13 de dezembro de 2016 – Terça-feira, Advento 3ª semana

Leitura: Sf 3,1-2.9-13

“Sofonias” (Zefanya) significa: “Protege (nos) Javé”. Deus ama e protege o povo pobre. O profeta Sofonias é contemporâneo de Jeremias e atua entre 640 e 620 a.C. Ele anuncia um terrível Dia do Senhor: “Eu vou acabar com tudo o que existe sobre a face da terra…” (1,2-3,8).  Não é essencialmente o fim do mundo e da história, mas a transformação do povo de Deus e o fim de uma era de corrupção e idolatria (adoração de outros deuses, de dinheiro e de poder).

A única possibilidade de salvação são os “pobres da terra” (2,3), destituídos de poder e riqueza depositam sua confiança no Senhor. São os únicos que poderão formar um “resto de gente humilde” (3,12) para conduzir na história o projeto de Deus, e assim fazer com que o Dia do Senhor se torne dia de alegria e restauração e não de destruição (3,9-20; acréscimo posterior do pós-exílio).

A leitura de hoje é tirada de um discurso de julgamento que o profeta Sofonias pronuncia em nome do Senhor. Sofonias apoiou as reformas do rei Josias (640-609 a.C.) que lutou contra a idolatria em Judá e Israel e centralizou o culto em Jerusalém (em consequência da descoberta do livro de Dt; cf. 2Rs 23; Dt 12). Na menoridade de Josias, porém, os grandes proprietários da terra (“povo da terra”) junto com outros dirigentes oprimiam e exploravam o povo (cf. 2Rs 21,24; 23,30; Ez 22,29) e mantinham o país sob o domínio dos assírios, refletido nos cultos astrais em Jerusalém (1,5; cf. 2Rs 21,5).

Sf começa denunciando a falta de responsabilidade social dos ricos e sua vida luxuosa. O profeta ameaça com um dia do julgamento, “dia do Senhor” (1,14-18; cf. Am 5,18-20) que não olha a nacionalidade, mas a justiça de cada pessoa. O livro segue o clássico esquema profético: advertência, julgamento e promessa. A última foi acrescida no pós-exílio.

(Assim fala o Senhor:) Ai de ti, rebelde e desonrada, cidade desumana. Ela não prestou ouvidos ao apelo, não aceitou a correção; não teve confiança no Senhor, nem se aproximou de seu Deus (vv. 1-2).

Nos vv. 1-5 reencontra-se o oráculo contra os dirigentes injustos, corruptos e descrentes de Jerusalém (1,8-13), como em vários profetas (Mq 3,1-11; Jr 2,8; Ez 34,1-6). Como Mq 3,11 e Jr 18,18, Sofonias acusa a violação da Lei, os falsos ensinamentos e julgamentos dos dirigentes.

Em forma negativa, o v. 2 dá uma definição em quatro pontos da vida de fé: “prestar ouvido” ao apelo de Deus ou do profeta, “aceitar a correção” (conversão), “ter confiança” (fé) no Senhor (Javé), “aproximar-se de seu Deus” (para o profeta, isto não significa em primeiro lugar adoração cultual, mas dócil submissão à vontade de Deus).

A Bíblia do Peregrino (p. 2271) traduz “rebelde e manchada, cidade opressora” e comenta: A ameaça contra Jerusalém é introduzida com paralelismo irônico: como há uma cidade “alegre e confiante”, Nínive (capital da Assíria), assim há uma “rebelde” contra o Senhor, “manchada” com práticas cultuais, e “opressora” do próximo… O seu delito tem agravantes: “não obedeceu” ao Senhor nem aos profetas, “não se corrigiu” com o castigo a outros povos; “não confiava” em seu Deus, mas em potências estrangeiras.

Nossa liturgia saltou os. vv. 3-8: Jerusalém não aceita a lição dos povos já castigados, por isso, Javé Deus reunirá as nações “para derramar sobre vós a minha cólera, todo ardor de minha ira” (v. 8b). No ano 586 a.C., Jerusalém foi destruída pelo exército de Nabucodonosor que levou grande parte do povo ao exílio na Babilônia. Depois deste castigo, no pós-exílio, acrescentou-se uma promessa que conclui o livro (vv. 9-20).

Nesta, há uma série de oposições e correlações de outros povos e de Jerusalém,de conduta passada e futura. O oráculo se divide em duas seções: a primeira é dedicada à grande purificação (vv. 9-13), a segunda à promessa alegre de amor (vv. 14-18a; lida no 3º Domingo do Advento, Ano C, e no dia 31 de maio, Visitação de Nossa Senhora). O centro não é o “santo monte” (v. 11: Sião, o morro onde Jerusalém foi construída) em sua materialidade, mas o “nome do Senhor” (v. 9), que será invocado pelos pagãos e refúgio do povo humilde.

Darei aos povos, nesse tempo, lábios purificados, para que todos invoquem o nome do Senhor e lhe prestem culto em união de esforços. Desde além-rios da Etiópia, os que me adoram, os dispersos do meu povo, me trarão suas oferendas (vv. 9-10).

Pela reunião dos “dispersos” e a transformação da “língua” (cf. vv. 9.13), estes versículos evocam a dispersão da torre de Babel (Gn 11,1-9; cf. o milagre de Pentecostes em At 2,1-11). A linguagem dos “povos” (pagãos) era “impura” (cf. Is 6,4), porque invocavam falsos deuses. Purificada, sua linguagem será à antítese de sua infidelidade. São necessários “lábios purificados” para invocar o nome do verdadeiro Deus (cf. Is 6,5s). “Trarão suas oferendas (ou tributos)”, um ato de vassalagem. Prestar culto “em união de esforços” (lit. “com um só ombro”), supõe uma pacificação semelhante à de Is 2,2-5.

“Desde além-rios da Etiópia”; esta promessa de conversão dos etíopes (cf. Is 18,7; 19,18-25; 45,14) não é, provavelmente, autêntica. Depois de “os que me adoram”, o texto hebraico acrescenta “os dispersos do meu povo” (lit. a filha de meus dispersos). É possível que um redator tenha acrescentado estas palavras por ter compreendido a expressão “os que me adoram” como alusão a Israel e o transforma em promessa aos judeus dispersos. De fato existem ainda judeus dispersos na “Etiópia”, segundo sua própria tradição desde a relacionamento do rei Salomão e da rainha da Sabá (1Rs 10,1-13).

Naquele dia, não terás de envergonhar-te por causa de todas as tuas obras com que prevaricaste contra mim; pois eu afastarei do teu meio teus fanfarrões arrogantes, e não continuarás a fazer de meu santo monte motivo de tuas vanglorias (v. 11).

“Naquele dia” se refere ao dia da ira de Javé (vv. 8; cf. 1,7.9s.14-16; 2,2s), mas agora Javé “revogou a sentença” (vv. 15s). A Bíblia do Peregrino (p. 2273) comenta: Se a “vergonha” é a confissão do réu convicto, Jerusalém não terá de repeti-la, porque o Senhor transformou eficazmente a capital; despojou-a dos seus delitos precedentes. “Gloriava-se do meu monte santo”, ou seja, alegava-o como mérito e defesa (cf. Jr 7,1-15).

E deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres. E no nome do Senhor porá sua esperança o resto de Israel. Eles não cometerão iniquidades nem falarão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua enganadora; serão apascentados e repousarão, e ninguém os molestará (vv. 12-13).

Este oráculo anuncia a realização do ideal proposto em 2,3, em que Sf prometeu salvação aos “pobres da terra”, o “resto de Israel”(cf. Is 1,9; 4,3 etc.) no dia de Javé, influenciado pela mensagem do profeta Amos (cf. Am 5,14-15.20; 8,4). Aqui oferece uma das descrições mais perfeitas do espírito de pobreza no AT (cf. no NT, as bem-aventuranças em Mt 5,3-12p; os “pobres em espírito” são os humildes). Protegido diretamente pelo Senhor, o rebanho humilde poderá viver em paz. É o povo eleito do futuro.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1796) comenta os “humildes e pobres”, ‘anawîm em hebraico: Os pobres ocupam um lugar especial na Bíblia. Se a literatura sapiencial considera, às vezes, a pobreza, rêsh, como consequência da preguiça, Pr 10,4 (mas cf. Pr 14,21; 18,12), os profetas sabem que os pobres são antes de tudo oprimidos, ‘aniyyîm, e reclamam justiça para os fracos e os pequenos, dallîm, e para os indigentes, ‘ebyônîm (Am 2,6ss, Is 10,2; cf. Jó 34,28s; Eclo 4,1s; Tg 2,2s). O Deuteronômio, na linha de Ex 22,20-26; 23,6, lhe faz eco com sua legislação humanitária (Dt 24,10s). Com Sofonias, o vocabulário da pobreza toma uma colaboração moral e escatológica (3,11s; cf. Is 49,13; 57,14-21; 66,2; Sl 22,27; 34,3s; 37,11s; 69,34; 74,19; 149,4; ver também Mt 5,3; Lc 1,52; 6,20; 7,22). Os ‘anawîm são, em resumo, os israelitas submissos à vontade divina. Na época da Setenta, o termo ‘anaw (ou ‘anî) exprimia cada vez mais uma ideia de altruísmo (Zc 9,9; cf. Eclo1,27). Aos “pobres” será enviado o Messias, será humilde e manso (Zc 9,9; cf. Mt 11,29; 21,5) e até será oprimido (Is 53,4; Sl 22,25).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1157) comenta: A profecia de Sofonias é relida pelo “resto de Israel” que experimentou a catástrofe do exílio e sofreu com as iniquidades de seus governantes em Sião. Por meio desse resto, Javé restaura Israel, onde o povo pobre, humilde e justo vive a vida em plenitude (cf. Am 9,13-15; Is 65,17-25; Ap 21,1-22,5). 

 

Evangelho:Mt21,28-32

No evangelho ouvimos mais uma referência a João Batista na explicação de uma parábola própria de Mt. Histórias com dois irmãos são comuns em todos os povos, geralmente para mostrar dois caminhos ou duas atitudes diferentes, união e diferença, conflitos e reconciliação (cf. Caim e Abel em Gn 4; Esaú e Jacó em Gn 25-36; Maria e Marta em Lc 10,38-42; o filho pródigo e seu irmão mais velho em Lc 15,11-32; cf. Pedro e André, Tiago e João em Mc 1,16-20p; entre os santos, Cosme e Damião etc.). Aqui em Mt, a parábola dos dois filhos é reduzida a um esquema: o dizer e o agir em reposta à vontade de Deus.

Naquele tempo, Jesus disse aos sacerdotes e anciãos do povo (cf. v. 23).

Nossa liturgia pegou a introdução da conversa anterior na qual Mt inseriu a parábola de hoje: uma controvérsia com os dirigentes de Jerusalém que questionam a autoridade de Jesus e o batismo de João (evangelho de ontem: vv. 23-27, copiado de Mc 11,27-33). Agora é hora de Jesus tomar a iniciativa. Com três parábolas se dirige a elite que pretende desafiá-lo. Nesta primeira parábola, própria de Mt, denuncia a hipocrisia de uma elite que se apresenta como realizadora da vontade de Deus quando de fato não é.

“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, ele disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de opinião e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?” Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “O primeiro” (vv. 28-31a).

Para instruir sobre nossas próprias escolhas, Jesus conta a parábola de dois filhos que mudaram de atitude. Deus, nosso Pai, nos deu livre arbítrio, porque somos feitos “a sua semelhança e a sua imagem” (Gn 1,26s). O trabalho na vinha simboliza o empenho pelo reino de Deus (também em outras parábolas, cf. vv. 31-46p; 20,1-15). Aqui não diz que o “primeiro” filho é o mais velho (cf. Lc15,12.25).

A salvação que ele nos oferece é puro dom. Cabe a nós responder “sim” ou “não” a esse convite. O livre-arbítrio possibilita ao ser humano acolher em sua vida o bom ou o mau caminho (cf. v. 32; 7,13-14p). Há sempre a possibilidade de mudar de rumo. Aqui, ambos os irmãos mudaram de rumo. Um fez a vontade do pai e o outro não. Uns traduzem “arrependeu-se”, mas aqui só fala “mudou de opinião” (mesma palavra em v. 32 e 27,3). Mudar de opinião não é necessariamente instabilidade, pode ser um sinal de inteligência e melhor compreensão.

Com sua reposta, os chefes do povo pronunciam sua própria sentença e se excluem do reino de Deus (cf. v. 41p).

Então Jesus lhes disse: “Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao contrário, os publicanos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele”(vv. 31b-32).

Em v. 32, Mt preservou “Reino de Deus”, nas outras vezes ele mudou para “reino dos céus”. O paralelo Lc 7,29s demonstra que havia uma tradição anterior de Mt (Q?).

Os dois filhos podem representar vários personagens: o povo de Israel que disse sim à aliança no Sinai (Ex 19,8; 24,3), mas depois não cumpriu (cf. Jr 2,20 etc.), ou a geração contemporânea com respeito à pregação do Batista (cf. 3,7s), ou o povo dos pagãos que se arrepende e crê (em Jesus).

O primeiro filho representa qualquer um que se arrependa; aqui, na aplicação da parábola, duas categorias receberam o qualificativo de pecadores (9,10s; 11,19): “os publicanos e as prostitutas” que aceitaram o convite do Batista ao arrependimento (3,2.6.8); o primeiro filho é figura destes pecadores públicos que primeiramente disseram “Não” à proposta do Pai, mas se convertem à justiça anunciada por João Batista e por Jesus. “João veio até vós, num caminho de justiça”, quer dizer: praticava e pregava aquela conformidade com a vontade de Deus, que torna o homem “justo” (cf. 3,15; 5,20 etc.). O “caminho de justiça” é termo frequente na literatura sapiencial (Jó 24,13; 28,4; Pr 8,20; 16,31; 17,23; 21,26; Tb 1,3).

O outro filho é figura dos chefes do povo, sacerdotes, mestres da Lei, anciãos, que se consideram justos e não se convertem. Disseram “Sim, Senhor”, mas não praticam a vontade de Deus (cf. Mt 7,21). Por isso, “os publicanos e prostitutas vos precedem no Reino de Deus.” É uma provocação forte de Jesus aos dirigentes que se acham pessoas de bem e irrepreensíveis, enquanto desprezam e maltratam os pecadores. A conversão de cobradores de impostos e prostitutas foi considerada muito difícil, e Jesus diz que estes “entram antes” (lit.) dos chefes do povo (cf. as condições para entrar no reino em 5,20; 7,21; 18,3; 19,23).

Estar no rumo certo não é sinônimo de segurança, pois podemos ser facilmente levados para outro caminho, se não nos mantivermos atentos ao chamado constante de Deus. Por isso a necessidade constante de conversão, porque não estamos prontos. E os que se acham “justos” e “santos” são muito facilmente propensos ao erro, mais do que os que têm firme consciência das próprias limitações. Os que se consideram “santos” acabam afogando-se na sua soberba e se fecham à graça divina. Ao contrário, os pecadores são mais abertos para acolher a graça, pois confiam apenas na misericórdia de Deus (cf. Lc 18,9-14).

Na exegese antiga, encontrava-se consolo nesta parábola. Nenhum pecador se desanime, porque há numerosos exemplos de conversões (Saulo-Paulo, Madalena, etc.; cf. Zaqueu em Lc 19,1-10). Até na hora da morte pode haver arrependimento e salvação (cf. Lc 23,39-43). “Da forca, mais cristãos sobem ao céu do que do pátio da igreja” (Lutero). Pode-se comparar a parábola com as palavras do Papa Francisco sobre o perigo de uma igreja fechada, autorreferencial que perde o rumo: a conversão pastoral consiste na missão permanente de ir às periferias (geográficas e existenciais) e comunicar a alegria do evangelho e a misericórdia divina (cf. a encíclica Evangelii Gaudium, a Alegria do Evangelho, 2013).

O site da CNBB comenta: Novamente o Evangelho nos mostra a pessoa de João Batista e a sua missão de precursor do Messias. Acreditar nas palavras de João acarreta na vivência do compromisso da conversão, e não uma mera conversão de palavras, mas conversão que exige gestos concretos que a demonstre. Por isso que Jesus nos conta inicialmente a parábola. Ele nos mostra que de nada adianta a adesão a uma religião formal, ritualista, que não tenha nenhum vínculo com a vivência do amor, pois o que é necessário é o cumprimento da vontade de Deus, e não o que falamos a ele, pois a fé é para ser vivida e não simplesmente anunciada.

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