13 de setembro de 2017 – Quarta-feira, 23ª semana

Leitura: Cl 3,1-4

Na leitura de hoje, Paulo (ou um discípulo dele, que escreveu em nome de Paulo) não despreza as realidades terrestres, mas introduz a perspectiva da ressurreição que glorifica o corpo e toda matéria.

Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória (vv. 1-4).

O autor da carta frisa mais uma vez que a salvação já aconteceu pela obra de Cristo (cf. 2,12s; Ef 2,6) e não vem pelos elementos deste mundo (cf. 2,16-23), porque já fomos ressuscitados com Cristo, já estamos mortos para o pecado, mas esta verdade expressa pelo sacramento do batismo (cf. Rm 6,2-11) ainda está “escondida” e precisa ser vivida no dia a dia.

“Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto” significa procurar a vida nova revelada em Jesus Cristo, em oposição ao mundo antigo. Isto se apoia na citação de Sl 110,1: “Senta-te à minha direita” (cf. Mc 12,35-37p; 14,62p; At 2,33s; Rm 8,34; 1Cor 15,25; Ef 1,20; Hb 3,1.13; 8,1; 10,12; 12,2; 1Pd 3,22).

O mistério da união com Cristo glorificado se projeta nas coordenadas imaginativas de espaço e tempo: terrestre e celeste, presente e futuro. Cristo glorificado vive em nós, “vossa vida” (v. 4), e nós por ele. Como Cristo está agora escondido, invisível, embora possa ser experimentado (2Cor 13,5), também nossa vida com ele “está escondida” (v. 3). Quando ele se “manifestar na glória” da parusia (sua volta nas nuvens; cf. 1Ts 1,10; 4,16s), também se manifestará nossa vida glorificada. Nesta carta é a única referência à esperança da vinda futura de Cristo, no entanto mostra que esta expectativa continua fazendo parte da fé cristã embora não tenha mais a ênfase que recebeu nas cartas genuínas de Paulo.

Portanto, fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria. Tais coisas provocam a ira de Deus contra os que lhe resistem. Antigamente vós estáveis enredados por estas coisas e vos deixastes dominar por elas. Agora, porém, abandonai tudo isso: ira, irritação, maldade, blasfêmia, palavras indecentes, que saem dos vossos lábios. Não mintais uns aos outros. Já vos despojastes do homem velho e da sua maneira de agir e vos revestistes do homem novo, que se renova segundo a imagem do seu Criador, em ordem ao conhecimento (vv. 5-10).

A vida antes e depois do batismo é caracterizada: “antigamente” e “agora” (vv. 7-8; cf. 1,21s), “homem velho” e “homem novo” (vv. 9-10). Como já expressou a renúncia no rito do batismo, as paixões desordenadas, palavras falsas e indecentes, ira e a “cobiça que é idolatria” devem ser abandonadas, mortificadas (“fazei morrer”), purificadas. É a mesma lista de vícios de 1Ts 4,3-8, mas com a dição de idolatria.

Agora saindo da água do batismo, somos vestidos de Cristo, do homem novo e devemos levar uma vida nova. A obra de morte e ressurreição, operada pelo batismo de maneira instantânea e absoluta no plano místico da união com Cristo celestial (cf. 2,12s.20; 3,1-4; Rm 6,4), deve realizar-se de modo lento e progressivo no plano terrestre do velho mundo em que o cristão permanece mergulhado. Já morto em princípio, deve ele morrer de fato, “mortificando” dia a dia o “homem velho” do pecado que nele vive.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2297) comenta: A expressão “homem novo” (cf. Ef 2,15; 4,24) traduz a transformação radical da existência, significada pelo batismo. O AT (Antigo Testamento) anuncia a renovação do homem sob a influência do Espírito, que lhe dá um ”coração novo”, capaz de conhecer a Deus (Ez 36,26-27; cf. Sl 51,12). Por meio de uma nova criação realizada em Cristo, “o segundo Adão” (1Cor 15,45) e “imagem de Deus” (Gn 1,27; Cl 1,15), o homem é conduzido à sua humanidade verdadeira: ele é “criado segundo Deus na justiça na santidade” (Ef 4,24) e se encaminha, pela obediência, ao verdadeiro conhecimento (Cl 3,10; cf. Gn 2,17).

Ai não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos (v. 11).

O homem novo tem um caráter ao mesmo tempo coletivo (a Igreja) e pessoal (o batizado). Ele constitui a humanidade nova (Adão em hebraico significa simplesmente “homem, ser humano”) para além das velhas pertenças e distinções de raça, religião, cultura, classe social, porque “Cristo é tudo para todos” (1Cor 15,28 atribui isso a Deus).

 

Evangelho: Lc 6,20-26

No evangelho de hoje, como não houve mudança de lugar, o autor parece ater-se à notícia que acabou de dar: “Jesus desceu da montanha com eles e parou num lugar plano” (v. 17; cf. evangelho de ontem). Segue-se o início de um sermão que em Mt é chamado “sermão da montanha” (Mt 5-7), em Lc, porém, é o “sermão da planície” (6,17.20-49). O discurso inteiro de Lc se divide em três partes: as bem-aventuranças e mal-aventuranças (vv. 20-26, evangelho de hoje), o preceito do amor (vv. 27-38, evangelho de amanhã), parábolas e comparações (vv. 39-49, evangelhos dos dias seguintes).

Jesus levantando os olhos para os seus discípulos, disse: (v. 20a).

Em Lc, Jesus dirige essa primeira parte do sermão “aos discípulos”, enquanto em Mt, o povo é o destinatário (cf. Mt 5,1 e 7,28).

Para este sermão, Mt e Lc usam a mesma fonte, uma coleção de palavras de Jesus, chamada Q (que não se preservou como tal; foi absorvida por Mt e Lc). Em Lc, este sermão é mais curto e simples, porque? Ou Lc eliminou da fonte comum o que era demais judaico, ou, mais provável, Mt acrescentou outras coisas que eram do interesse dos seus leitores judeu-cristãos (a interpretação da lei de Moisés, etc.).

Ambos os evangelistas iniciam o sermão com as bem-aventuranças. Mas a proclamação programática de Lc distingue-se marcadamente daquela de Mt. Pela composição: divide-se em duas estrofes paralelas e antitéticas, que correspondem a dois gêneros literários (felicitações, ais). Cada estrofe articula-se em três peças concisas e um desenvolvimento. Pelo conteúdo: as três equivalem a variações ou mostram aspectos da mesma realidade. Não há atitudes positivas (como beneficência, trabalho pela paz, misericórdia; cf. Mt 5,3-9). A pobreza não é qualificada pela interioridade (como em Mt: “em espírito”). Talvez a versão de Lucas esteja mais próxima da forma original na fonte Q.

Os dois gêneros literários estão bem estabelecidos no AT (Antigo Testamento). A bem-aventurança (felicitação, parabéns) é frequente sobretudo nos salmos e demais livros sapiências.

O AT às vezes expressava felicitações como essas falando de piedade, de sabedoria e de prosperidade (Sl 1,1-2; 33,12; 127,5-6; Pr 3,3; Eclo 31,8; etc). No espírito dos profetas, Jesus lembra que também os pobres participam das suas bênçãos: as três primeiras bem-aventuranças declaram que pessoas comumente tidas como infelizes e amaldiçoadas são felizes, estão aptas para receber a benção do reino. As outras bem-aventuranças em Mt se referem mais à atitude moral do ser humano, não só à condição social (física e psíquica) como em Lc. Outras bem aventuranças se encontram em Lc 1,45; 10,23; 11,27-28; cf. Mt 11,6; 13,16; 16,17; 24,46; Ap 1,3; 14,13; etc.)

A mal-aventurança (“Ai”) é profética (ou fúnebre). Lêem-se séries de ais em Is 5,8-23; Hab 3,6-19; Eclo 2,12-14; Mt 23; Lc 11,43-52; como outros gêneros literários formam-se as séries contrapostas de bênçãos e maldições de Dt 27-28.

Em Lc, Jesus une-as num díptico (peça de arte em duas partes) de felicidade e infelicidade, bem e mal do homem. É uma revelação escatalógica que abre caminho pelo paradoxo (não fruto de uma árvore proibida), é um anúncio que confronta e divide a humanidade (cf. Lc 16,19-31), introduz e difunde o reinado de Deus na história humana. Mt e Lc coincidem em acrescentar suas próprias motivações, “porque, vede, pois”; isso parece deslocar a ventura da situação para suas consequências, que se resumem no “reinado de Deus”.

“Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir! (vv. 20b-21).

Em Mt, Jesus usa a terceira pessoa (“os”), em Lc apostrofa o auditório: “vós”.

Mt apresenta oito ou nove bem-aventuranças (se incluir Mt 5,11s, pode ser uma alusão às dez palavras do decálogo) como caminho de vida ética e espiritual (Mt 5,3: pobres “em espírito”) com promessas de recompensa celeste. Lc conhece apenas quatro bem-aventuranças preservando mais a versão original (Q) que é social, a mudança de situações entre esta e a futura (cf. 16,25). Os pobres (Dt 15,1-11; Is 29,10; Sl 74,21 1Sm 2,8 e Lc 1,52-53) são também os famintos (Is 32,6s; 58,6s.9s; Ez 18,7.16; Jó 22,7; 24,4-11; Tb 1,17; 4,16; Eclo 4,2; Sl 107,9; Jl 2,26) e os aflitos que choram (Is 25,8; 30,19; Sl 56,9; 126; 137,1). Mas no Reino de Deus, não haverá mais fome nem tristeza (cf. Ap 21,3-4; Is 25,6.8; 35,10; 49,10.13; 65,19; Ez 34,29). A profecia de Is 61,1 (lida por Jesus na sinagoga de Nazaré, cf. 4,18) cumpre-se aqui: o messias anuncia a Boa Nova (evangelho) aos pobres.

Bem-aventurados, sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem! Alegrai-vos, nesse dia, e exultai pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas (vv. 22-23).

A quarta categoria dos bem-aventurados são os perseguidos por causa de Jesus Cristo (com “alegrai-vos”, vv. 22s; cf. Mt 5,11s). No AT, os profetas foram perseguidos por cumprirem sua missão (11,47s.49ss; At 7,52; 1Ts 2,15; Rm 11,3; Hb 11,32-40; 2Cr 36,16): desde Elias por Jezabel (1Rs 19) até a figura exemplar de Jeremias, passando por Amós (Am 7). O judaísmo acrescentou ainda o martírio de Isaías e outros em livros apócrifos. Esta quarta bem-aventurança reflete as perseguições dos discípulos de Jesus que foram expulsos da sinagoga (cf. Jo 9,22; 12,42; 16,2).

A perseguição “por causa do Filho do Homem” (por Jesus e seu evangelho) é uma constante da Igreja desde a época dos Atos dos Apóstolos e tem lugar importante no Apocalipse (cf. 1Pd 4,14). Paulo alegra-se nas perseguições porque provam a autenticidade do Evangelho (cf. 2Cor 7,4; 12,10; Fl 1,18; 2,17; cf. Cl 1,24; At 5,41; 14,22 etc.). Ainda hoje, muitos cristãos estão sendo perseguidos por causa da sua fé em vários países (p. ex. muçulmanos ou comunistas) e, às vezes, discriminados, ofendidos ou ridicularizados por ideologias laicas. Mas os fiéis podem contar com recompensa grande da parte de Deus (cf. Mc 8,35p; 9,41p; Lc 12,8-9p; Mt 19,28).

Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas (vv. 24-26).

Entre os discípulos históricos não havia muitos ricos (cf. 1Cor 1,26), por isso surpreende que, em Lc, Jesus se dirige aqui com “vós”. Podemos imaginar ricos entre o povo que escutava também este sermão (vv. 17-19.27), e, com certeza, dentre da comunidade de Lc (cf. umas mulheres em 8,3; as admoestações em 12,13-21; 16,19-31; a inserção de Zaqueu em 19,1-10; a descrição de Barnabé em At 4,36s).

Lc é sensível à justiça social, pode ser que ele mesmo tenha acrescentado os quatro ais como apelo à conversão (cf. Lc 12,13-21; 16,19-31; At 2,45 etc.). Outra opinião vê as mal-aventuranças já presente na fonte Q, então precisa explicar por qual motivo Mt as teria eliminado: talvez quisesse apresentar um retrato positivo do discípulo (como do próprio Jesus) através das bem-aventuranças ampliadas. Talvez Mt não quisesse apresentar uma série de “dez palavras” (aludindo a Moisés e aos dez mandamentos “na montanha”; cf. Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4) em vez de duas partes opostas. O refrão em Mt 6,2.5.16 (“Eles já receberam sua recompensa”) lembraria ainda dos ais em Lc 6,24s).

O modelo para estes ais são os anúncios proféticos de desgraça no AT (cf. Am 5,18; 6,1; Is 1,4; 5,8-24; 10,5ss; 30,1s; 33,1; Hab 2,5-20). A injustiça acompanha o luxo; parecida é a descrição de Sodoma (cf. Ez 16,49); enérgica é a descrição do luxo em Amós (Am 6,1-9; cf. Tg 4,9; 5,1). Ao reinado de Deus, que comunica seu consolo (Is 40,1; 49,13; 51,12), opõe-se o consolo humano efêmero e vão (cf. Jó 21,34; Sl 49; 73; 37; os fariseus em Mt 6,1-5; 23,5).

“Não dura muito o homem rico e poderoso, é semelhante ao boi gordo que se abate” (Sl 49,13.21). Enquanto o rico, muitas vezes, se apega aos bens e prazeres da terra, o pobre pode contar com a recompensa no reino de Deus que “cumulou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (1,53; no canto de Maria; cf. a parábola de Lázaro e do rico em 16,19-31). O homem tem que se decidir entre servir a Deus ou ao dinheiro (16,13p).

O site da CNBB comenta: O mundo nos prega valores que não são do Reino de Deus. Se formos viver de acordo com os valores do mundo, seremos egoístas e buscaremos unicamente a nossa própria satisfação. Porém, se quisermos viver de acordo com os valores do Reino de Deus, deveremos ser capazes de amar e, em nome do amor, buscar a felicidade, a satisfação e o bem estar de todos, e denunciar com coragem profética todos os que vivem e pregam os valores que não são do Reino de Deus. As consequências dessas posturas são que os que vivem de acordo com os valores do mundo, terão a consolação do mundo, e os que vivem de acordo com os valores do Reino, terão a consolação do Reino.

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