13 de julho de 2018, sexta-feira: Volta, Israel, para o Senhor, teu Deus, porque estavas caído em teu pecado

Leitura: Os 14,2-10

Ouvimos hoje o final do livro de Oseias que termina com uma esperança por cura e perdão. Não é possível que o juízo terrível (14,1) sobre Samaria (capital do reino do Norte destruído pelos assírios em 721 a.C., cf. 2Rs 17) fosse a última palavra de Deus. A matança não é o último ato; o final do livro se abre com um chamado à conversão e encerra com a garantia dos frutos. Uma redação exílica retomou os últimos oráculos de Oseias, fez uma releitura e finalizou com este texto para reacender a esperança do povo. Deus não quer a morte do pecador, mas sua conversão e salvação (Ez 18,23.32).

O desenvolvimento é linear: convite a converter-se (v. 2), discurso do réu confesso e arrependido (vv. 3-4), resposta de perdão e cura (v. 5), é assim que Efraim floresce e dá fruto (vv. 6-8), diálogo final (v. 9).

Volta, Israel, para o Senhor, teu Deus, porque estavas caído em teu pecado (v. 2).

O verbo “voltar” é usado três vezes em nossa leitura e se refere à volta do exílio e a retomada da aliança (6,1; cf. Is 55,7; Zc 10,9). Este oráculo denuncia duas culpas (de Israel e depois de Judá): a busca de outras divindades e a confiança no poder militar estrangeiro. O castigo acabou, porque o desvio da fé foi curado. O amor de Javé, portanto, está condicionado ao arrependimento do povo. Esta ideia se distancia da teologia original de Oseias, que anunciava um amor forte, gratuito e incondicional (11,7-9).

Vós todos, encontrai palavras e voltai para o Senhor; dizei-lhe: “Livra-nos de todo o mal e aceita este bem que oferecemos, o fruto de nossos lábios. A Assíria não nos salvará; não queremos montar nossos cavalos, não chamaremos mais ‘Deuses nossos’ a produtos de nossas mãos; em ti encontrará o órfão misericórdia” (vv. 3-4).

Os vv. 2-4 oferecem quase um formulário para uma liturgia penitencial (cf. Jl 2,12s). Não com sacrifícios de animais, mas com “palavras” (exemplo da devoção pessoal do profeta; cf. Sl 51,13s.19) o povo deve se aproximar a Deus pedindo perdão completo (“livra-nos de todo mal”) reconhecer a culpa e arrepender-se (cf. Gn 50,17; Lv 10,17 etc.)

O final do livro nos remete ao seu início: o objetivo de Oseias é procurar a conversão do pecado de Israel, que era a idolatria (10,8), na metáfora do profeta um adultério (traição da aliança com Deus). A esposa infiel (Israel) não só é reprovada e censurada pelo esposo fiel (Javé), mas também é cortejada e convidada a retomar seu amor verdadeiro (cf. 2,16-25; 11,8-11). Fica evidente quem são os “amantes” (2,7.9.12) que levam o povo a prostituição. É a política de submissão a potências estrangeiras (“Assíria”: 5,13; 7,11; 8,9; 12,2), a confiança no poderio militar (8,14; 10,13; “cavalos” do Egito, cf. 1Rs 10,28; Is 30,1-5; 31,1-3) e o culto a outras divindades (os deuses cananeus da fertilidade: Baal, Astarte, cf. 2,10; 4,7.17; 8,4-6; 10,5-6; 11,2; 13,2); em nada disso se podem encontrar a certeza de uma recuperação política, um florescimento econômico e até mesmo a salvação.

Convém a Israel pedir perdão e confessar seus pecados (“oferecer o fruto de nossos lábios”, v. 3; cf. Sl 50,14.23; Hb 13,15). Os elementos desta profissão de fé são a contraparte das censuras dirigidas ao povo pelo profeta no decorrer do livro: a renúncia das alianças políticas e da idolatria. Estabelece uma oposição radical entre as “obras de nossas mãos” (os ídolos) e o Deus de Israel. O povo pequeno e fraco (“órfão”, v. 4d; Lm 5,3) encontra “misericórdia” e salvação somente no Senhor (cf. 11,1-3; Is 49,14s). A imagem é a da ternura especial de Deus para com o pobre e o abandono (cf. Ex 22,21-23; Sl 68,6 etc.).

Hei de curar sua perversidade e me será fácil amá-los, deles afastou-se a minha cólera (v. 5).

O desvio de Israel não era doença, sim culpa, mas o Senhor quer agir como médico (6,1; 11,3; cf. Mc 2,17p). O v. 5 marca a mudança, a cura da perversidade (apostasia, desvio da fé), a vitória do “amor” sobre a “cólera” (fechando uma série: 3,1; 4,18; 8,9; 9,1.10.15; 10,11; 11,1.4; 12,5). Oseias compara o amor divino ao amor de e0sposo (caps. 1-3) ou de pai (11,1-4.8-9).

Serei como orvalho para Israel; ele florescerá como o lírio e lançará raízes como plantas do Líbano. Seus ramos hão de estender-se; será seu esplendor como o da oliveira, e seu perfume como o do Líbano. Voltarão a sentar-se à minha sombra e a cultivar o trigo, e florescerão como a videira, cuja fama se iguala à do vinho do Líbano. Que tem ainda Efraim a ver com ídolos? Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto (vv. 6-9).

“Serei… para Israel” alude ao nome de Javé (cf. 1,9), mas desta vez não se menciona pródigios da história (p. ex. o êxodo), mas Javé Deus se manifesta da criação: as plantas com o cume de o próprio Javé ser como a árvore da vida. É uma inculturação de elementos do culto cananeu a Baal, como Os já fez com sua ideia do casamento de Deus nos caps. 1-3.

O cântico dos Cânticos se inspirará nestes vv. 6-9: perfume, vinho (Ct 1,2; do Líbano cf. Ez 27,18), açucena, cipreste frondoso (Ct 1,17), sentar-se a sombra (Ct 2,3), orvalho (Ct 5,2; cf. Is 26,19), florescer (Ct 6,11; 7,3) e o Líbano (4,11) que simboliza força, esplendor e beleza. O nome do Líbano, o “branco”, evoca simultaneamente a montanha, o álamo e o incenso; donde a menção à floresta, à arvore e ao perfume. Provavelmente é esta a ocorrência, mas antiga, na Bíblia do uso simbólico do Líbano, símbolo de força, de esplendor, de beleza.

“Que tem ainda Efraim a ver com os ídolos?” (v. 9) Efraim foi um dos filhos de José (Gn 41,52) e o nome da tribo que se assentara no centro de Israel (Js 16); simboliza o reino do Norte com sua capital Samaria. Chegou seu fim (722 a.C.; cf. 2Rs 17), para que ainda os ídolos?

Com certa ousadia, o autor declara Javé como o verdadeiro Deus da fertilidade, não o ídolo Baal: “Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto”. O “fruto” faz novamente alusão à explicação do nome “Efraim” em Gn 41,52, baseada no verbo “frutificar, fecundar” (cf. 13,15). O “cipreste sempre verde” simboliza a vida, cuja única fonte é Javé (Gn 3,22; cf. hoje o símbolo da árvore de Natal). Depois de ter condenado os cultos idólatras sob as árvores sagradas (4,13), Javé dá a entender que ele é a realidade, os cultos da fertilidade não são senão uma caricatura.

Compreenda estas palavras o homem sábio, reflita sobre elas o bom entendedor! São retos os caminhos do Senhor e, por eles, andarão os justos, enquanto os maus ali tropeçam e caem (v. 10).

O versículo final é do estilo sapiencial (cf. Sl 107,43; Jr 9,11; Ecl 8,1), obviamente foi escrito na fase final quando as palavras de Oseias foram redigidas e compiladas após o exílio. Nesta época, a sabedoria não era mais a razão que se aprende por experiência, mas a revelação de Javé. O autor final considera o livro de Os fazendo parte desta revelação. Ele não se opos o sábio ao ímpio que perece (Sl 1,6), mas usa expressões de Os, os “maus (infieis) que tropeçam” (cf. 4,5; 5,5; 14,2).

Mostra que não basta uma leitura superficial para entender a mensagem do profeta, mas é necessário discernimento diante das idolatrias que nos rodeiam, para enveredar-nos pelos “caminhos retos” do Senhor (cf. Dt 32,4s). Sem esse discernimento que leva a uma atitude concreta diante dos “amantes” que nos fascinam, o próprio caminho do Senhor se torna um “tropeço” (Is 8,13s; cf. a profecia de Simeão em Lc 2,34). A expressão deuteronômica “andar nos caminhos do Senhor” (Dt 8,6; 11,22.28; 19,9) significa obedecer aos mandamentos de Deus.

                                                  

Evangelho: Mt 10,16-23

Continuamos ouvindo o segundo grande discurso de Jesus em Mt, pronunciando orientações para a missão dos discípulos. Num estilo de vida simples e despojado, eles devem atuar como o mestre, curando as pessoas e anunciando a mensagem do Reino de Deus nas casas e cidades de Israel (vv. 5-13). Nem sempre serão bem acolhidos (vv. 14s), mas enfrentarão perseguições (vv. 16-39).

Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas (v. 16).

Em 9,37-38, Jesus já falava sobre Israel como “ovelhas que não tem pastor”; em 10,6 enviou os apóstolos às “ovelhas perdidas da casa de Israel” (quando ressuscitado, os envia a todos os povos em 28,19). Na época, Israel tinha pastores, sacerdotes e mestres da lei, mas estes não cuidavam do povo, ao contrário, o exploravam e dispersavam (cf. Ex 34). Por compaixão (9,36), Jesus toma conta do rebanho (cf. Ex 34,11) e prepara futuros pastores: os apóstolos e discípulos missionários que enfrentarão a fúria de velhos pastores ou profetas falsos (cf. 7,15: lobos em pele de ovelha).

“Eu vos envio como cordeiros no meio de lobos” (v. 16a; cf. Lc 10,3). Estranha conduta do bom pastor (cf. Sl 23; Jo 10), mas ele precisa prepará-los para a realidade inevitável de hostilidades futuras (e presentes na época do evangelista; cf. Paulo em 1Cor 15,31; 2Cor 4,10s). Como cordeiro no meio de lobos, assim os judeus descreviam a diáspora, sua situação de dispersão no meio das nações. Agora os discípulos enfrentam uma situação semelhante no meio de Israel. Atuando como cordeiros, não devem usar de violência (cf. 5,38-48; 10,10-12). Na história da Igreja, esta recomendação nem sempre foi obedecida, às vezes até invertida (cf. cruzadas, inquisição, conquista…)

Uma equação de quatro animais simboliza seu destino: cordeiros e lobos, não pacificados (Is 11,6; 65,25; Jr 5,6); a serpente cauta e sinuosa (Gn 3,1) e a pomba que voa em linha reta (Is 60,8), símbolo de sinceridade, indefesa e pura. Pela maldade humana, o contexto de vida dos discípulos exige reflexão prolongada (a prudência como a serpente) e confiança no amor de Deus (a simplicidade das pombas). “Eu vos envio” indica a presença eficaz do Senhor.

Mt pegou a frase dos cordeiros no meio dos lobos da fonte comum com Lc, Q (cf. Lc 10,2-3) e o conteúdo seguinte antecipa parte do discurso de Mc 13,9-13 (cf. Lc 21,12-19; Mt o repete depois em 24,9-14). Os ensinamentos dos vv. 17-39 ultrapassam evidentemente o horizonte dessa primeira missão dos doze e devem ter sido pronunciados mais tarde (cf. o lugar que ocupam em Mc e Lc). Mt os reuniu aqui a fim de compor um breviário completo do missionário.

Cuidado com os homens, porque eles vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. Vós sereis levados diante de governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e das nações. Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados como falar ou o que dizer. Então naquele momento vos será indicado o que deveis dizer. Com efeito, não sereis vós que havereis de falar, mas sim o Espírito do vosso Pai é que falará através de vós (vv. 17-20).

As perseguições serão internas (“sinagogas”) e externas (“reis”). Os “tribunais” são os pequenos sinédrios de província e o grande sinédrio de Jerusalém (cf. 5,21s). Os açoites são 39 golpes, executados pelo servo da sinagoga como pena por grave violação da lei (cf. 23,34; 2Cor 11,24). A palavra “entregarão” lembra os leitores da paixão de Cristo que foi entregue ao sinédrio, acoitado e levado ao governador Pilatos. “Vós sereis levados diante de governadores e reis por minha causa, para dar testemunho diante deles e das nações” (v. 18; a frase será repetida, quando Mt fala da perseguição pelos pagãos em 24,9-14).

Em Israel (vv. 5-6), como depois diante dos pagãos, os discípulos comparecerão como acusados (v. 18), mas atuarão como testemunhas (cf. Jeremias em Jr 26; Pedro em At 4,1-22; 5,17-42; Paulo em At 23,11; 25,13-26,32). Por isso seu testemunho se compara à palavra profética (cf. 5,11s) inspirada pelo Espírito; daí a veneração primitiva aos mártires e a conservação devota das atas de martírio. A palavra grega martýrion se traduz por “testemunho”, mas toma nas gerações seguintes o sentido de “martírio”, morrer pela fé ou por boa causa. O Apocalipse chama Jesus de “testemunha fiel” e a sua mensagem de “testemunho” (Ap 1,2-5).

Nos processos da época não havia advogados de defesa, apenas peritos jurídicos que aconselhavam o réu. Jesus promete sua assistência (cf. Jo 14,18-21; 15,26). O Espírito “do vosso Pai” sublinha o amor divino. Mt fala pouco do Espírito (geralmente relacionado a Jesus, cf. 1,18.20; 3,16; 4,1; 12,18.28). Só aqui, nesta situação, o específica; no final do Evangelho, na fórmula batismal, fala do dom do Espírito aos fiéis (28,19; cf. 3,11). Mt prefere mais destacar a presença de Jesus no meio da comunidade (18,20; 28,20).

Mesmo “diante dos tribunais”, os discípulos triunfarão através do testemunho (martírio). Nas situações mais complicadas, contamos sempre com a ajuda do Senhor. O Espírito Santo é mais importante do que os nossos recursos e motivações.

O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais, e os matarão (v. 21).

A incompreensão por parte dos próprios familiares fazia parte dos profetas e do próprio Jesus (13,57p), então também dos discípulos.  Até os próprios parentes podem tornar-se adversários (cf. Mq 7,6), o que é mais doloroso, cf. Jr 12,6: “Também teus irmãos e tua família são desleais para contigo”; ou Sl 55,13-15: “Mas eras tu, meu camarada, meu amigo e confidente, a quem me unia doce intimidade” (cf. Sl 69,9; Jó 19).

Vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo (v. 22; cf. 24,9.13).

O ódio do mundo (cf. Jo 15,18s) é herança da origem judaica (os judeus eram odiados por sua negação de outros deuses). Os motivos, “por causa do meu nome” (v. 22), a vinda futura (v. 23) e o exemplo do mestre (vv. 24s), os fortalecerão, até a parusia (volta de Jesus no fim do mundo). Neste horizonte eclesial e escatológico, a “perseverança” é virtude fundamental. Este termo designa a resistência aos perigos que ameaçam a palavra (nas cartas de Paulo, cf. 1Ts 1,3; 2Cor 1,6; 6,4; 12,12; Rm 2,7; 5,3-4; 8,25; 15,4-5; Cl 1,11).

Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo, vós não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes que venha o Filho do Homem (v. 23).

A fuga nem sempre é resultado de covardia; pelo contrário, pode ser exigida pela prudência (cf. v. 16); o apóstolo deve poupar-se para sua missão. Em alguns casos pode servir à expansão missionária, como documentam os Atos dos Apóstolos (cf. At 8 e 12).

A comunidade cristã aguarda com expectativa a vinda sempre inerente do Senhor glorificado. Então, este anúncio pode referir-se à parusia, como em textos semelhantes (cf. 24,30p), ou pode referir-se, não ao mundo em geral, mas a Israel em particular: quando Deus veio “visitar” o seu povo que se tornou infiel, e põe fim ao regime da antiga aliança pela ruína de Jerusalém e do templo em 70 d.C. (cf. 24,1). Para escapar disso, os judeu-cristãos de Jerusalém fugiram para Pela na Transjordânia (Eusébio, cf. Lc 21,20s). Mt não cita aqui a missão às nações que deve anteceder ao fim do mundo (24,14; Mc 13,10; cf. 28,19s), porque a missão a Israel vem primeiro, já antes da ressurreição (vv. 5-6).

O site da CNBB comenta: Todo aquele que quer ser discípulo de Jesus deve estar pronto para enfrentar os problemas decorrentes do discipulado. Ser discípulo de Jesus significa não aceitar os contravalores que estão presentes no mundo e que não permitem que haja vida e vida em abundância, mas denunciar esses contravalores como causa de sofrimento e, ao mesmo tempo, anunciar os valores do Evangelho. Ser discípulos de Jesus significa ser profeta da Nova Aliança e arcar com todas as consequências do agir profético, ou seja, a perseguição, o sofrimento e até mesmo a morte. A história da Igreja está repleta de mártires, profetas da Nova Aliança que, por acreditarem nos valores do Evangelho, foram perseguidos e derramaram seu sangue como o Cristo.

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