Sl 130,4; Is 43,25). A pena da blasfêmia era lapidação (cf. At 7,58; Lv 24,14-16).

Jesus percebeu logo o que eles estavam pensando no seu íntimo, e disse: “Por que pensais assim em vossos corações? O que é mais fácil: dizer ao paralítico: “Os teus pecados estão perdoados”, ou dizer: “Levanta-te, pega a tua cama e anda”? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder de perdoar pecados, – disse ele ao paralítico: – eu te ordeno: levanta-te, pega tua cama, e vai para tua casa!” (vv. 8-11).

Jesus, porém, “percebeu logo o que eles estavam pensando no seu íntimo” (penetrar pensamentos é próprio de Deus; cf. Pr 15,11), e cura o paralítico da sua deficiência física, como prova de que ele tem o poder de perdoar pecados. Deus não iria atender um blasfemo (cf. Jo 9,15-16.31-33). Pois para “expiar pecados”, o culto oferecia recursos institucionais como sacrifícios no templo (cf. Lv 4), para curar milagrosamente não.

A cura externa expressa e revela a interna. Aliás, os mediadores do AT não perdoaram pecados, só intercederam pedindo perdão para outros (cf. Ex 32; Nm 14; 2Sm 12 etc.).

Jesus usa aqui e muitas vezes em seguida a expressão “Filho do homem” (vv. 10,28; 8,31.38; 9,9.31; 10,33; 13,26; 14,41.62) que pode significar simplesmente “ser humano” (hebraico: “filho de Adão”, cf. Sl 8,5; 90,3; Ez 2,1.3.6.8; 3,1 etc.), ou seja a condição humana de Jesus, correlativo de Filho de Deus. Por outro lado, este termo está associado à figura humana a quem Deus entregará seu reino no final dos tempos (Dn 7,13s). Por esta ambiguidade, Jesus se identifica com esta expressão, porque não podia ser acusado e preso por ser apenas um ser humano, nem ser mal-entendido como messias guerreiro nacionalista (o filho do homem em Dn 7,13s é mais universal e espiritual).

Em nenhum momento, porém, a tradição judaica relacionou o perdão dos pecados ao “Filho do homem”, mas lhe atribuiu o juízo final (já no escrito apócrifo Henoc). A comunidade cristã sabe que o perdão dos seus pecados se deve à morte de Jesus (cf. 10,45p; 1Cor 15,3). Para ela, este Filho do Homem tem poder de julgar e de perdoar os pecados já aqui na terra (Mt 25,31-46 etc.).

O paralítico então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos. E ficaram todos admirados e louvavam a Deus, dizendo: “Nunca vimos uma coisa assim” (v. 12).

A cura é demonstrada pelo paralítico “carregando a sua cama”, libertado da doença e do pecado ele vai para sua casa como Jesus ordenou em v. 11 (cf. 5,19). A cena termina com “todos admirados” (lit. extasiados, fora de si) e louvando a Deus, dizendo “Nunca vimos uma coisa assim” (v. 12; cf. a reação em 5,42 e 6,51).

Podemos relacionar esta cura (com a qual inicia a polêmica dos fariseus em Mc) com o batismo de crianças e o sacramento de confissão (itens polêmicos entre católicos e uma parte de igrejas protestantes): A maioria de nós foi batizada quando criança pequena. Como no evangelho de hoje, quatro pessoas nos carregaram para o encontro de Jesus: os pais e os padrinhos. No relato, Jesus reconheceu a fé destas pessoas e perdoou o pecado deste “filho”. Pelo batismo, a criança é chamada “filho/filha de Deus” e seu pecado original (coletivo) é perdoado (pecado individual ainda não tem), reconhecendo a fé dos pais e padrinhos. Já o apóstolo Paulo não só batizava indivíduos adultos, mas famílias inteiras (cf. At 16,15.31-34; cf. Pedro em 10,26.48). A paralisia expressa a situação do pecador. O pecado escraviza, tira a liberdade de se movimentar (cf. Gl 5,1.13; Rm 7,14ss; 8,14-15). O perdão liberta, devolve a liberdade de ir e vir.

O primeiro protestante Martinho Lutero iniciou sua reforma em 1517. Revoltado as indulgências abusivas pela ganância do clero daquela época, Lutero acabou com a confissão como perdão sacramental. O Concílio de Trento (1545-1563) reagiu e corrigiu estes abusos, mas insistiu no poder de perdoar pecados. Não é privilégio exclusivo de Deus ou de Jesus, porque Jesus passou esta autoridade para os apóstolos e Pedro (Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23), e estes passaram este poder para seus sucessores, que são os bispos católicos; estes autorizam os padres. No sacramento da confissão, o pecador arrependido não precisa duvidar mais, se Deus já lhe perdoou ou não. Com a absolvição dos pecados, pronunciada por um ministro autorizado (ordenado), ele pode ter a mesma certeza: ”Filho, teus pecados estão perdoados.”

O site da CNBB resume: As pessoas do tempo de Jesus têm muita dificuldade para acreditar que ele tenha poder de perdoar pecados. Isso acontece porque perdoar pecados é algo que compete unicamente a Deus, e as pessoas da época de Jesus, principalmente as autoridades religiosas, não o reconheceram como o Filho de Deus. Hoje em dia, porém, vemos acontecer o contrário. Parece que o perdão dos pecados é algo tão “comum” que a maioria das pessoas não valoriza mais isso como algo excepcional que Deus realiza em nossas vidas, vulgarizando a graça sacramental e não dando o devido valor ao Sacramento da Reconciliação.

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