14 de julho de 2016 – 15ª semana 5ª feira

Leitura: Is 26,7-9.12.16-19

A leitura de hoje é uma oração de confiança no estilo dos salmos. É um canto à justiça divina e faz parte do “Grande Apocalipse de Isaías”. Assim foram chamados os capítulos 24-27, escritos no período pós-exílico (após o séc. V a.C.), depois do “resto” de Israel passar pela catástrofe do exílio na Babilônia. Não mais o primeiro Isaías que profetizava entre 740-701, mas a comunidade posterior apresenta o desastre do exílio como ação de Javé, Senhor da história, em seu plano eterno: o juízo final, a devastação, a vitória contra os tiranos e a restauração de Israel. A linguagem é marcada pela mensagem apocalíptica (cf. Dn; Zc 9-14) e quer despertar a fé e esperança (ressurreição) em Deus. “Apocalipse” quer dizer “revelação” da vitória de Deus sobre seus inimigos, do grande banquete no monte Sião (25,6ss) e da volta dos exilados.

O texto de hoje descreve o juízo de Deus como algo desejável, porque trará luz ao mundo, leva ao bom termo os nossos passos e incluirá também os mortos. O julgamento de Javé executa-se de acordo com a justiça (vv. 7-10) e assegura a libertação e a glória de seu povo (vv. 11-15); as provações atuais preparam o renascimento (vv. 16-19; as dores de parto tornaram-se imagem das tribulações que deviam preceder a vinda do Messias, cf. Mt 24,8; Mc 13,8; Jo 16,20-22).

A primeira parte, os vv. 7-13 são uma espécie de meditação sobre o modo de Deus agir na história. É coisa admitida que o Senhor seja protagonista; difícil é explicar em casos concretos o desígnio de Deus. Por isso, alguns o negam (Sl 94), outros o acham estranho (Sl 73). O problema é o trato de bons e maus que parece violar as normas de uma retribuição justa. Por que a indulgências de Deus com os perversos faz os inocentes sofrer? (Jr 15,15); por que Deus demora? (Hab 1,2.3.13.17; cf. uma resposta em Gn 15,16).

O caminho do justo é reto, e tu ainda aplainas a estrada ao justo. Sim, no caminho dos teus juízos esperamos em ti, Senhor; para o teu nome e para a tua memória volta-se o nosso desejo. Quando vem a noite, anseia por ti a minh’alma e com a força do espírito, te procuro no meu íntimo. Quando brilharem na terra teus juízos, os habitantes do mundo aprenderão a ser justos (vv. 7-9).

Na primeira estrofe desta oração descreve-se a situação dos “justos”, os pobres que esperam a justiça de Deus e com ansiedade esperam pelo seu julgamento.

“Caminho” de Deus (cf. Os 14,10) é o seu estilo de governar a história e julgar os responsáveis. Quem segue as diretrizes do Senhor caminha por “estrada plana” (Is 40,3s citado por Mc 1,2s), embora nem sempre o repare e muitas vezes tenha de “esperar”. Os “habitantes do mundo” podem “aprender” com essa ação de Deus (cf. Sb 12,19). Mas os perversos se fecham (cf. Sl 1). Quando Deus “ergue a mão” (v. 11, omitido), recusam vê-la; quando os trata “com clemência”, criam confiança, endurecem e continuam oprimindo os inocentes (v. 10).

Em tal situação, o justo respeita os prazos de Deus, não se vinga com as próprias mãos, se apega somente no Senhor, espera e ora (Sl 37; 63,2; 77,7). Os “juízos” (julgamentos) de Deus brilham, são luz que descobre o justo e injusto. Esses julgamentos são às vezes clemência gratuita. Aqui os “julgamentos” de Deus parecem ser os marcos de um caminho que orientam o ser humano. Não se trata das sentenças (preceitos) que tornam possível a retidão do justo (como provavelmente no v. 8), mas dos juízos de Deus, isto é, das intervenções destinadas entre outras coisas à educação das nações. Com este v. termina a primeira estrofe desta longa oração (vv. 7-19).

Senhor, hás de dar-nos a paz, como nos deste a mão em nossos trabalhos (v. 12).

Nossa leitura omitiu a segundo estrofe exceto o v. 12: o pedido por paz, no meio das tribulações por inimigos (vv. 10s.13s). A confiança baseia-se em boas experiências anteriores com Deus (cf. v. 15).

Cabe a Deus agir e levar a bom termo os empreendimentos humanos; cf. Sl 90,17: “Que a bondade do Senhor esteja sobre nós! Confirma a obra de nossas mãos!” Expressão da nova ordem que a justiça divina trará: tudo quanto os homens conseguirem, compreenderão como dom de Deus.

Senhor, eles a ti recorreram na angústia; exageraram na superstição, e veio-lhes o teu castigo (v. 16).

As palavras hebraicas usadas evocam os murmúrios de encantações mágicas, o que sugere uma oração que quer ser eficaz, mas que, no caso, é ainda mais inútil. A tradução deste v. é incerta; cf. a Bíblia de Jerusalém: “entregaram-se à oração porque lhes veio o castigo”.

Como a mulher grávida, ao aproximar-se o parto geme e chora em suas dores, assim nós, Senhor, em tua presença. Concebemos e sofremos dores de parto, e o que geramos foi vento. Não demos à terra frutos de salvação, não fizemos nascer habitantes para o mundo (vv. 17-18). 

A comparação da parturiente (cf. Os 13,14s) ganha aqui um sentido novo, descrevendo o esforço supremo e o fracasso total: “o que geramos foi vento; não demos à terra frutos de salvação” (cf. o cântico da  vinha em 5,1-7; cf. 27,2-3).

Babilônia nunca aprendeu a justiça e causou o sofrimento (“dor de parto”) do povo de Israel (vv. 17-18; cf. 42,14); será por isso castigada, morta e cairá no esquecimento (não ressuscitará, v. 14; cf. Sl 88,11-13). Ao contrário, o povo que invoca apenas o nome de Javé (cf. v. 13) e segue sua justiça será lembrado e ressurgirá do pó do sofrimento e da morte (v. 19; cf. Ez 37,1-14).

Reviverão os teus mortos e se levantarão também os meus mortos. Despertai, cantai louvores, vós que jazeis no pó! Senhor, é orvalho de luz o teu orvalho, e a terra trará à luz os falecidos (v. 19).

O tema comenta a frase de 25,8 em que Javé “destruiu a morte para sempre”. O contraste da vida e da morte se desenvolve num processo dialético no tempo, até um desfecho que transborda para além do tempo. O processo parece ser assim: destruição de inimigos e morte dos perversos (v. 14), crescimento do povo (v. 15), redução do povo a um resto, fracasso humano (vv. 17-18), ressurreição dos escolhidos (v. 19).

A “terra”, devoradora de homens, cárcere árido de pó e morada de sombras, impregna-se, ou engravida, de um “orvalho” celeste e luminoso (cf. Os 14,6), volta a ser terra-mãe fecundada (Eclo 40,1) e dá à luz seus mortos.

Temos a negação tradicional da ressurreição em v. 14 (omitido na leitura de hoje): “Os mortos não reviverão… tu destruíste toda sua memória” (v. 14), e agora em v. 19, afirma-se o contrário com os mesmos verbos empregados. Mas observe-se o contraste com o v. 14, onde se tratava dos “mortos” em geral (mais precisamente dos antigos senhores de Israel, ou seja, outras nações com seus cultos pagãos, cf. v. 13), enquanto aqui, em v. 19, se trata dos “teus mortos”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 646) comenta: Será que a imagem diz respeito ao conjunto do povo que vai reviver, reencontrando toda a sua extensão (cf. v. 15 e o parto frustrado dos vv. 17-18, terminando com o mesmo verbo – raro neste sentido “nascer” – que o v. 19) no contexto de uma restauração nacional, como em Ex 37? Será já (como em Dn 12,2) uma verdadeira ressurreição dos mortos, pelo menos dos justos de Israel e especialmente dos mártires? É difícil decidir.

Na Bíblia, apenas nos textos mais novos do Antigo Testamento aparece a idéia da ressurreição dos mortos. O antigo Israel rejeitou uma vida após morte, fora de uma existência de sombras num submundo (o xeol, cf. Sl 88), talvez por que tenha sido marcado por sua experiência dolorosa no Egito, onde os escravos do rei foram mortos juntos dele para servi-lo no além. Para os israelitas, importava continuar a vida em liberdade e a descendência do clã e do povo. Mas a teoria da retribuição (Deus recompensa o justo ainda nesta vida, cf. Sl 1) começou falhar e inquietar (Sl 49; 73, e os livros de Jó e Ecl). Quando Jerusalém foi destruído pelos babilônios perguntava-se: o Deus de Israel teria seu limite geográfico e os deuses da Babilônia seriam mais fortes? A partir do exílio amadurece a convicção de que Javé Deus não é limitado nem pelo espaço nem pelo tempo, ou seja, o poder do único Deus é universal e sua justiça vai além da morte: Deutero-Isaías (o Segundo Isaías) afirma no exílio que Javé Deus “é o único e não existe outro fora dele” (Is 44,6; 45,5-7; cf. Gn 1). Na mesma época, Ezequiel vislumbra uma restauração do povo (parecido morto no exílio), igual à uma ressurreição de corpos (Ez 37,1-14). Na época grega, a crença numa vida eterna das almas (Sb) e na ressurreição da carne se torna explícita (Dn 12,2s; 2Mc 7).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 646) comenta: O “orvalho de luz” tem sido explicado pelo movimento de estrelas cadentes (os antigos mitos cananeus veem efetivamente uma ligação entre o orvalho e a estrelas) ou ainda pela origem solar do orvalho, segundo as representações egípcias. Não é impossível que essas ”luzes” sejam relâmpagos (cf. Jó 36.32; 37,3.11.15; Hab 3,11), símbolos da chuva de tempestade que vivifica a terra como o orvalho (uma das filhas de Báal, o grande deus cananeu da tempestade, é denominada neste sentido “a luminosa”, e uma outra, cujo nome deriva do orvalho, é denominada “a chuvosa”). É também possível que a expressão assinale o nexo do orvalho com a aurora (designada com a mesma palavra que “luz” em Jz 19,26 e Ne 8,3), cf. Sl 110,3 (em Os 6,3, em um contexto bem próximo a Is 26,19, a vinda do Senhor é comparada ao mesmo tempo à da aurora e à da chuva). Qualquer que seja o sentido exato da expressão empregada aqui: o orvalho (Gn 27,28; Sl 133,3; Pr 19,12) e a luz (Sl 36,10; 56,14; Jó 33,28,30) são símbolos da  vida e do poder vivificante. O próprio Deus compara-se ao orvalho em 18,4 e Os 14,6 (cf. aqui a expressão “o teu orvalho”).

 

Evangelho: Mt 11,28-30

Este convite a “carregar o jugo” de Jesus só se encontra em Mt. Nos vv. anteriores (da fonte Q; cf. vv. 26s; Lc 10,21s), Jesus agradece ao Pai pela sua revelação aos pequenos e humildes, não aos sábios e doutores, e afirma sua relação íntima com o Pai. Em seguida, Mt acrescentou um convite aos discípulos que evoca os convites tradicionais da sabedoria personificada (Pr 8,1-21.32-36; 9,4-6; Eclo 24,19-22; etc.) ou do mestre que ensina a sabedoria (Eclo 6,18-37; 51,23-29; Sb 6,11-16). Jesus desse modo atribui a se mesmo o papel da sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial, não como personificação, mas como pessoa.

Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso (vv. 28-29).

A escravidão no Egito se definia pelas “cargas”, “fardos” (Ex 6,6). Não só os animais, também os homens carregam o “jugo” como sinal e exercício da escravidão. Era um jugo curvo de madeira, apoiando com almofadas sobre os ombros, que servia para transportar cargas equilibradas. O amor de um casal chama se “conjugal”, porque se unem para carregar a carga da vida juntos.

A imagem é frequente no AT: pode referir-se à Lei de Deus, escrita ou oral (“jugo da lei” é uma metáfora corrente entre os rabinos, cf. Sf 3,9; Lm 3,27; Jr 2,20; 5,5; Is 14,25; Os 10,11), este jugo nem sempre era sentido como algo pesado ou ofensivo. O termo pode ser aplicado também à sabedoria, cuja aprendizagem é no início jugo, mas no fim jóia (Eclo 6,24-30 cf. 51,26-27) ou ao jugo pesado da tirania estrangeira (Is 10,27; Jr 27,8 etc.; cf. Os 10,11)

A sabedoria dá tranquilidade e “descanso” (Eclo 6,28; 51,27; cf. 24,7), mata a fome e a sede (Pr 9,4s; Eclo 24,20-22; 51,24; cf. 15,3; Jo 4,14; 6,34), dá alegria (Eclo 6,28; 15,6) e vestimenta da honra e a coroa (Eclo 6, 31; cf. 7,16-18). Por isso, o jugo da sabedoria é leve, deixa-se encontrar porque está perto (Eclo 51,26; Sb 6,12.16) e pode-se adquirir de graça (Eclo 51,25).

Em Mt, Jesus chama no lugar da sabedoria. Só o Filho de Deus conhece e revela o caminho para Deus que passará pela cruz (cf. 16,24p; Jo 14,6), mas pode dar o “descanso” definitivo (cf. Ap 14,13) porque “tudo foi entregue a ele pelo Pai” (v. 27; 28,18).

O Filho de Deus é “manso e humilde de coração”, expressão clássica dos “pobres de Javé” do AT (cf. Sf 2,3; Is 26,6; Dn 3,87; cf. Mt 5,5; 18,4.10; 20,26-28; 23,8-11;). Jesus reivindica a atitude religiosa deles e por isso arroga a si autoridade para ser o seu mestre de sabedoria como estava predito a respeito do “servo” (Is 61,1s; cf. Lc 4,18; Mt 12,18-21; 21,5). De fato foi para eles que pronunciou as bem-aventuranças e felicidades do reino (Mt 5,3.5) e muitas outras instruções de sua “boa nova” (evangelho).

Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (v. 30).

O jugo que Jesus impõe, aceito com amor e levado com sua ajuda, “é leve” particularmente se comparado com as cargas dos fariseus (23,4), porque as observâncias farisaicas sobrecarregavam ainda mais o fardo da lei (23,4; cf. 5,17). Ao legalismo rígido dos fariseus, Jesus contrapõe sua interpretação libertadora da lei, apresentada no sermão da montanha (caps. 5-6), iniciado com a declaração da felicidade do Reino de Deus nas bem-aventuranças (5,3-12). Simultaneamente com a lei renovada cujo mandamento maior é o amor (Mt 22,34-40p; cf. 23,23), Jesus transmite aos homens a alegria do Reino.

Os apóstolos também não querem sobrecarregar os fieis com a lei da circuncisão (At 15,10; Gl 5,1), mas incentivam a carregar “o peso uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2).

O site do CNBB comenta: Existem pessoas que acreditam que a verdade da religião encontra-se num rigorismo muito grande, principalmente no que diz respeito às exigências morais e rituais. Com isso, a religião acaba por ser um instrumento de opressão. Jesus nos mostra que não deve ser assim. Ele veio ao mundo para trazer a libertação do jugo do pecado e da morte e que a verdadeira religião é aquela que liberta as pessoas de todos os pesos que as oprimem na sua existência. O verdadeiro cristianismo é aquele que não está fundamentado na autoridade e na rigidez, mas na humildade e mansidão de coração, por que o seu fundador, Jesus Cristo, manso e humilde de coração, é o Mestre de todo o nosso agir.

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