12 de Janeiro de 2021, Terça-feira: Jesus o intimou: “Cala-te e sai dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu (vv. 25-26).

1ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Hb 2,5-12

Continuamos lendo a carta aos hebreus escrita por um anônimo no fim do séc. I: Um “sermão para cristãos desorientados” – é assim que poderíamos chamar esta “epístola de Paulo aos hebreus” que não é epístola, nem de Paulo, nem aos hebreus (A. Vanhoye; cf. o comentário de ontem).

Não foi aos anjos que Deus submeteu o mundo futuro, do qual estamos falando (v. 5).

A posição de Jesus é muito mais alta do que os anjos (1,4-2,4; cf. Ef 1,20s; Cl 1,16; 2,10.15; 1Pd 3,22). Ele tem direito não apenas aos títulos de “Filho” (1,5), de “Primogênito” (1,6) e de “Senhor” (1,10; cf. 1,4), mas também ao próprio nome de “Deus” (1,8.9). Só ele será o soberano do “mundo futuro” (v. 5). Este mundo futuro pode ser o Reino de Deus (cf. 1Cor 15,24-28) que será entregue ao Filho do Homem (Dn 7,13s).

A este respeito, porém, houve quem afirmasse: “O que é o homem, para dele te lembrares, ou o filho do homem, para com ele te ocupares? Tu o fizeste um pouco menor que os anjos, de glória e honra o coroaste, e todas as coisas puseste debaixo de seus pés” (vv. 6-8a).

Apesar da sua posição superior aos anjos não se deve esquecer que Jesus é “homem”. O autor da carta cita o Salmo 8, mas o reinterpreta:  O salmo falava da posição especial que o ser humano (“filho do homem”, em hebraico é “filho de Adão”) ocupa na criação e diante de Deus. Para Hb, o “filho do homem” é o próprio Jesus. “Filho do homem” pode significar simplesmente “criatura humana” (Ez 2,1 etc.) ou a figura humana que aparece em Dn 7,13-14, a quem Deus entregará seu reino no final dos tempos (cf. Mc 2,10.28; 8,31.38; 13,26; 14,62).

Se Deus lhe submeteu todas as coisas, nada deixou que não lhe fosse submisso. Atualmente, porém, ainda não vemos que tudo lhe esteja submisso. Jesus, a quem Deus fez pouco menor do que os anjos, nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte. Sim, pela graça de Deus em favor de todos, ele provou a morte (vv. 8b-9).

“Atualmente, porém, ainda não vemos que tudo lhe esteja submisso” (v. 8c). Sua volta ainda não aconteceu, contudo ele permanece o glorificado em quem a comunidade crê e espera: “nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte” (v. 9). O Filho de Deus, feito homem e crucificado foi glorificado e agora domina o universo (cf. Fl 2,6-11). Só aqui em 2,9, quando fala da morte, o autor menciona pela primeira vez o nome “Jesus” (antes falava do “Filho”). O Cristo (messias-rei) celeste é o homem Jesus, histórico, “coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte… em favor de todos” (cf. a descrição tradicional de Cristo como Servo sofredor de Is 53; Mt 26,28; Mc 10,45).

Convinha de fato que aquele, por quem e para quem todas as coisas existem, e que desejou conduzir muitos filhos à glória, levasse o iniciador da salvação deles à consumação, por meio de sofrimentos. Pois tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, ele não se envergonha de os chamar irmãos, dizendo: “Anunciarei o teu nome a meus irmãos; e no meio da assembleia te louvarei.” (vv. 10-12).

Em Mc 15,34p vemos Jesus na sua humanidade, gritando “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Sl 22,2). É o salmo da paixão (cf. Mt 27.35.39.43.46). A maior parte deste Salmo 22 é lamentação, mas em v. 23 começa a reviravolta, o orador é finalmente ouvido e resgatado do seu sofrimento pelos perseguidores e da “poeira da morte” (Sl 22,16) e começa louvar a Deus: “Anunciarei o teu nome a meus irmãos; e no meio da assembleia te louvarei.” Este v. é citado aqui em v. 12, o crucificado é o glorificado.

O sofrimento e a morte fazem parte do ser humano. Se Jesus, “o santificador” (v. 11) se tornou de fato “filho do homem”, é “filho de Adão” e chama de “irmãos” os seres humanos (cf. vv. 11-12: “descendentes do mesmo ancestral”, ou seja, de Adão) e tinha que se fazer igual também no sofrimento. Sem passar pelo sofrimento não podia ser o “iniciador da salvação” da nossa condição humana. Com essas palavras, o autor prepara a mediação do sumo sacerdote Jesus (v. 17 etc.), sem seu sacrifício não podia ter a salvação dos humanos.

É neste irmão Jesus, que experimentamos e anunciamos a Deus. Em Deus, que criou todos nós, somos todos irmãos. Nem sempre é fácil pensar em Jesus realmente como ser humano igual a nós (com carne e osso, suor, saliva etc., com alegria e esperança, tristeza e angústia, cf. GS 1). Também não é sempre fácil ver nas outras pessoas, do jeito como estão, nossos irmãos e irmãs e neles a presença de Deus.

Evangelho: Mc 1,21b-28

O evangelho de Mc é como um filme de ação em que Jesus realiza muitos milagres na primeira parte do evangelho. O primeiro acontece na sinagoga de Cafarnaum, cidade onde moram os primeiros discípulos que Jesus acabou de chamar (v. 29; cf. 2,1; 3,1; Mt 4,13; 6,59).

Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei (vv. 21b-22).

Menciona-se pela primeira vez Cafarnaum (cf. 2,1; 9,33; Mt 4,13; 9,1; 11,23s etc.), cidade na margem oeste do lago de Genesaré (mar da Galileia), onde os primeiros discípulos eram pescadores (vv. 16-20). No texto da nossa liturgia parece que só Jesus “entrou”, mas no texto original tem o plural “chegam a Cafarnaum” (Jesus e seus discípulos recém-chamados; depois em v. 29 “saíram da sinagoga”) e “logo” (omitiu-se também esta palavrinha típica de Mc) Jesus, “num dia de sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar” (cf. 3,1; 6,2). Mc gosta de destacar Jesus ensinando (Mt vai inserir aqui o sermão da montanha: Mt 5-7), deixando todos “admirados” (6,2; 7,37; 10,26; 11,18). A “autoridade” com a qual Jesus fala não é exegese da Lei, mas vem direto de Deus (cf. “Filho” no batismo) e se mostra em ações poderosas (curas, milagres), como a expulsão do espírito mau em seguida demonstra que o reinado de Deus chegou (1,14s; cf. 3,24-27).

A sinagoga é o lugar onde os judeus costumam se reunir no sábado para um culto da palavra, estudando e lendo trechos da lei de Moisés e dos profetas, cantando salmos, fazendo orações. Cada membro apto pode ser convidado para leitura e reflexão (cf. Lc 4). Como aqui Jesus, os missionários cristãos agirão da mesma maneira (cf. Paulo nos At 9,20; 13,5.14ss etc.).

Os “mestres da Lei” (lit. escribas) costumam ensinar nas sinagogas e aparecem aqui pela primeira vez, serão os adversários de Jesus na Galileia (em Jerusalém juntos com os anciãos e sumos sacerdotes). Eles são professionais que interpretam e atualizam a Lei de Moisés, ensinam o povo e julgam em tribunais. São tratados como “rabi” (mestre; daí o título rabino; cf. Mt 23,7). O primeiro considerado escriba foi o sacerdote Esdras (cf. Ne 8). Desde a época dos macabeus, são uma categoria independente dos sacerdotes porque estes pactuavam com os pagãos (romanos). Os escribas pertencem na maioria ao partido dos fariseus (2,16).

Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?  Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (vv. 23-24).

Dentro da sinagoga onde os mestres da lei judaica ensinam a maneira como o povo deve cumprir a lei e se manter afastado dos pecadores impuros (“fariseu” quer dizer separado dos pecadores), encontrou-se “um homem possuído por um espírito mau”. A medicina precária da época atribuía doenças com causas desconhecidas ou psíquicas a espíritos impuros e maus, ou seja, a demônios.

Há 2000 anos não existia psicologia ou psiquiatria. As pessoas tinham muito medo de poderes sobrenaturais aos quais se atribuía doenças, mortes, guerras, mau tempo e más colheitas. No Antigo Testamento (AT) havia uma purificação destas crenças através do monoteísmo, ou seja, Javé Deus é o único Deus, criador do universo com suas leis; criou tudo através da sua palavra (Gn 1). O israelita atribui tudo a Deus como causa primeira (cf. 1Sm 16,14-16.23; 18,10; 19,9: a doença psíquica do rei Saul é “um mau espírito, procedente de Javé”).

Mas nas crenças e costumes populares, antigas religiões e deuses sobreviviam, agora rebaixados como espíritos e demônios. O AT menciona os “cabeludos”, sátiros em forma de bode no campo (Lv 17,7; 2Cr 11,15; Is 13,21), os demônios “pretos” que assustam à noite (Sl 106,37; cf. o preto velho na Umbanda), “Azazel” (Lv 16,8.10) e os demônios “secos” no deserto e onde falta água (Is 34,14), “Lilit”, um demônio feminino da Mesopotâmia que perturba à noite e frequenta ruínas, o “demônio do meio dia” que causa confusão, e outros.

Sob influência persa, os judeus transformaram estas crenças num sistema (demonologia). A origem dos demônios imaginava-se como anjos caídos ou na relação de anjos com mulheres (Gn 6,1-4), de Adão com espíritos femininos e de Eva com espíritos masculinos. Liderados pelo comando de “Satanás”, na tradução grega “diabo” (Jo 1,6-12; 2,1-7; Zc 3,1s; 1Cr 21,1; Sb 2,24; Mc 1,13p; Lc 10,18s; Ap 12,9; cf. 1Cor 5,5; 7,5; 2Cor 2,11; 1Ts 2,18; 1Tm 1,20; 1Pd 5,8), chamado também de “Beliar” (Dt 13,114; 2Cor 6,14) ou “Beelzebu” (2Rs 1,2-16; Mc 3,22-27p), os demônios formam um exército das trevas que causam tentações, pecados e doenças. Mas o “Senhor dos exército” é Javé Deus cujo poder vence Satanás e os demônios.

“Que queres de nós?” O demônio fala aqui em nome da sua espécie (nós). A pergunta (lit. “o que (há) entre ti e nós?”) é um semitismo empregado para rejeitar uma intervenção que se julga inoportuna ou expressa que não quer comunhão, relacionamento algum (Jz 11,12; 19,23; 2Sm 16,10; 1Rs 17,18; 2Rs 9,18; também no NT: Mc 1,24; 5,7p; Jo 2,4).

Conhecer o nome de uma pessoa dá certo poder sobre ela. Revelando seu saber sobrenatural sobre Jesus, o demônio tenta dominar Jesus como numa magia. No conceito da época, os espíritos sabem mais do que os homens, então sabem que Jesus é “o Santo de Deus” (v. 24). Só Deus é santo, mas sua santidade se comunica ao que lhe pertence ou lhe é consagrado (cf. Lv 19,2; Is 6,3 etc.). Jesus é o “Santo de Deus” por excelência, por ser o Messias-Cristo (consagrado com a unção; não parece que os judeus tenham aplicado esse título ao Messias, (no NT, para o messias só em Lc 4,34 e Jo 6,69; cf. Lc 1,35; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7).

Na língua aramaica se trata de um jogo de palavras (cf. Mt 2,23): yeshua hanesri (Jesus o Nazareno) – nazri há-elohim (o nazireu/consagrado de Deus). Sansão recebeu o mesmo título em Jz 13,7. Em Jz 16,17 ele fala sobre seu segredo, referindo-se ao voto de nazireato (Nm 6,1-21) de não beber bebidas alcoólicas nem raspar a cabeça: “A navalho jamais passou na minha cabeça, porque sou nazireu de Deus desde o seio da minha mãe”. No AT, outros são chamados de “santos”: Moisés (Sb 11,1: “santo profeta”); o fiel (LXX Sl 15,10); o povo de Israel (Dt 7,6; 14,2.21; 26,19 etc.); Elias é um “homem de Deus” (1Rs 17,18.24), Eliseu um “santo homem de Deus” (2Rs 4,9). Como Aarão é chamado “o Santo do Senhor” em Sl 106,16, alguns veem aqui Jesus como “sumo sacerdote” (no NT, apenas em Hb).

Jesus o intimou: “Cala-te e sai dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu (vv. 25-26).

Depois do seu batismo, Jesus já venceu o chefe dos demônios, satanás, na tentação no deserto (vv. 12s), agora ele tem o poder para vencer também os outros espíritos maus (cf. 3,22-27). Os relatos de exorcismo eram comuns na época e seguiam certo esquema (cf. 5,1-13; 9,15-27) com os elementos seguintes: o possuído mostra seu desequilíbrio, tenta refutar gritando seu conhecimento sobrenatural sobre Jesus (cf. v. 34; 3,11; 5,7); o exorcista (Jesus) ordena “cala-te e sai dele” (v. 25; cf. 9,25); o espírito sai com gritos sacudindo o homem (v. 26; 9,26; cf. 5,10-13) que fica curado (cf. 5,15; 9,27) e as pessoas que assistiram ficam espantadas e admiradas (v. 27; 5,15; 9,26c).

“Jesus o intimou”, a LXX (tradução grega do AT) usava o mesmo verbo para as ordens de Javé. Jesus ordenou no lugar de Javé. Sua palavra de ordem contrasta com os conjuros dos feitiços gregos da época (cf. 5,7).

Temos aqui a primeiro ordem de Jesus de calar sobre sua identidade, seguida por muitos outras (cf. vv. 34.44; 3,12; 5,43; 7,36; 8,26.30; 9,9). Este “segredo messiânico” é característica de Mc e será suspensa só depois da sua morte. O motivo deste segredo é que Jesus não queria ser mal interpretado como messias nacionalista (Mc escreveu durante a guerra nacionalista de 66-70 d.C.).

E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” E a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia (vv. 27-28).

Para Mc, a palavra de Jesus tem autoridade divina e é eficaz, fala e assim se faz (cf. Gn 1; Is 55,8-11). Como os discípulos inicialmente atenderam seu convite a segui-lo “imediatamente” (vv. 16-20), assim também os espíritos maus o obedecem logo (v. 27). A novidade é o início do reino de Deus que se manifesta na vitória sobre os demônios.

O “ensinamento novo” de Jesus (1,27; cf. 12,28-34; Jo 13,32; Mt 5,21ss) é diferente daquele dos mestres da lei na sinagoga (vv. 22.27) que complicaram a Lei de Deus. Estes oprimem, desprezam e exploram as pessoas (cf. 12,38-40; Mt 23). Resumidamente pode-se concluir: o ensinamento dos mestres da lei na sinagoga deixa o homem louco, mas a palavra de Jesus o liberta.

Este foi o primeiro milagre em Mc, evangelho mais antigo e primitivo. Em Jo, o primeiro milagre é a transformação de água em vinho nas bodas de Caná (Jo 2,1-12), e não se encontra exorcismo algum. Mt copia Mc, mas omite este exorcismo na sinagoga de Cafarnaum (substitui-o pelo sermão da montanha, cf. o contexto de Mt 4-8). Para ele, obediência e justiça valem mais do que expulsar demônios (Mt 7,22s). Para Paulo, o dom maior é amor/caridade (1Cor 12,28–14,1).

O site da CNBB comenta: Jesus tem como costume ensinar nas sinagogas e o conhecimento da fé é a maior arma que o cristão tem para vencer o mal e o pecado, pois não só nos mostra o caminho para chegarmos até Deus e o valor da verdade para nós, além de nos revelar o amor que Deus tem por nós e a necessidade que temos de corresponder a esse amor por uma vida santa para que possamos vencer toda sorte de mal que venha a acontecer em nossas vidas e sentirmos o poder amoroso de Deus que se faz presente na vida de todas as pessoas que acolhem o que Jesus veio revelar a respeito de Deus e do seu Reino.

.

Voltar