13 de novembro de 2016 – 33º Domingo Ano C

1ª Leitura: Ml 3,19-20

O ano litúrgico está terminando em duas semanas e seus textos bíblicos nos falam do fim também, do fim da injustiça através do julgamento no Dia do Senhor (1ª leitura) e da parusia (segunda vinda de Cristo no fim dos tempos; evangelho de hoje).

O livro de Ml só contém três capítulos. É o último livro dos 12 profetas menores e o último na sequência cristã do AT. O nome do livro “Malaquias” significa “meu mensageiro/anjo” e foi tirado de 3,1; o NT o aplica a João Batista (cf. Mc 1,2; Mt 11,10; At 13,24s), assim este último livro do AT já introduz o NT em seguida. Mais do que uma pessoa, o nome Malaquias indica uma função: manter o povo unido no serviço do Deus único, na esperança de purificar o templo (3,3.18), na fidelidade à Lei de Moisés.

O livro não traz data, mas a partir do texto podemos deduzir que foi escrito entre 500 e 445 a.C.: o Templo reconstruído em 520-515 já está funcionando, mas ainda não existia a legislação contra os casamentos mistos declarada na reforma de Esdras e Neemias (2,10-16; cf. Esd 9-10; Ne 13,23-31). Também não há distinção clara ainda entre sacerdotes e levitas, como apareceu nos livros mais recentes (Nm 16-17; Esd 2; Ne 7,6-72). Críticas e denúncias e a defesa dos humildes (3,5) indicam que a origem do livro está num grupo de sacerdotes levitas (2,4.8), em oposição aos sacerdotes de Sadoc atuando no Templo (2,1). Este grupo de sacerdotes levitas é portador do núcleo do Deuteronômio (Dt 12-26; cf. 2Rs 23,8s) que contém leis sobre o culto a Javé, a defesa dos pobres, o dízimo, o divórcio. Apelando à conversão, Ml apresenta a certeza do julgamento no “Dia do Senhor” (2,17-3,5; 3,13-21).

A leitura de hoje responde à confusão dos fieis diante da aparente injustiça de Deus que parece favorecer os orgulhos (cf. Sl 73): “É coisa inútil servir a Deus; que vantagem tivemos em observar seus preceitos e em levar uma vida severa na presença do Senhor dos exércitos? Portanto, hoje os felizardos são os soberbos, pois consolidaram-se, praticando o mal, e, mesmo provocando a Deus, estão impunes” (v. 14s)

Eis que virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo. Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas” (vv. 19-20a).

Virá o dia do grande juízo escatológico (como nos vv. 2.17; cf. Am 5,18; Sf 1,14-18; Jl 2,11). Ml expõe a diferença de destinos, com mediana coerência de imagens e por sistema de oposições. Os ímpios serão como palha (como em Sl 1,4; cf. Jó 21,18; Sl 35,5) que será queimada; sobre o fogo no dia de Javé (cf. Is 10,16s; 30,27; Sf 1,18; 3,8; Jr 21,14).

Podemos imaginar um dia em que se acende uma grande fogueira para nela queimar o nocivo e o inútil; depois vem outro dia, amanhece um sol libertador e restaurador; os inocentes podem sair livres e felizes para desfrutar do sol e da liberdade (v. 20b: “pularão como bezerros na pastagem”; os opressores já não são mais que pó (“cinzas”, v. 21) sob os pés daqueles.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1176) comenta: O Dia de Javé foi anunciado por Amós (cf. Am 5,18) e passou por várias etapas de compreensão. Para Amós, o dia de Javé é uma manifestação da ira de Deus contra os governantes de Israel. No tempo do exílio, o Dia de Javé passa a significar o castigo que Deus dará às nações inimigas (cf. Ab 15; Jr 46,10). No pós-exílio, o dia de Javé é o grande julgamento contra quem não observa a Lei. O sol da justiça irá manifesta quem é justo e quem é ímpio (cf. Jl 2,20-18; Jó 21,30; Pr 11,4). Cada um receberá a recompensa que merece.

Chamamos um “sol de justiça” o que abrasa e queima: o contrário do que pretende Malaquias. Nas imagens religiosas do Egito, da Assíria e da Babilônia se apresenta o sol com asas, porque atravessa o ar celeste, é deus ou ministro de justiça, porque tudo vê. O sol da justiça traz “salvação em suas asas”, ou seja, e a cura nos seus raios. Esta significa a consolação e o restabelecimento na integridade; é um dos termos que exprimem a salvação messiânica (Jr 33,6; Is 57,18). “Justiça” implica aqui o poder e vitória (cf. Is 41,1s). O título “sol de justiça”, aplicado a Cristo, influenciou na formação das festas litúrgicas do Natal (cf. Lc 1,78; 2,9.30-32; Jo 8,12) e da Epifania (Mt 2,1-12).

 

2ª Leitura: 2Ts 3,7-12

21ª semana 4ª feira

Leitura: 2Ts 3,6-10.16-18

Nos primeiros dois capítulos, o autor de 2Ts (Paulo ou, mais provável, um discípulo dele) deu uma instrução sobre a parusia (segunda vinda do Cristo) no “dia do Senhor”. No terceiro capítulo trata de duas atitudes resultantes de compreensão errada da parusia.

A Bíblia do Peregrino (p. 2845s) comenta: Uma consequência ilegítima e perigosa, já indicada em 1Ts 4,11, de pensar que a parusia era iminente, consistia na ociosidade, desinteresse e desordem na vida civil. Jeremias exortava os desterrados de Babilônia a trabalhar e a se ocupar aí, até quem chegasse a hora do retorno (Jr 29,1-23), sem dar atenção aos falsos profetas. Paulo aconselha semelhante. Quem diz trabalho para subsistir, diz, por ampliação, compromisso com a conjuntura histórica. A parusia sempre próxima relativiza os valores terrenos, não suspende a condição terrena do homem.

Nós vos ordenamos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo irmão que se comporta de maneira desordenada e contrária à tradição que de nós receberam (v. 6).

A exortação se abre com solenidade (“em nome de nosso Senhor…”), como assunto grave a tratar. A primeira atitude errada, “comportar-se de maneira desordenada” (v. 11; cf. 1Ts 5,14), consiste em desconsiderar a “tradição”, ou seja, as instruções precedentes de Paulo “de viva voz ou por carta” (2,15). Aqui a tradição (no singular) parece ter-se tornado sinônimo de “as tradições” (no plural; 2,15). Trata-se do conjunto do ensinamento de Paulo.

Bem sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço, de dia e de noite, para não sermos pesados a ninguém. Não que não tivéssemos o direito de fazê-lo, mas queríamos apresentar-nos como exemplo a ser imitado. Com efeito, quando estávamos entre vós, demos esta regra: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (vv. 7-10).

“Seguir o nosso exemplo” (vv. 7.9); a Bíblia de Jerusalém traduz “imitar-nos” e comenta (p. 2225): Imitando a Paulo (1Cor 4,16; Gl 4,12; Fl 3,17), os fiéis imitarão a Cristo (1Ts 1,6; Fl 2,5; cf. Mt 16,24; Jo 13,15; 1Pd 2,21; 1Jo 2,6), que o próprio Paulo imita (1Cor 11,1). Finalmente, eles devem imitar a Deus (Ef 5,1; cf. Mt 5,48) e imitar uns aos outros (1Ts 1,7; 2,14; Hb 6,12). Na base desta comunidade de vida, existe o “modelo” da doutrina (Rm 6,17) recebido pela “tradição” (v. 6; 1Cor 11,2; 1Ts 2,13). Os chefes responsáveis que a transmitem devem ser, por sua vez, “exemplos” (v. 9; Fl 3,17; 4,8.9; 1Tm 1,16; 4,12; Tt 2,7; 1Pd 5,3), dos quais se devem imitar a fé e a vida (Hb 13,7).

O trabalho é maldição em Gn 3,30-34 e destino sereno em Sl 104,15.23. Inúmeros provérbios criticam a ociosidade (Pr 26,13-16 etc.). Na sociedade greco-romana, os senhores desfrutavam do ócio, enquanto aos escravos era negado o ócio (daí o termo: “neg-ócio”). O Filho de Deus, porém, não viveu no ócio, mas trabalhou com as próprias mãos como carpinteiro na construção civil, dando a ética do trabalho seu maior valor. Seus conterrâneos, porém, achavam isso incompatível com o conceito de messias (Mc 6,3). Sobre os direitos do missionário e a prática de Paulo, cf. 1Cor 9,4.6; 1Ts 2,9; At 18,3; 20,33s etc..

Contra o mal-entendido da vinda iminente de Cristo, o autor argumenta: Se a parusia nos exime do trabalho, também nos exime de comer. “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (v. 10); esta regra visa apenas à recusa de trabalhar, provém talvez de uma palavra de Jesus, ou simplesmente de uma máxima popular. É a “regra de ouro do trabalho cristão”.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1452) comenta: Trabalhar evangelizando e evangelizar trabalhando: era a prática missionária de Paulo, que apresenta essa opção radical como exemplo para as comunidades, ao exigir que trabalhem (At 18,3; 20,34; Ef 4,28). Dirige-se a uma comunidade de pessoas marginalizadas, em meio a uma sociedade escravista. Como o trabalho era considerado atividade de escravos, Paulo apresenta aqui diversas motivações, ampliando o texto de 1Ts 4,11-12. Não se trata de uma novidade para os tessalonicenses, pois o Apóstolo ensina isso como tradição (v. 6), portanto, como ponto de partida para a vida cristã. Trabalhar é também um exemplo a ser imitado (vv. 7.9), é condição para assegurar o sustento da vida (vv. 8.10), é garantia de nova ordem social (vv. 6.7.11) e certeza de paz social (v. 12). Em consequência, trabalhar é condição para pertencer à comunidade (vv. 6.8.14). O contrário é a desordem (vv. 6.7.11). Quer dizer, quem como cidadão livre defende o ócio, contraria a ordem de trabalhar e vive sem honra.

Ora, ouvimos dizer que entre vós há alguns que vivem à toa, muito ocupados em não fazer nada. Em nome do Senhor Jesus Cristo, ordenamos e exortamos a estas pessoas que, trabalhando, comam na tranquilidade o seu próprio pão (vv. 11-12).

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, n.º 312, p. 37s) comenta: Porque esperamos de Deus a intervenção final e decisiva na história para estabelecer o seu reinado, não vamos ficar omissos, deixar-nos vencer pela preguiça, desistindo da busca por outra Igreja possível e por outro mundo possível.

Da mesma forma que rezamos no Pai-nosso “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, mas não deixamos de ir à luta pelo pão, assim também, porque pedimos que sua vontade aconteça “na terra como no céu”, não vamos abandonar a luta pela construção da nova sociedade, diferente da que aí está, de outro mundo, que comece a realizar no presente o que esperamos para o futuro.

Na última ceia, Jesus estava para ser preso e condenado à mais humilhante das mortes. Sabia que iria ficar sozinho. Mesmo assim, ao passar o pão para que cada qual tirasse seu pedaço, disse: “É o meu corpo, sou eu, que me entrego por vocês”. Na missa, lembramos o que ele fez, mandando-nos fazer o mesmo. Aí está a resistência que salva.

 

Evangelho: Lc 21,5-19

Ouvimos o início do discurso “escatológico”, ou seja, “doutrina sobre as últimas coisas” (vida após a morte, fim do mundo, juízo final). Lc se serve de duas fontes: de Mc e de Q (uma coleção de palavras de Jesus, perdida como tal na história, mas preservada em partes dentro de Lc e Mt). Lc inseriu a escatologia de Q já durante a viagem de Jesus a Jerusalém (17,22-37) e copiou o discurso final de Jesus de Mc 13 em Lc 21, enquanto Mt reuniu as duas fontes num único discurso (Mt 24-25). Em 17,22-37, Lc, utilizando uma das suas fontes (Q), já se referiu à parusia, ou seja, a “vinda” gloriosa de Jesus no fim dos tempos. Aqui, como Mc e a outra fonte, Lc trata da ruína de Jerusalém (cf. 19,44), mas sem confundi-la com o fim do mundo (mesclado em Mt 24-25).

Algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: ”Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (vv. 5-6).

Um salmo canta a beleza do monte Sião, onde se ergue o templo salomônico (Sl 48). Depois da destruição pelos babilônios (586 a.C.), os profetas Ageu e Zacarias ocupam-se com a reconstrução por ação de Zorobabel (520 a.C.). Na época de Jesus, durante 46 anos (Jo 2,20) o templo foi reformado em grande estilo por Herodes, de cuja magnificência restam mostras ou vestígios até hoje (por ex. o muro das lamentações).

Em Mc 13,1-3, Jesus saiu do templo e sentou-se no monte das oliveiras falando a Pedro, Andre, Tiago e João. Mas Lc 21,5-7 omite estes detalhes dando impressão de que Jesus continua no templo falando à multidão. Para Lc, o anúncio apocalíptico é público, nada de segredos esotéricos. Lc destaca mais a beleza do templo, lugar central do seu evangelho que inicia e encerra no templo (Lc 1,8; 24,53) “enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas.” No entanto, “dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”.

O mesmo aconteceu já no ano 586 a.C. “O Senhor repudiou seu altar, desfez seu santuário… estendeu o prumo e não retirou a mão que derrubava” (Lm 2,5-9; cf. Sl 74). Não deixar pedra sobre pedra é fórmula estereotipada. Em Lc 19,41-44, o choro de Jesus, quando viu a cidade, já anunciou a guerra e a destruição pelos romanos que aconteceria em 70 d.C.

Mas eles perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu! – e ainda: O tempo está próximo. – Não sigais essa gente! (vv. 7-8).

A pergunta sobre o sinal para saber quando chegará o fim, se refere à destruição do templo; a resposta afasta o horizonte até o tempo da Igreja, advertindo sobre seduções de impostores, abusando do título de messias-Cristo (“sou eu”). “O tempo está próximo” (ou “chega a hora”, “chegou o momento”); Ezequiel martela este tema de forma obsessiva (Ez 7,12; cf. Dn 7,22).

A Bíblia do Peregrino (p. 2526) comenta: Em tempo de crise surgem os exaltados e os astutos se aproveitam, como os falsos profetas (cf. Dt 13,2-6) e pretendentes de messias, p. ex. os casos de Teudas e Judas, referidos por Lucas (At 5,36-37).

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, n.º 312, p. 37s) comenta: Na Galileia, grupos de pequenos proprietários, em consequência da exploração exercida pelo império romano e das altas taxas de juros cobradas pelos judeus ricos, perderam tudo o que possuíam e passaram a formar quadrilhas de assaltantes, então chamados de lestês, bandidos. Chegavam a assaltar uma caravana romana e depois repartir os alimentos nas aldeias, pois o povo morria de fome. No ano 66 (36 anos depois da morte de Jesus), eles entraram em Jerusalém, queimaram os documentos de suas dívidas, que lá estavam, e dominaram a cidade. Foi a grande revolta.

Seus líderes passaram, logo em seguida, a competir entre si, cada qual reivindicando o título de Messias, pretendendo ser a realização das esperanças de todo o povo. Cada um dizia: “O Messias, o salvador da pátria, sou eu!”, “chegou a hora!”. O Evangelho aconselha os discípulos de Jesus a não acreditar nisso nem se apavorar com a guerra em curso.

Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim.” E Jesus continuou: “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu” (vv. 9-11).

Enquanto Mc visou aqui o fim do mundo (cf. Mc 13,10), Lc parece pensar apenas no fim do templo (70 d.C.) que já aconteceu dez anos antes da redação do seu evangelho. “Guerras e revoluções” (como as revoltas em Roma entre 68-70 e o início da guerra judaica em 66 d.C.), “povo contra povo” (cf. Is 19,2; 2Cr 15,6), “terremotos, fomes” (cf. Is 14,30; Zc 14,4s; Ap 6,1-17) e – Lc acrescenta: “pestes”, “coisas (fenômenos) pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu”, talvez Lc esteja pensando na erupção vulcânica do Vesúvio na Itália em 79 d.C. que criou uma nuvem gigantesca de brasa e cinza e enterrou as cidades Pompeia e Herculano? Ou usa sinais genéricos: fome, peste e espada são quase tópicos (Is 19,2-3; Jr 21,9-10)?

Mas apesar de tudo isso, “não fiqueis apavorados, … não será logo o fim” (cf. 2Ts 2,2). Em tempo de crise, que não se deixem vencer pelo pânico (Jr 30,10). O aviso precedente deverá ressoar em cada situação semelhante.

Antes que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé (vv. 12-13).

Segundo os Atos, os apóstolos Pedro, João, Tiago e Paulo em particular (Fl 1,12s), compareceram diante de tribunais religiosas e civis, deram testemunho de Jesus e anunciaram o evangelho diante deles; o diácono Estêvão (At 7) e o apóstolo Tiago (At 12,2) foram os primeiros mártires que morreram pela fé em Cristo. Ora, o que é história para Lucas se converte aqui em anúncio e exortação para os sucessores que lerem seu evangelho.

É a fase final que interessa aos ouvintes (v. 7), mas Jesus avisa que será precedida por um período histórico de testemunho da fé no meio das perseguições. Como o Cristo tinha que sofrer para entrar em sua glória (24,26), também os discípulos devem atravessar gloriosamente essa prova. Em At 25,13-26,32, Lc narra um destes testemunhos “diante de reis e governadores”: Paulo diante do rei Agripa e sua esposa Berenice na prisão do governador Festo em Cesareia.

Testemunhar é a função essencial dos doze apóstolos (Lc 24,28; At 1,8.22; 2.32; 3.15; 4.33; 5.32; 10.39; 13,31), de Estevão e de Paulo (22,15.20; 26,16; cf. 18,5; 20,21; 22,18; 23,11; 26,22; 28,23). Ele consiste em proclamar a ressurreição de Cristo e seu senhorio. A palavra grega martírion, traduzida por “testemunho”, toma nas gerações seguintes o sentido de “martírio” (ser morto por causa da sua fé).

Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa; porque eu vos darei palavras tão acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater (vv. 14-15).

Não havia advogados defendendo o réu em processos judiciais da época, mas peritos jurídicos podiam aconselhá-lo. Jesus promete sua assistência (cf. Jo 14,18-21). Nos paralelos em Lc 12,11s; Mt 10,19s; Mc 13,11s, esta assistência é atribuída ao Espírito Santo (cf. At 6,10 e o Espírito paráclito em Jo 14,17.29; 15,26s; 16,8-11; paráclito significa consolador, defensor, advogado). Lc queria reservar aqui o anúncio do Espírito para o dia de Pentecostes (24,46; At 1,4-8; 2) ou relacionar estas palavras à paixão próxima de Jesus (caps. 22-23)?

A Bíblia do Peregrino (p. 2526) comenta: Equivale a um carisma de uma sabedoria superior: “Observando a ousadia de Pedro e João, e constatando que eram homens simples e iletrados, admiravam-se…” (At 4,13; 6,10; cf. Jó 32,13); como Moisés ou Salomão: “Vê, eu estarei em tua boca e te ensinarei o que terás de dizer” (Ex 4,11; 1Rs 5,14).

Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. Todos vos odiarão por causa do meu nome (vv. 16-17).

Até os próprios “parentes e amigos” podem tornar-se adversários (v. 16; cf. a traição dos parentes em Mq 7,6; Jr 12,6; Jó 6,15). O “ódio do mundo” (cf. Jo 15,18-19) é herança da origem judaica (os judeus eram odiados pelos outros povos por sua negação dos outros deuses).

Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida! (vv. 18-19)

As testemunhas de Jesus “não perderão um só fio de cabelo” (cf. Lc 12,7; Mt 10,30, expressão proverbial, cf. 1Sm 14,45). Os Atos registram episódios de libertação milagrosa (At 5,19s; 12,6-11; 16,25s).

Do anúncio passa à exortação, que vale para os cristãos de qualquer época: “Ireis ganhar a vida pela perseverança” (21,19; cf. 8,15). A constância/perseverança é virtude capital. Este termo, próprio de Lc e familiar a Paulo (1Ts 1,3; 2Cor 1,6; 6,4; 12,12; Rm 2,7; 5,3s; 8,25; 15,4s; Cl 1,11), designa a resistência aos perigos que ameaçam a palavra.

O site da CNBB comenta: Não podemos pôr na realidade material o sentido final da nossa vida e a causa da nossa felicidade, pois o mundo material é transitório e só encontra o seu verdadeiro sentido enquanto é relacionado com o definitivo, ou seja, o mundo espiritual, e contribui para que a pessoa encontre nos valores que não são transitórios a causa da sua vida e da sua felicidade. Assim, devemos ser capazes de submeter os valores transitórios aos valores definitivos, pois somente eles podem nos garantir a nossa plena realização.

Ganhar a vida eterna significa ser capaz de lutar no dia a dia pelos valores que a caracterizam. Mas os valores que caracterizam a vida eterna são completamente diferentes dos valores que caracterizam a nossa sociedade de hoje, sendo que a consequência dessa diferença é o conflito, que é seguido da perseguição, do ódio e, muitas vezes, da morte. Mas quem de fato acredita na vida eterna e a deseja ardentemente para si assume o projeto de Deus e os valores do Reino dos céus e luta constantemente por eles, não temendo a perseguição e desafiando até mesmo a morte, porque sabe que nada o separará da vida e vida em abundância.

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