14 de Dezembro de 2020, Segunda-feira: Jesus voltou ao Templo. Enquanto ensinava, os sumos sacerdotes e os anciãos do povo aproximaram-se dele e perguntaram: “Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu tal autoridade?”(vv. 23).

3ª Semana do Advento 

Leitura: Nm 24,2-7.15-17a

A terceira semana do Advento começa com uma leitura dos Números. Este título se refere do recenseamento dos israelitas no início deste quarto livro da Torá (a lei de Moisés ou Pentateuco). Em Nm, o povo de Israel retoma sua caminhada pelo deserto sob a liderança de Moisés, após a legislação do Sinai (Ex 19-Nm 9).

A história de Balaão (Bileam) em Nm 22-24, sem determinado vínculo com a marcha para Canãa, foi objeto de pelos menos duas narrativas distintas, enquanto os oráculos devem ser mais antigos. Balac, o rei do povo Moab (vizinho e inimigo de Israel), convidou o vidente Balaão para amaldiçoar o povo de Israel (22,5s), mas em vez disso, Balaão acaba abençoando Israel. Ele era mago, vindo da região sudeste (Transjordânia), arameu ou emorita (22,5, as letras hebraicas por Edom e Aram se confundem facilmente) ou vidente de Madiã (31,8). A leitura de hoje apresenta seu terceiro e quarto oráculo.

A Bíblia Pastoral (p. 180) comenta: Estes oráculos, fundados na crença de que bênçãos e maldições de intermediários poderosos (22,6) podiam determinar o resultado de guerras (22,11) destacam-se os nomes Israel, Jacó, Elohim (Deus) e El. Devem vir do reino do norte, que sob a dinastia de Amri (885-841 a.C.) lutou com Moab pelo controle das terras ao norte do rio Arnon. Aqui são uados para criar o quadro da conquista de Canaã a partir da Transjordânia.

No Antigo Oriente, bênçãos e maldições, uma vez pronunciadas, eram consideradas irreversíveis (cf. Gn 27).Deus só podia preservar seu povo das maldições de Balaão, impedindo o adivinho de proferi-las. As narrativas assimilaram este conceito apresentando Balaão como profeta do Senhor, apesar das resistências dele. O oráculo antigo foi relido, identificando El (deus supremo dos cananeus) ou Elohim (Deus) por Javé(Senhor), provavelmente no tempo do rei Josias (640-609 a.C.) no reino do sul.Mas a Bíblia conservou também a imagem hostil de Balaão (cf. Nm31,8.16; Dt 23,5; Js 13,22; 24,9; 2Pd 2,15s; Ap 2,14).

Balaão levantou os olhos e viu Israel acampado por tribos.O espírito de Deus veio sobre ele,e Balaão pronunciou seu poema (vv. 2-3a).

Balaão expressa outro modo de profetizar: não vai em busca de conjuros nem recebe palavras na boca; mas olha e, ao contemplar, é invadido pelo espírito de Deus, que transforma a visão em profecia. Neste relato, Balaão fala sob efeito de uma súbita inspiração (cf. 2Rs 3,15), ao passo que no cap. 23 recebia a mensagem antecipadamente e tinha tempo para refletir. Aqui se apresenta como vidente que emprega uma linguagem bastante figurada.

“Oráculo de Balaão, filho de Beor, oráculo do homem que tem os olhos abertos; oráculo daquele que ouve as palavras de Deus, que vê o que o Poderoso lhe faz ver,que cai, e seus olhos se abrem (vv. 3b-4).

“Que ouve as palavras de El(deus), que vê o que Shadai(o Poderoso) lhe fez ver”; o oráculo usa nomes diversos de divindades cultuados em Israel antes de Josias.

Balaão se apresenta como profeta extático (cf. 1Sm 19,20-24), que tem visões e escuta mensagens divinas, e as pronuncia como oráculo próprio (cf. 2Sm 23,1s). “Olhos abertos”: com o verbo que significa desnudar, destampar, desvelar; como um olhar fixo com as pálpebras descaradas. Outras traduções possíveis: “de olho penetrante, perfeito, misterioso”.

Depois desta introdução, na qual se apresenta o vidente, segue-se a visão transfigurada, a recordação histórica, o futuro glorioso.

Como são belas as tuas tendas, ó Jacó,e as tuas moradas, ó Israel!Elas se estendem como vales,como jardins ao longo de um rio,como aloés que o Senhor plantou,como cedros junto das águas (vv. 5-6).

Jacó é Israel (cf. Gn 32,29; 35,10). Suas “tendas” em sentido próprio designam um acampamento de nômades; metaforicamente, também instalações urbanas. A visão é paradisíaca (cf. Gn 13,10), como o jardim Eden que o próprio “Javé (Senhor) plantou” (cf. Gn 3,8) As imagens vegetais sugerem a vitalidade (cf. Sl 92,13-15; Is 61,3) e acrescentam valor simbólico ao que segue.

A água transborda de seus cântaros,e sua semente é ricamente regada.Seu rei é mais poderoso do que Agag,seu reino está em ascensão” (v. 7).

A descrição passou à linguagem simbólica da fecundidade humana, como indica Pr 5,15-18.Agag é o nome de um rei amalecita derrotado por Saul (1Sm 15,8); como gag significa “terraço”, o versículo joga com o nome (“se exalta, está em ascensão”).

E Balaão continuou pronunciando o seu poema:“Oráculo de Balaão, filho de Beor, oráculo do homem que tem os olhos abertos,oráculo daquele que ouve as palavras de Deus,e conhece os pensamentos do Altíssimo,que vê o que o Poderoso lhe faz ver,que cai, e seus olhos se abrem. (vv. 15-16).

Nossa liturgia omitiu os vv. 8-14 (continuação do terceiro oráculo e repreensão pelo rei Balac) e continua como quarto oráculo. Os vv. 15-16são repetição de vv. 3-4 com o acréscimo de que Balaão “conhece os pensamentos deElion (Altíssimo)”.

Eu o vejo, mas não agora;e o contemplo, mas não de perto.Uma estrela sai de Jacó,e um cetro se levanta de Israel” (vv. 17ab).

A segunda estrofe (vv. 17-19) se orienta para o futuro: “Eu o vejo, mas não agora”. No Oriente, a estrela é sinal dos deuses (na Babilônia, astros eram considerados deuses) e reis. Cada povo tem sua “estrela” ou “constelação” (vocalizando como plural). Como astrólogo, novo ofício (cf. os magos em Mt 2), Balaão contempla o movimento dos astros do destino: vê como o astro de Jacó “avança”ou domina (cf. v. 19), segunda outra tradução possível.

Este quarto oráculo visava a Davi, vencedor de Moab (2Sm 8,2). Mas através dele, refere-se a toda sua dinastia que sempre era inimiga de Moab (1Sm 14,47).

Também o “cetro” alude a Davi e sua dinastia (Sl 45,7; cf.Gn 49,8-12), e por este capítulo se leu este texto como profecia messiânica (nesta perspectiva, a tradição grega lê “um homem” em lugar de “um cetro”). O cetro, símbolo do poder da realeza, era primitivamente um cassetete o que explica os vv. seguintes (vv. 17b-19).

A estrela de Nm 24,17 e sua interpretação messiânica se reflete no relato dos magos (Mt 2) e tornou-se também emblema na bandeira do Estado moderno de Israel. Talvez haja ecos deste oráculo no Sl 110.Em Ap 22,16, Jesus se declara: “Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante estrela da manhã”.

A estrela de Nm 24,17 tornou-se símbolo do messias. Depois da derrota na guerra Judaica em 70 d.C., os judeus tentaram outro levante contra a ocupação romana em 130 d.C. quando o imperador romano Adriano visitava Jerusalém e decidiu a reconstrução da cidade e do templo a ser dedicado ao deus romano Júpiter. Nesta segunda revolta, Simeão BarKoseba apodera-se de Jerusalém. O rabino mais reconhecido da época, Aquibá, o reconhece como messias e muda o nome dele em “Ben Kokhba” (filho de estrela), conforme a estrela de Nm 24,17. Simão persegue também os cristãos que se recusam a aderir à rebelião. Mas em 135, os romanos vencem e Simão morre.

Evangelho: Mt 21,23-27

O evangelho de hoje já não foi mais escolhido em vista da leitura como nos dias anteriores, mas por sua referência a João Batista, profeta que anunciou a vinda do messias. É a última menção de João no Ev de Mt que copiou aqui Mc 11,27-33. As autoridades em Jerusalém tentam fazer uma armadilha para desmoralizar a autoridade de Jesus diante do povo que o aclamou messias no dia anterior. Mas Jesus usa o mesmo truque: Se as autoridades responderem, eles ficarão desmoralizadas.

Jesus voltou ao Templo. Enquanto ensinava, os sumos sacerdotes e os anciãos do povo aproximaram-se dele e perguntaram: “Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu tal autoridade?”(vv. 23).

Em Mc 11,27, Jesus estava apenas circulando no templo. Em Mt, “ensinava”. Assim a pergunta das autoridades não se pode limitar à purificação do templo que Jesus realizou no dia anterior (vv. 12-17); pelo contexto mais amplo, “estas coisas” abrangem o conjunto de sua atividade, inclusive os milagres e seu ensinamento (cf. Mt 21,23;Lc 20,1). Já no final do sermão da montanha, o ensinamento de Jesus foi caracterizado “com autoridade e não como os escribas” (7,29).

Os falsos profetas (cf. Jr 14,13-16; 23,9-40; 28; Ez 13,1-16) arrogavam-se a autoridade de enviados de Deus; inventavam profecias seguindo sua própria inspiração. Diziam “oráculo do Senhor”quando o Senhor não falava e não os enviava. De modo semelhante, as falsas profetisas arrogavam-se a autoridade para “destinar à vida ou à morte” (Ez 13,17-23). De fato, Jesus será julgado pelo “sinédrio”(tribunal supremo judaico) na base da lei Dt 13,2-6 sobre os falsos profetas (cf. 26,68p).

As autoridades têm direito de pedir credenciais a quem se apresenta como Jesus o faz: Os interlocutores representam o braço eclesiástico (“sacerdotes”) e o braço civil (“anciãos”, ou seja, senadores, representantes do povo, cf. Ex 19,7; Is 3,14; Jr 19,1). Mt não menciona aqui a autoridade doutrinal (mestres, letrados).Estes três grupos constituem o sinédrioe condenarão Jesus à morte (16,21p; 26,57p). Os “anciãos do povo” aparecem aqui pela primeira vez em Mt; em Jerusalém, juntos com os sacerdotes, são os protagonistas do processo contra Jesus (26,3.47; 27,1.3.12.20; 28,11). Os escribas (doutores de lei) e fariseus são os opositores na doutrina (cf. cap. 23) que assim permanecerão também depois da destruição de Jerusalém (70 d.C.) na época do evangelista, enquanto os sacerdotes não sobreviverão a destruição do templo.

Mas, pode-se questionar, de onde lhes vem a autoridade destas autoridades (cf. Jo 19,10s)? Só responde uma parábola mais adiante (vv. 33-46p).

Jesus respondeu-lhes: “Também eu vos farei uma pergunta. Se vós me responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas coisas. Donde vinha o batismo de João? Do céu ou dos homens?”(vv. 24-25a).

A pergunta dos adversários apontou para a autoridade messiânica de Jesus, que eles negam de antemão. Para eles, incrédulos, se Jesus se arroga essa autoridade, é impostor, comete delito. Impossível convencer a quem se nega a crer, depois de tudo o que viu e ouviu. Por isso Jesus responde, no estilo rabínico, com outra pergunta que transfere o assunto para a autoridade de João Batista, a fim de desarmar seus opositores com um dilema.

Em Mt, a atuação de João Batista está em relação mais estreita com a de Jesus: Só em Mt, João anuncia o reino dos céus com as mesmas palavras de Jesus (cf. 3,2 e 4,17p). Em 11,18-19p, ambos são rejeitados apesar de suas diferenças. Em 17,9-13, o martírio do Batista prefigura o do Filho do Homem (cf. os evangelhos de sexta-feira e sábado da semana passada). João era o precursor que anunciava a chegada de outro que é mais forte (cf. 3,11p.14). Quem aceita João, deve aceitar também Jesus, o messias anunciado por ele.

Eles refletiam entre si: “Se dissermos: “Do céu”, ele nos dirá: “Por que não acreditastes nele? ”Se dissermos: “Dos homens”, temos medo do povo, pois todos têm João Batista na conta de profeta”(vv. 25b-26).

O “céu” é para os judeus da época uma das maneiras de designar Deus sem pronunciar seu nome inefável (Dn 4,23: 1Mc 3,18).“Do céu” seria a reposta certa, e a consequência seria: também o ensinamento de Jesus está sendo proferido com autoridade divina, ou seja, “do céu”. Os sacerdotes e anciãos não creem, mas respeitam a opinião do povo, por medo. Mas também Herodes tinha “medo da multidão que considerava João um profeta” (14,5). No entanto, João foi morto (14,3-12p). Mt anotou o mesmo medo dos chefes dos sacerdotes e fariseus a respeito de Jesus ainda em 21,46. Se este medo do povo não protegeu bastante o Batista, também Jesus será morto ao final.

Eles então responderam a Jesus: “Não sabemos.” Ao que Jesus também respondeu: “Eu também não vos direi com que autoridade faço estas coisas”(v. 27).

Como as autoridades não respondem, Jesus também se recusa responder. Para os incrédulos, não será possível nem viável reconhecer a autoridade divina do ensinamento de Jesus. Às vezes, nem a razão convence alguém que não quer crer. É preciso de conversão para crer, assim soam as primeiras palavras de João e Jesus em Mt: “Arrependei-vos, porque o reino dos céus está próximo” (3,2; 4,17).

O site da CNBB resume:A pessoa de João Batista é muito importante na preparação para os tempos messiânicos, pois ele foi enviado como o precursor de Jesus, e quem não acredita em João Batista também não aceita Jesus como sendo o Messias e nem a sua autoridade como Filho de Deus. O povo acreditou em João Batista e por isso acreditou também em Jesus, mas os anciãos do povo não acreditaram em João Batista e, por isso, rejeitaram Jesus. Todo aquele que fica preso apenas em uma religião formal torna-se incapaz de ver a ação de Deus no tempo presente, endurece o próprio coração e não reconhece nem a ação de Deus nem a sua presença no seu dia a dia.

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