14 de Dezembro de 2018, Sexta-feira: Ah, se tivesses observado os meus mandamentos! Tua paz teria sido como um rio e tua justiça como as ondas do mar (v. 18).

Leitura: Is 48,17-19

Aparentemente em v. 16, o profeta Deutero-Isaías (Segundo Isaías) retoma a palavra para anunciar um novo oráculo, uma meditação sobre o que teria sido o destino de Israel se houvesse sido fiel.

Isto diz o Senhor, o teu libertador, o Santo de Israel: Eu, o Senhor teu Deus, te ensino coisas úteis, te conduzo pelo caminho em que andas (v. 17).

O nome de Javé (traduzido em grego: Senhor) se une a dois títulos “libertador” (ou “redentor”) e “Santo de Israel” (cf. 41,14). Este último, o primeiro Isaías dava preferencialmente ao Deus de Israel (cf. 6,3; Sl 99; Ap 4,8), o “Santo de Israel” (cf. 1,4; 5,19.24; 10,20; 12,6; 17,7; 29,19; 30,11.15; 31,1; 37,23; fora de Is, só se encontra em 2Rs 19,22; Jr 50,29; Sl 71,22; 78,41; 89,19).

“Libertador” (ou “redentor”), em hebr. go’el, é em primeiro lugar o parente próximo, vingador de sangue (Nm 35,19), protetor dos direitos da família e da propriedade; Lv 25,23-25; Rt 4,3s), depois aquele que resgata o prisioneiro por dívidas e deve defender a viúva (Rt 2,20). A palavra designa, portanto, Deus como protetor do oprimido e libertador do povo (cf. Ex 6,6). Neste sentido, é frequente nos salmos (Sl 19,15; 49, 8-10; 78,35; 130,8) e na segunda parte de Isaías (43,14; 44,6.24; 48,17; 59,20; cf. Jr 50,34). Jó apela ao vingador da sua morte e espera ser vingado (Jó 16,18ss; 19,23-27).

O NT aplica o conceito a Jesus que nos liberta do pecado e da morte, pagando o preço do resgate com o sangue na cruz, também é redentor da humanidade (cf. Lc 1,68; 2,38; 21,28; 24,12; Rm3,24; 8,23; 1Cor 1,30; 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5; Ef 1,14; 4,30; Tt 2,14; Hb 9, 15; 1Pd 1,18; Ap 1,5; 5,9).

Deutero-Isaías anuncia um novo êxodo no qual Deus educa (cf. Dt 8,1-6). O caminho da conduta se une agora com o caminho de retorno do exílio. A palavra latim “educar” quer dizer literalmente “guiar para fora” (da ignorância e da dependência). O “caminho” é símbolo para a conduta e a religião (cf. Jo 14,6; At 9,2 etc.).

Ah, se tivesses observado os meus mandamentos! Tua paz teria sido como um rio e tua justiça como as ondas do mar (v. 18).

O salmista lança um grito de lamentação semelhante em Sl 81,14-17. Ao entrar em Jerusalém, Jesus lamenta a ignorância desta cidade que perdeu a paz e escolheu a guerra (Lc 19,41-44). Para os servos maus não há paz (Lc 19,22). Em Is 11,9 “a terra ficará cheia do conhecimento do Senhor como as águas do mar”. O Terceiro Isaías (Trito-Isaías) compara a cidade com uma mãe para a qual Javé Deus trará “a paz como um rio” (66,12).

Tua descendência seria como a areia do mare os filhos do teu ventre como os grãos de areia; este nome não teria desaparecido nem teria sido cancelado de minha presença (v. 19).

As promessas são aquelas feitas por Deus a Abraão (Gn 13,16; 15,5; 17,6s; 22,17), retomadas ao longo de toda a Bíblia, em especial no Dt e nos oráculos dos profetas (cf. 1Rs 4,20; Os 2,1). Nos monumentos do Egito e Oriente Antigo, o nome e o rosto de reis foram apagados por sucessores hostis para apagar sua memória.

Evangelho: Mt 11,16-19

Nas primeiras duas semanas de Advento, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. Ouvimos hoje na leitura uma lamentação sobre a sabedoria com a qual Deus instrui seu povo, mas este não obedecendo aos mandamentos, está perdendo a promessa divina (Is 48,17-19). No evangelho de hoje (continuação de ontem), Jesus lamenta a cabeça dura da sua geração que não quer reconhecer nem João Batista nem Jesus. Nos próximos dias, os evangelhos também falarão sobre João Batista.

Mt e Lc copiaram este julgamento de Jesus da fonte Q (coleção perdida de palavras) na qual já havia a pergunta de João Batista (“És tu aquele que há de vir…?”) e a resposta de Jesus (Mt 11,2-19; Lc 7,18-35) que precede nosso texto de hoje (cf. evangelho de ontem).

Com quem vou comparar esta geração? São como crianças sentadas nas praças, que gritam para os colegas, dizendo: “Tocamos flauta e vós não dançastes. Entoamos lamentações e vós não batestes no peito!” (vv. 16-17).

“Esta geração” significa os contemporâneos de Jesus. Pelas palavras da parábola seguinte, a “geração” não significa apenas o povo de Israel, mas pela atitude o que a geração tem de típico. A parábola (comparação) generaliza seu alcance, embora não sejamos capazes de reconstruir exatamente o jogo infantil. Crianças que são convidadas a brinquedos diversos, replicam com o clássico “não vou brincar”; seres birrentos a quem nada satisfaz, buscam pretexto para justificar sua reserva, não sabem bem o que querem, não querem nada. Dança e ritos de luto são contrários (cf. Ecl 3,4; Eclo 22,6; Pr 25,20; Zc 12,10; 1Mc 9,41).

Veio João, que não come nem bebe, e dizem: “Ele está com um demônio”. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: “É um comilão e beberrão, amigo de cobradores de impostos e de pecadores” (vv. 18-19a).

Não sabemos quando disseram que João Batista estava endemoninhado (disseram sobre Jesus em Jo 7,20; cf. “Beelzebu” em Mt 12,24). A expressão “comilão e beberrão” encontra ressonância em Dt 21,20 (apedrejamento de filho rebelde). Os apelos de Deus são constantes. João Cristóstomos compara Deus com os caçadores que cercam a caça pelos dois lados, assim Deus oferece o caminho da austeridade e o caminho da confraternização para cativar Israel. João Batista tocou o seu lamento – o chamado à conversão e jejum; Jesus toca a flauta para a festa das núpcias (cf. 9,14s). O Batista é severo demais; é tido um louco. Jesus come e bebe em todos os lugares e com todas as pessoas, cultiva amizades com pessoas pouco recomendáveis (cf. 9,11p; Lc7,36-8,2; 15,1s). Os fariseus e os doutores da lei são justos e autossuficientes, mas os publicanos e pecadores ouviram e se converteram (cf. Mt 21,31s; Lc7,29s; 7,37-50; 18,9-14; 19,1-10).

O uso do título “Filho do homem” não significa aqui somente “eu como ser humano” (Ez 2,1 etc.). Neste título, Mt sempre pensa naquele que ressuscitará e julgará o mundo (cf. Dn 7,13s; Mt 8,20; 11,19; 17,9.12.22; 20,28; 24,30; 25,31). Pior será a acusação, porque esta geração chama o futuro juiz de comilão e beberrão!

Mas a sabedoria foi reconhecida com base em suas obras (v. 19b).

A “sabedoria” (ou sensatez) aparece muitas vezes personificada no AT (Pr3; 8; Eclo 24; Sb 7-8, etc.). Pode se dirigir a seus alunos, chamando-os de “filhos” (Lc 7,35; Pr 8,32; Eclo4,11; 15,2). Os filhos da sabedoria, isto é de Deus, soberanamente sábio, reconhecem e acolhem as “obras” de Deus. No texto de Q copiado por Lc 7,35, a sabedoria é “justificada por seus filhos”. Enquanto uns a desprezam, outros se abrem ao ensinamento do sábio desígnio de Deus e acreditam na sua sabedoria, revelada na missão do Batista e de Jesus (cf. Lc 11,49).

Mt, porém, substituiu os “filhos” da sabedoria por suas “obras”. Com isso, ele se refere não mais ao Batista e a Jesus, mas apenas a Jesus, à sua pregação e às curas milagrosas antes citadas na reposta ao Batista (11,5). Como já o uso do título “filho do homem” em Q (v. 19a; Lc 7,34), agora é Mt que destaca a pessoa de Jesus acima do Batista e o identifica com a própria sabedoria divina. Mt faz isso de maneira indireta ou inconsciente. Outros autores do NT aprofundam mais ainda esta identificação, refletindo sobre preexistência e encarnação (Jo 1,1-18; Fl 2,5-11; Cl 1,15-20 etc.).

As palavras de Jesus se dirigiram a seus contemporâneos, mas nós também somos assim: ansiosos que Deus aja em nosso meio, em nosso dia a dia, mas quando ele intervém, não estamos de acordo com a maneira como age, porque pensamos que Deus deve agir conforme nossos interesses e nossas expectativas, não procuramos a vontade dele.

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas ouvem as mensagens do Evangelho, mas não se sensibilizam com elas, não correspondem a elas, de modo que elas não provocam eco em suas vidas. O conhecimento da Palavra de Deus é muito importante, mas não é tão importante como a comunhão de ideias e valores que deve haver entre os homens e Deus. O conhecimento nos ajuda a realizar esta comunhão de modo que ele é um meio necessário para que possamos atingir o fim, mas o conhecimento não é a finalidade em si. Se ficamos apenas no conhecimento, não dançamos com as flautas nem batemos no peito com o canto fúnebre, não comungamos as ideias de Jesus.

Em 2013, o Papa Francisco comentou o evangelho de hoje (fonte: IHU 2013):

No Evangelho do dia, sexta-feira da segunda semana do Advento, Jesus compara a geração do seu tempo às crianças sempre descontentes, “que não sabem brincar com felicidade, não tocam, não dançam… nada está bem para eles…”, observou o Pontífice. Francisco explicou que aquela gente “não era aberta à Palavra de Deus”. Recusaram João Batista, que “não comia nem bebia” e “era um endemoniado”. Recusaram Jesus, porque “comia e bebia, era amigo de publicanos e pecadores”.

Sempre têm um motivo para criticar o pregador: “E eles, a gente daquele tempo, preferiam refugiar-se numa religião mais elaborada: nos preceitos morais, como os fariseus; no compromisso político, como os saduceus; na revolução social, como os zelotes; na espiritualidade gnóstica, como os essênios. Com seu sistema bem limpo, bem feito. Mas o pregador, não”. Também “Jesus lhes aviva a memória: ‘Os vossos pais fizeram o mesmo com os profetas’. O povo de Deus tem uma certa alergia para com os pregadores da Palavra: os profetas, perseguiu-os e matou-os”.

“Estas pessoas – prosseguiu Francisco – dizem aceitar a verdade da revelação”, “mas não o pregador, a pregação. Preferem uma vida enjaulada em seus preceitos, em seus compromissos, em seus planos revolucionários ou em sua espiritualidade” desencarnada.

São aqueles cristãos “que são fechados, que estão engaiolados, estes cristãos tristes… não são livres. Por quê? Porque têm medo da liberdade do Espírito Santo, que vem através da pregação. E este é o escândalo da pregação, do qual falava São Paulo: o escândalo da pregação que acaba no escândalo da Cruz. Escandaliza que Deus nos fale através de homens com limites, homens pecadores: escandaliza! E escandaliza mais que Deus nos fale e nos salve através de um homem que diz que é o Filho de Deus, mas acaba como um criminoso. Aquilo escandaliza”.

“Estes cristãos tristes – disse o Papa Francisco – não acreditam no Espírito Santo, não acreditam naquela liberdade que vem da pregação, que te repreende, ensina-te, esbofeteia-te; mas é precisamente a liberdade que faz crescer a Igreja”.

Refletindo sobre “estas crianças que têm medo de dançar, de chorar, têm medo de tudo, que pedem segurança em tudo, penso nestes cristãos tristes que sempre criticam os pregadores da Verdade, porque têm medo de abrir a porta ao Espírito Santo”, o Papa concluiu rezando “por eles e também por nós, para que não nos tornemos cristãos tristes, que tiram do Espírito Santo a liberdade de vir até nós através do escândalo da pregação”.

Voltar