13 de Novembro de 2018, Terça-feira: Os mais velhos sejam sóbrios, ponderados, prudentes, fortes na fé, na caridade, na paciência (v. 2).

Leitura: Tt 2,1-8.11-14

Continuamos ouvir a carta Pastoral a Tito a quem Paulo deixou com bispo na ilha de Creta. Tito deve organizar a comunidade em Creta, instituir presbíteros, a fim de que exortem à “sã doutrina” e refutem todos os que a contradizem (cap. 1; cf. leitura de ontem). O centro da carta é esta “sã doutrina” (vv. 1.8), isto é, a vontade salvadora de Deus e a salvação gratuita trazida por Cristo (cf. vv. 11-14).

Antes a leitura de hoje apresenta recomendações as diversas categorias da família e da comunidade (vv. 1-8; cf. 1Tm 5,1-2). Estes conselhos são séries mais ou menos conhecidas. A família constitui, desde sempre, a base da sociedade. A referência segue o modelo patriarcal romano, aqui revisado pela novidade do amor cristão (com a reciprocidade: amar ao próximo “como a si mesmo”, cf. Mt 7,12p; Mc 12,31p; Rm 13,9; Gl 5,14; 6,2; Ef 5,12-6,9; Cl 3,18-4,1).

Aos anciãos, recomenda saúde na fé, no amor e na perseverança (2Ts 1,3-4; 1Tm 6,11). Às anciãs, que sejam mestras do bem. Às jovens, que amem aos maridos. Aos jovens, que tenham juízo. Por fim, uma recomendação especial aos servos (“escravos”; cf. Ef 6,5-8; Cl 3,22-25), sem a correspondente aos patrões (vv. 9-10, omitidos pela liturgia). O autor atribui valor apologético à boa conduta diante de pagãos hostis ou benévolos. A “temperança”, virtude grega cardeal, é mencionada quatro vezes na seção.

O teu ensino, porém, seja conforme à sã doutrina (v. 1).

As cartas Pastorais (1 e 2Tm; Tt) retoma sempre o tema da “sã doutrina” (Tt 1,9.13; 2,1.8; 1Tm 1,10; 6,3; 2Tm 1,2; 4,3). É a tradição apostólica com todas as qualidades de saúde e em relação com a conduta moral (cf. Rm 2,1s; Fl 4,8s). Aqui resulta que a “sã doutrina” consiste em normas de conduta para várias categorias: anciãos e jovens de ambos os sexos, escravos.

Muitos exegetas consideram estas cartas Pastorais (1 e 2Tm; Tt) escritas por uma redação posterior ao apóstolo Paulo, porque refletem uma organização mais desenvolvida e preocupações diferentes das cartas antigas do apóstolo Paulo. A palavra “sã” (doutrina) indica que se quer evitar excessos e viver com “equilíbrio” (v. 12) e “sobriedade” (cf. 1,7; 2,1.4). Com espírito revolucionário, o apóstolo Paulo enfatizou a liberdade, fraternidade e igualdade dos sexos, classes sociais, raças e nações (cf. Gl 3,25-28). Mas na segunda e terceira geração cristã (cf. 2Tm 1,5) predomina certa preocupação com a integração (inculturação) na sociedade greco-romana. Recomenda-se ser um exemplo bom e não motivo de rejeição e perseguição: “para que a palavra de Deus não seja difamada” (v. 5); “para que os adversários se confundam, não tendo nada de mal para dizer de nós” (v. 8).

Os mais velhos sejam sóbrios, ponderados, prudentes, fortes na fé, na caridade, na paciência (v. 2).

A categoria dos “mais velhos” (lit. anciãos) se refere aqui à idade, opostos aos homens jovens (1Tm 5,1-2; cf. Sl 148,12; Jl 3,1), não aos “anciãos” (presbíteros, 1,5) como liderança da comunidade. Paulo indica as obrigações das diversas categorias de pessoas. Não se conclua daí que haja uma moral particular para os idosos, e outra, para os jovens. O Evangelho é um só, vivido por cada qual conforme seu estado e condição.

A tríade fé, esperança e amor consta nas cartas do apóstolo Paulo (1Ts 1,3; 5,8; 1Cor 13,7.13; Rm 5,1-5; cf. Cl 1,4s). Em cartas posteriores, como em 2Ts 1,3-4 e 1Tm 6,11, a esperança, pode ser substituída pela “paciência” (perseverança), que é um de seus aspectos.

Assim também as mulheres idosas observem uma conduta santa, não sejam caluniadoras nem escravas do vinho, mas mestras do bem. Saibam ensinar as jovens a amarem seus maridos, a cuidarem dos filhos, a serem prudentes, castas, boas donas-de-casa, dóceis para os maridos, bondosas, para que a palavra de Deus não seja difamada (vv. 3-5).

Pede-se às anciãs que sejam “boas mestras”. Enquanto Paulo ainda permitiu as profecias das mulheres na assembleia (1Cor 11,2-14), a carta pastoral 1Tm 2,12 proibia às mulheres ensinar (nas reuniões litúrgicas); mas recorde-se o precedente da avó e da mãe de Timóteo (2Tm 1,5). Pela terceira vez (cf. 1,7; 2,1) alerta-se contra o perigo da bebida, que pelo visto ameaçava anciãos, anciãs e também candidatos a postos de ministério eclesial. Note-se a importância atribuída à vida familiar e às obrigações cumpridas no lar (“boas donas de casa”). A comunidade primitiva compraz-se em salientar as conversões e os batismos de famílias inteiras (At 10,44; 11,14; 16,15.31; 18,8; 1Cor 1,16). O lar cristão é um início de Igreja (igreja doméstica).

É curioso que chegue diretamente aos jovens e às jovens só através das anciãs. As jovens devem ser submissas e “amar” os maridos (cf. com o ideal da “mulher laboriosa” de Pr 31).

Exorta igualmente os jovens a serem moderados e mostra-te em tudo exemplo de boas obras, de integridade na doutrina, de ponderação, de palavra sã e irrepreensível, para que os adversários se confundam, não tendo nada de mal para dizer de nós (vv. 6-8).

Este conselho de “serem moderados”, visando aqui aos jovens, é, noutros lugares do NT, dirigido a todos (vv. 5.12; 1Tm 2,9.15; 3,2). “Em tudo” pode referir-se tanto ao fim do v. 6 (moderação), como ao início do v. 7 (exemplo de boas obras). Os vv. 9-10 sobre a conduta dos escravos, “honrando, em tudo, a doutrina de Deus nosso salvador”, foram omitidos pela nossa liturgia.

Pois a graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. Ele se entregou por nós, para nos resgatar de toda a maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem (vv. 11-14).

Segue-se a primeira síntese doutrinal da carta. Novamente (cf. 1,1-3; aqui vv. 11-14 e 3,4-7) lemos duas exposições bastantes sintéticas da obra da salvação, dos seus efeitos e exigências. A liturgia do Natal utiliza estas duas passagens.

 

Um dos títulos clássicos de Javé Deus no AT é hanum (clemente, misericordioso), que dá seu favor, que concede graça (Ex 34,6; Jl 2,13; Jn 4,2; Sl 86,15; 103,8; Ne 9,17). Agora a “graça” ou favor de Deus “se manifestou” na encarnação do Filho para a salvação de “todos os homens” (1Tm 2,4; cf. Jo 3,16s), na morte de Cristo como “resgate” (“salvação”, cf. Sl 130,8; 1Pd 1,18a) e no anúncio da parusia (volta de Cristo) que funda a “esperança feliz” (este termo, aqui, designa o objeto da esperança cristã) e será “manifestação da gloria”. Assim as duas epifanias (manifestações divinas) delimitam todo o arco da salvação.

A “graça”, eficaz misericórdia de Deus (Ex 34,6; Os 3,21; 1Cor 1,4 etc.), a sua “bondade e amor” (3,4) pelos homens, “manifestou-se” (v. 11) prenunciando aquela “manifestação” a que se referem o v. 13 e 1Tm 6,14.  Este termo é usado pelas cartas Pastorais, de preferência à “vinda” ou “revelação” nas cartas antigas (1Cor 1,7; 15,23 etc.), para designar a manifestação de Cristo, seja no seu triunfo na volta (parusia; v. 13; 2Tm 4,1.18; cf. Hb 9,28), seja na sua obra redentora (vv. 11.3,4; 2Tm 1,10).

Ao contrário das cartas antigas de Paulo (cf. Rm 1,16s; Gl 2,15-21 etc.), aqui não se fala da resposta humana da “fé” (que está implicada ao enunciar o texto), mas se detém logo nas consequências éticas para a conduta: afastar-se do mal, praticar o bem: “a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade”. Duas das três qualidades recomendadas fazem parte do quarteto das virtudes cardeais: “equilíbrio” (temperança) e “justiça” (as outras duas seriam prudência e fortaleza). Ao aceitar a graça, os cristãos passam a viver estes valores condizentes. A vida cristã se volta, então, para a realização do projeto de Deus na terra, aguardando, na esperança, sua manifestação definitiva na glória.

A graça oferecida por Deus se realizou em Jesus Cristo, a quem os primeiros cristãos já reconhecem como “Deus e Salvador” (v. 13; há quem traduza: “de nosso grande Deus e de nosso Salvador Jesus Cristo”). Parece ser uma clara afirmação da divindade de Cristo (cf. Rm 9,5; Hb 13,21; Jo 10,30; 20,28); como já indica a atribuição do título “Senhor” com o qual o AT grego traduz o nome divino Javé; Ex 3,14; Fl 2,9-11; Ef 1,20-22; Hb 1,3s; Jo 20,28); o “Salvador” é cognominado também o “grande Deus” (cf. 1Tm 1,1.).

 

Evangelho: Lc 17,7-10

Depois da sentença sobre a fé (vv. 5s), talvez o evangelista tenha pensado sobre o pensamento judaico, especialmente dos fariseus (cf. 18,9-14) que esperam recompensa e retribuição por suas obras. Mas Jesus se dirige ainda aos discípulos (v. 1). Será que na comunidade de Lc já se instalou um pensamento classista entres os líderes?

Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: “Vem depressa para a mesa?” Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: “Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?” (vv. 7-8).

A pergunta é retórica (cf. 11,5.11p; 12,25p; 14,28; 15,4). A resposta reconhece a dureza da sociedade antiga. Comparamos com essa regra humana o paradoxo evangélico: Se o Senhor Jesus é aquele que serve aos empregados (12,37; 22,27; Jo 13,1-16), como é que seu discípulo vai exigir alguma coisa; o serviço no reino é gratuidade.

Será que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (vv. 9-10).

“Servos inúteis” (lit. “bons para nada”; cf. Mt 25,30), esse qualificativo parece inadequado ao contexto, no qual o servo, apesar de tudo, é útil, mas aplica-se perfeitamente aos discípulos: ninguém é indispensável para o serviço do Senhor.

A Bíblia do Peregrino (p. 2513) comenta: A parábola, com toda dureza da cena descrita, vem sublinhar a relação de serviço do discípulo. Não se pode alegar direitos nem exigir remuneração. O que lhe compete é simplesmente estar sempre a serviço de Jesus, com a humildade de que reconhece a desproporção entre sua prestação e a tarefa encomendada.

A parábola não desmente nossa relação filial com Deus que é nosso Pai (11,2p; Mt 5,48) nem o salário da graça (cf. Mt 20,1-16), mas recomenda aos discípulos uma atitude da humildade.

O site da CNBB comenta: Somos todos servos inúteis. Deus não precisa de nós, uma vez que ele pode, por si só, realizar todas as coisas. Mas Deus quis contar conosco, com a nossa colaboração, e isso não em vista da pessoa dele, mas sim em vista do nosso próprio bem, uma vez que, quando colaboramos com a obra da salvação da humanidade, estamos de fato participando de uma obra que não é humana, mas divina, o que se torna para nós causa de santificação e caminho de perfeição. O amor de Deus por nós é tão grande que faz da nossa inutilidade fonte de santificação e de vida nova, não só para nós mesmos, mas também para toda a Igreja, para todas as pessoas.

 

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