12 de novembro de 2016 – Sábado, 32ª semana

Leitura: 3Jo 5-8

Ouvimos hoje um trecho da terceira carta de João (cf. 2Jo, leitura de ontem; 1Jo se lê no tempo de Natal). Sem dúvida estas cartas de Jo são do mesmo autor do quarto evangelho, mas em nenhum momento o autor revela seu nome. Na tradição foi identificado com o apóstolo João, filho de Zebedeu (Jo 21,2) e suas comunidades com aquelas do Apocalipse na Ásia menor (cf. Ap 1,1.4.9; cap. 2-3; 22,8). Mas o estilo do Ap é totalmente diferente das cartas e do Evangelho. Por isso muitos exegetas consideram o João do Ap uma outra pessoa do que o autor anônimo do quarto Evangelho e das cartas. O evangelho tem como autor o “discípulo amado”, mas sua versão final (redação eclesial) com os acréscimos (Jo 15-17; 21) foi escrita pelos discípulos do discípulo amado (cf. Jo 21,20-24), por volta de 100 d.C.

Na segunda e terceira carta, o autor se apresenta como “o Ancião” (presbítero, v. 1) que pode significar a idade e/ou a função de dirigente (1Pd 5,1). Diferente das duas anteriores, esta carta é endereçada a uma pessoa, e não à comunidade toda. A Bíblia Pastoral (pag…………..) a introduz: Esta é uma carta de encorajamento, que apresenta situação e pessoas bem concretas. O «Ancião» é certamente responsável por um grupo de comunidades, e está encontrando a oposição de Diótrefes, o bispo de uma igreja local, a quem acusa de ser dominador e de ter uma língua ferina. O Ancião enviou alguns missionários que se hospedaram na casa de Gaio, mas Diótrefes não permitiu que eles tivessem acesso à comunidade local; agora torna a enviá-los e pede a ajuda de Gaio. Demétrio, portador da carta, talvez seja um desses missionários. Note-se que a crítica ao bispo Diótrefes não é a respeito de uma doutrina errada, mas de um espírito autoritário, que toma decisões sem consultar a comunidade.

Caríssimo Gaio, é muito leal o teu proceder, agindo assim com teus irmãos, ainda que estrangeiros (v. 5).

Gaio é um nome muito frequente; nada permite identificar esta pessoa com um dos outros Gaios mencionados no NT (At 19-29; 20,4; Rm 16,23; 1Cor 1,14). Pelo título usado no v. 4, podemos deduzir que Gaio era convertido ou discípulo de João, ou seja, do autor da carta. Aquele que é assim chamado é um discípulo fiel, a quem o Ancião (2Jo 1) julga conveniente para dirigir a sua carta.

A alegria e o elogio do autor vêm de uma constatação: parte da comunidade tem vivido a solidariedade com os irmãos, inclusive apoiando alguns até então desconhecidos “estrangeiros”, que estavam apenas de passagem; “teus irmãos”, parece referir-se a missionários itinerantes, do tipo que Paulo tinha sido outrora (1Cor 4,12).

Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja. Farás bem em provê-los para a viagem de um modo digno de Deus (v. 6).

No v. 3 “deram testemunho da tua verdade”. É para Jo, a verdade é a fonte de inspiração do amor cristão.

“Diante da Igreja”, a Igreja do lugar reside o Ancião (cf. v. 3: “alguns irmãos chegados aqui”).

Pois, por amor do Nome, eles empreenderam a viagem, sem aceitar nada da parte dos pagãos (v. 7).

“O Nome” se refere ao Senhor (cf. At 5,41) e exprime o mistério da sua divindade (cf. 1Jo 3,23; 5,13; Fl 2,9; Tg 2,7). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p.2416) comenta: “O Nome”, que frequentemente no AT designava Deus, na Igreja primitiva é aplicado a Cristo (cf. At 5,41…). Enquanto, para Paulo, o Nome é o de Senhor (Fl 2,11), para Jo é sempre o de Filho (Jo 3,18; 20,31; 1Jo 3,23; 5.13).

A nós, portanto, cabe acolhê-los, para sermos cooperadores da Verdade (v. 8).

O Ancião que dirigia ou pelo menos afiançava a ação missionária dos pregadores itinerantes exorta as comunidades cristãs de cada local a lhe propiciarem uma colaboração eficaz.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2416) comenta: A “verdade”, que nada mais é do que a palavra de Deus (cf. 2 Jo 2…), leva em si mesma seu próprio poder de expansão (Rm 1,16; 1Cor 3,6-7). Colaborando com os que pregam o Evangelho, os cristãos cooperam de fato com a própria verdade, eles ajudam a tornar conhecido o nome do Filho de Deus (v. 7). Cf. em Paulo o título análogo: “cooperadores de Deus” (1Cor 3,9; cf. 1Ts 3,2).

 

Evangelho: Lc 18,1-8

Diante do julgamento no dia do Filho do Homem que virá de repente, não se pode ficar despreocupado esquecendo-se de Deus (cf. 17,22-37, os evangelhos dos dias anteriores), mas é preciso “rezar sempre”. A parábola seguinte forma um par com a de 11,5-8. Lc a introduz com o v. 1 e ajunta-lhe como aplicação os vv. 6-7, como também o v. 8 (cf. 21,36: “Vigiai e rezai em todo momento para serdes julgados dignos… diante do Filho do Homem”).

Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir, dizendo (v. 1).

Lucas antecipa a intenção didática da parábola e a enquadra assim na sua explicação. Diante c vinda (parusia) do Senhor, não fazer longas orações, mas sim reiteradas e prementes, para que o Senhor venha fazer justiça. São pensamentos e vocabulário paulinos: “rezar sempre” (Rm 1,10; 12,12; 1Ts 5,17; 2Ts 1,11; Fl 1,4; Cl 1,3; Fm 4) e “não desanimar (desistir)” (2Ts 3,13; 2Cor 4,1.16; Gl 6,9; Ef 3,13).

“Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’ (vv. 2-3).

A parábola apresenta uma mulher fraca contra um homem forte. As viúvas eram particularmente expostas a abusos legais e judiciais, entre outras razões, porque não podiam subornar nem pagar (Ex 22,21s; Dt 10,18; Sl 68,6; 94,6; Pr 15,25; Is 1,17; Jr 22,3; Lm 1,1). O juiz em função era “iníquo”: “não temia a Deus, e não respeitava homem algum” (implica-se mutuamente; cf. Sl 14 e, em forma positiva, as parteiras egípcias, Ex 1,17).

Durante muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!’” (vv. 4-5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: Os julgamentos costumavam celebrar-se à porta da cidade ou em outro lugar público, de modo que a viúva tinha acesso e podia reclamar publicamente. A mulher não desespera nem se resigna, tenazmente. É sua única arma; resignar-se seria fazer o jogo da injustiça. Até que o juiz ceda e se ocupe dela por puro egoísmo.

“Por fim, ele pensou” (lit. “ele disse a si mesmo”). Monólogos (falar consigo mesmo, com “sua alma”) são frequentes em Lc (cf. 12,17-19; 15,17-19; 16,3s etc.).

E o Senhor acrescentou: ”Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa (vv. 6-8a).

O “Senhor” é Jesus que comenta a própria parábola (cf. 16,8). É audaz sobrepor a Deus a imagem do juiz injusto e egoísta.

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: Quando Deus tolera o malvado e deixa sofrer suas vítimas, é injusto? (cf. Jr 15,15). A surpresa nos faz fixar-nos mais no ponto central: Deus fará justiça, mas sem demora, “bem depressa”? O salmista repete “até quando?” (Sl 13). Muitos acontecimentos históricos induzem os homens a duvidar da justiça de Deus.

Trata-se do escândalo clássico da inação aparente de Deus (Sl 44,23; Zc 1,12) que a demora da parusia (volta de Cristo) provocou novamente entre os cristãos: Quando Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos? Quanto tempo ainda?

O motivo de atender aos pedidos é diferente, mas o que importa é a certeza: Se o juiz corrupto se deixa mover pelo próprio egoísmo, quanto mais Deus que é nosso Pai atenderá por amor “seus escolhidos” (cf. Is 42,1; Mc 13,20). Deus não se omite nem desatende seus escolhidos: “Há um Deus que faz justiça na terra” (Sl 9,9; 58,12; 94,2).

“Será que vai fazê-los esperar?” ou “mesmo que os faça esperar” (a tradução da nossa liturgia não é unânime!). Fará justiça “bem depressa” ou de “repente” (como um relâmpago, cf. 17,24-36)? A Bíblia de Jerusalém (p. 1964) comenta: Em Eclo 35,18-19, onde esse versículo parece ter-se inspirado, é dito que Deus não esperará, nem tardará a fazer justiça aos pobres oprimidos; aqui é dito que usa de paciência, Talvez essa adaptação reflita o cuidado de explicar a demora da Parusia. Comparar uma atitude análoga em 2Pd 3,9; Ap 6,9-11.

Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (v. 8b)

Este v. faz a ligação com o cap. anterior (17,5s.19.22-37) sobre a “fé” e a vinda (parusia) do Filho do Homem (cf. 21,36). Deus virá para fazer justiça; mas não basta: o escolhido há de conservar a fé e a perseverança, continuar orando para receber o que vem (cf. as frases finais em 7,9.50; 8,48; 17,19; 18,42). A fé e a esperança num Deus, justo juiz, deve animar o ser humano e a Igreja, até o fim da sua peregrinação terrestre.

O site da CNBB comenta: A parábola do juiz iníquo nos mostra, como o próprio São Lucas nos diz, a necessidade da oração constante e da confiança em Deus que sempre ouve as nossas preces. Porém devemos ver qual a preocupação de Jesus no que diz respeito ao conteúdo da oração. O juiz não quer fazer justiça para a viúva e depois a faz por causa da insistência dela. A partir disso, Jesus nos fala sobre a justiça de Deus, ou seja, que o Pai fará justiça em relação aos que a suplicam. Deste modo, vemos que Jesus exige que a nossa oração não seja mesquinha, desejando apenas a satisfação das necessidades temporais, mas sim a busca dos verdadeiros valores, que são eternos.

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