13 de janeiro de 2017 – Sexta-feira, 1ª semana

Leitura: Hb 4,1-5,11

Na leitura de hoje continua a interpretação do Salmo 95 com seus motivos do êxodo (“saída” da escravidão do Egito e caminhada na deserto “durante quarenta anos” até o “repouso” na terra prometida; cf. leitura de ontem).

Tenhamos cuidado, enquanto nos é oferecida a oportunidade de entrar no repouso de Deus, não aconteça que alguém de vós fique para trás. Também nós, como eles, recebemos uma boa-nova. Mas a proclamação da palavra de nada lhes adiantou, por não ter sido acompanhada da fé naqueles que a tinham ouvido, enquanto nós, que acreditamos, entramos no seu repouso. É assim como ele falou: “Por isso jurei na minha ira: jamais entrarão no meu repouso.” (vv. 1-3b).

Deus dá uma “oportunidade” (v. 1) a cada comunidade, a cada ser humano. “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações” (3,7 citando Sl 95,7c). O que importa é o dia de “hoje” (cf. 4,7s), só é hoje que podemos dar um exemplo positivo, é hoje que podemos ter fé e permanecer fieis. Os alcoólicos anônimos (AA) têm a mesma filosofia: conseguirá parar de beber, quem disser a si mesmo: só por hoje não vou beber (e depois dizer a mesma coisa no próximo dia).

“Também nós, como eles, recebemos uma boa-nova”. A “boa-nova” foi a palavra promissora para os israelitas e o “Evangelho (boa nova)” para nós. A sorte dos israelitas condenados a errar pelo deserto constitui uma advertência para os cristãos. “A proclamação da palavra nada lhes adiantou” se não for acompanhada da fé. Ouvir a palavra é uma graça, não acreditar é uma desgraça. “Jamais entrarão no meu repouso” (v. 3; Sl 95,11).

Como antigamente a Terra prometida aos israelitas (cf. Nm 13), agora é o reino de Deus que está diante dos cristãos, ao alcance da mão, com sua paz, sua alegria, suas bem-aventuranças. Ouviram a voz de Cristo: “O reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15p; cf. Hb 4,2). Agora os destinatários cristãos de Hb encontram-se na mesma alternativa: Ou ter fé e “entrar no repouso” ou recusar-se e “ficar para trás”, fora e excluído.

Isso, não obstante as obras de Deus estarem terminadas desde a criação do mundo. Pois, em certos lugares, assim falou do sétimo dia: “E Deus repousou no sétimo dia de todas as suas obras”, e ainda novamente: “Não entrarão no meu repouso” (vv. 3c-5).

Aqui em v. 3c, o autor da carta começa relacionar o repouso prometido de Sl 95 (descanso depois da viagem pelo deserto, viver em paz na terra prometida; cf. Dt 12,9-10) ao descanso de Deus no sábado depois dos seis dias da criação (Gn 2,2s).

O fato de que “as obras de Deus estarem terminadas desde a criação do mundo”, não é garantia de salvação. É preciso “esforçar-se” (v. 11) na fé para não repetir o exemplo de desobediência, ao qual o Sl 95 se refere (Massa e Meriba em Ex 17,1-7; Nm 20,1-13). O sábado é imagem do “mundo futuro” (2,5), da salvação. Não significa ficar parado nem tédio. “Guardar o sábado” (cf. Ex 20,8) não significa ser obrigado a fazer algo, mas “ser livre” de preocupação, não viver ocupado e alienado, mas poder ser livre, pelo menos um dia por semana não ser escravo, mas ser livre (cf. Dt 5,15).

Na época de Jesus, os fariseus inverteram o sentido do sábado, cercando-o de tantos preceitos que parecia mais uma gaiola do que um sinal de liberdade; por ex. proibiram cozinhar (Ex 16,22), caminhar mais de um quilômetro (At 1,12), colher espigas (Mc 2,23s), curar (Mc 3,1-6). Jesus respondeu: “O sábado é para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27), “Meu pai ainda trabalha e eu também trabalho” (Jo 5,17; aliás, com esta frase poderia se reconciliar a criação na Bíblia com a teoria da evolução e a existência do mal). Com a ressurreição de Jesus no primeiro dia da semana (Mt 28,1; Mc 16,1; Lc 24; Jo 20,1.19) e a aparição dele no meio da comunidade outra vez oito dias depois (Jo 20,24), o dia sagrado em que os cristãos se reúnem passou para o domingo (cf. At 20,7). Quase todas as Igreja hoje existentes consideram o domingo o dia sagrado, só a Igreja do sétimo dia (adventistas) e voltou atrás ao sábado (também as Testemunhas de Jeová, mas sua fé não é cristã no sentido pleno, porque não consideram Jesus como ser divino, apenas como primeira criatura).

Para a carta aos Hebreus, o repouso de Deus no sábado é símbolo do paraíso. “Inquieto está meu coração enquanto não repousar em ti”, escreveu santo Agostinho nas suas confissões.

Esforcemo-nos, portanto, por entrar neste repouso, para que ninguém repita o acima referido exemplo de desobediência (v. 11).

A aliança no deserto sempre foi uma referência para os judeus: aí se concentra a lei e a autoridade (Moisés), o sacrifício e o culto (Aarão como primeiro sumo sacerdote). Aqui os cristãos não devem se animar com fé e coragem “para que ninguém repita o acima referido exemplo de desobediência”.

Acreditar nem sempre é fácil, é um dom de Deus, mas a fé também é tarefa nossa (“esforcemo-nos” v. 11), precisa ser aprofundada no estudo da Bíblia, na convivência da comunidade e na caridade (fé professada, celebrada e vivida).

 

Evangelho: Mc 2,1-12

O evangelho de hoje nos apresenta mais uma cura de Jesus e simultaneamente o primeiro entre vários conflitos com as autoridades da Galileia (2,1-3,6.22-30; 7,1-13).

Alguns dias depois, Jesus entrou de novo em Cafarnaum. Logo se espalhou a notícia de que ele estava em casa. E reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar, nem mesmo diante da porta. E Jesus anunciava-lhes a Palavra (vv. 1-2).

Encontramos Jesus de volta na “casa” de Simão Pedro em Cafarnaum (v. 1; cf. 1,29-33). Por causa da sua fama (vv. 25.45; 3,7-8. 20; 6,31) “reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar nem mesmo diante da porta” (v. 2a; cf. 3,31-32). Para Mc, é importante que “Jesus anunciava-lhes a palavra” (v. 2b, cf. 1,21-22.38-39; 2,13; 4,1.14-20,33; 6,2,6b.34; 10,1; 12,35.38; cf. 7,13), não veio apenas para curar (cf. 1,34-39).

Trouxeram-lhe, então, um paralítico, carregado por quatro homens. Mas não conseguindo chegar até Jesus, por causa da multidão, abriram então o teto, bem em cima do lugar onde ele se encontrava. Por essa abertura desceram a cama em que o paralítico estava deitado (vv. 3-4).

Com sua maneira viva de descrever detalhes, Mc apresenta quatro homens que trouxeram um paralítico, subiram no telhado e abriram um buraco, por onde desceram a cama com o paralitico porque não conseguiam passar pela porta por causa da multidão (vv. 3-4). Não sabemos como Simão Pedro reagiu à danificação de sua casa (cf. Ex 22,1-2; também o exorcismo em 5,11-17 causa grande prejuízo material), mas para Jesus vale este exemplo de “fé daqueles homens” em favor do doente (v. 5)

Quando viu a fé daqueles homens, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados estão perdoados” (v. 5).

Segundo os antigos, a doença era causada pelo pecado (cf. Sl 32; 38; 41; Ecl. 38,9-10). Para libertar este deficiente físico, Jesus vai direto à raiz que é o pecado invisível que causa os males externos e visíveis (cf. Jo 5,5-14). Os carregadores querem a cura física, Jesus desvia a atenção para o mais importante da sua missão: vencer o pecado com o perdão (cf. o significado do seu nome em Mt 1,21): “Filho, teus pecados estão perdoados”. O termo “filho, menino” indica que o paralítico era jovem.

Ora, alguns mestres da Lei, que estavam ali sentados, refletiam em seus corações: ”Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando: ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus” (vv. 6-7).

A oposição a Jesus começa: “Alguns mestres da lei, que estavam ali sentados,” (v. 6) pertenciam ao partido dos fariseus (vv. 16.18.25; 3,2,6) que dominavam o culto nas sinagogas da Galileia (outros mestres da lei pertenciam ao partido dos saduceus, à classe alta dos sacerdotes e atuavam mais em Jerusalém, cf. 3,22; 7,1; 11,27; 12,18; 14,1,53; 15,1). Começaram pensar no seu íntimo: “Ele está blasfemando” (v. 7b). Blasfêmia é falar mal (amaldiçoar) das coisas mais sagradas (cf. 3,28-29; 14,64).

A blasfêmia de Jesus seria arrogar-se um privilégio exclusivo de Deus: “Ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus” (v. 7c; cf. Sl 130,4; Is 43,25). A pena da blasfêmia era lapidação (cf. At 7,58; Lv 24,14-16).

Jesus percebeu logo o que eles estavam pensando no seu íntimo, e disse: “Por que pensais assim em vossos corações? O que é mais fácil: dizer ao paralítico: “Os teus pecados estão perdoados”, ou dizer: “Levanta-te, pega a tua cama e anda”? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder de perdoar pecados, – disse ele ao paralítico: – eu te ordeno: levanta-te, pega tua cama, e vai para tua casa!” (vv. 8-11).

Jesus, porém, “percebeu logo” os pensamentos deles (penetrar pensamentos é próprio de Deus; cf. Pr.15,11) e cura o paralítico da sua deficiência física, como prova de que ele tem o poder de perdoar pecados. Deus não iria atender um blasfemo (cf. Jo 9,15-16.31-33). Pois para “expiar pecados”, o culto oferecia recursos institucionais como sacrifícios no templo (cf. Lv 4), para curar milagrosamente não. A cura externa expressa e revela a interna. Aliás, os mediadores do AT não perdoam pecados, só intercedem pedindo perdão para os outros (cf. Ex 32; Nm 14; 2Sm 12 etc.).

Jesus usa aqui e muitas vezes em seguida a expressão “Filho do homem” (vv. 10,28; 8,31.38; 9,9.31; 10,33; 13,26; 14,41.62) que pode significar simplesmente “ser humano” (hebraico: “filho de Adão”, cf. Sl 8,5; 90,3; Ez 2,1.3.6.8; 3,1 etc.), ou seja a condição humana de Jesus, correlativo de Filho de Deus. Por outro lado este termo está associado à figura humana a quem Deus entregará seu reino no final dos tempos (Dn 7,13-14). Por esta ambiguidade, Jesus se identifica com esta expressão, porque não podia ser acusado e preso por ser apenas um ser humano, nem ser mal-entendido como messias guerreiro nacionalista (o filho do homem em Dn 7,13s é mais universal e espiritual).

Em nenhum momento, porém, a tradição judaica relacionou o perdão dos pecados ao “Filho do homem”, mas lhe atribuiu o juízo final (no escrito apócrifo Henoc; cf. Mt 25,31-46). A comunidade cristã sabe que o perdão dos seus pecados se deve à morte de Jesus (cf. 10,45p; 1Cor 15,3). Para ela, este Filho do Homem tem poder de julgar e de perdoar os pecados já aqui na terra.

O paralítico então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos. E ficaram todos admirados e louvavam a Deus, dizendo: “Nunca vimos uma coisa assim” (v. 12).

A cura é demonstrada pelo paralítico “carregando a sua cama”, libertado da doença e do pecado ele vai a casa como Jesus ordenou em v. 11 (cf. 5,19). A cena termina com todos admirados (lit. extasiados, fora de si) e louvando a Deus, dizendo “Nunca vimos uma coisa assim” (v. 12; cf. a reação em 5,42; 6,51).

Podemos relacionar esta cura (com a qual inicia a polêmica dos fariseus em Mc) com o batismo de crianças e o sacramento de confissão: A maioria de nós foi batizada ainda criança pequena. Quatro pessoas (pais e padrinhos) nos carregaram para o encontro de Jesus: os pais e os padrinhos. No relato, Jesus reconheceu a fé destas quatro pessoas e perdoou o pecado deste “filho”. Pelo batismo, a criança é chamada “filho/filha de Deus” e seu pecado original é perdoado (pecado individual ainda não tem), reconhecendo a fé dos pais e padrinhos. Já o apóstolo Paulo não só batizava indivíduos adultos, mas famílias inteiras (cf. At 16,15.31-34; cf. Pedro em 10,26.48). A paralisia expressa a situação do pecador. O pecado escraviza, tira a liberdade de se movimentar (cf. Gl 5,1.13; Rm 7,14ss; 8,14-15). O perdão liberta, devolve a liberdade de ir e vir.

O primeiro protestante Martin Lutéro iniciou sua reforma em 1517; tirou a confissão sacramental e as indulgências abusivas pela ganância do clero daquela época. O Concílio de Trento (1545-1563) reagiu e corrigiu estes abusos, mas insistiu no poder de perdoar pecados. Não é privilégio exclusivo de Deus ou de Jesus, porque Jesus passou esta autoridade para os apóstolos e Pedro (cf. Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23), e estes passaram a autoridade para seus sucessores, que são os bispos católicos, estes autorizam os padres. No sacramento da confissão, o pecador arrependido não precisa duvidar mais, se Deus já o perdoou ou não. Com a absolvição dos pecados, pronunciada por um ministro autorizado (ordenado), ele pode ter a mesma certeza: ”Filho, teus pecados estão perdoados.”

O site da CNBB resume: As pessoas do tempo de Jesus têm muita dificuldade para acreditar que ele tenha poder de perdoar pecados. Isso acontece porque perdoar pecados é algo que compete unicamente a Deus, e as pessoas da época de Jesus, principalmente as autoridades religiosas, não o reconheceram como o Filho de Deus. Hoje em dia, porém, vemos acontecer o contrário. Parece que o perdão dos pecados é algo tão “comum” que a maioria das pessoas não valoriza mais isso como algo excepcional que Deus realiza em nossas vidas, vulgarizando a graça sacramental e não dando o devido valor ao Sacramento da Reconciliação.

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