15 de Junho 2019, Sábado: Seja o vosso “sim”: “Sim”, e o vosso “não”: “Não”. Tudo o que for além disso vem do Maligno (v. 37).

10ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 2Cor 5,14-21

Na sequência de 2Cor ouvimos hoje da nova criação pela morte de ressurreição de Cristo que nos reconciliou com Deus.

O amor de Cristo nos pressiona, pois julgamos que um só morreu por todos, e que, logo, todos morreram. De fato, Cristo morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou (vv. 14-15).

Do “amor de Cristo” (cf. 8,35), nasce o apostolado de Paulo e de uma multidão de santos e missionários. Como Jeremias não conseguiu desistir da palavra de Deus (cf. Jr 20,9), Paulo se sente pressionado pelo amor de Cristo, porque não foi ele que escolheu Cristo, mas foi escolhido do céu (At 9,16; cf. Jo 15,16). O amor de Cristo se impôs na sua vida, de modo que não é mais ele que vive, mas Cristo (Gl 2,20). Anunciar o evangelho de graça, sem cobrar salário, é uma “necessidade que se impõe” a ele (1Cor 9,16-18).

Esta pressa de evangelizar os povos tem seu motivo na morte de Cristo pela humanidade (não apenas pelo povo judeu, por muitos, mas “por todos”. Como na analogia com Adão (Rm 5,12-21), “um só morreu por todos, e que, logo, todos morreram. De fato, Cristo morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou“ (vv. 14-15; cf. Rm 14,7-9).

Pela morte de Cristo morremos ao pecado e ao egoísmo. Vivendo para ele, saímos do fechamento e vivemos de verdade (cf. a simbologia do batismo em Rm 6,4-11): Cristo morto e ressuscitado por nós (por amor a nós) nos oferece sua transcendência (anti-egoísmo) salvadora. Cristo morreu “por todos”, isto é, em nome de todos, como cabeça e representante de toda humanidade. Mas o que tem valor aos olhos de Deus nessa morte é a obediência de amor que ela manifesta, o sacrifício de uma vida inteiramente doada (Rm 5,19; Fl 2,8; cf. Lc 22,42p; Jo 15,13; Hb 10,9-10). Os fiéis, participantes dessa morte pelo batismo (Rm 6,3-6) devem confirmar essa oblação de Cristo pelo seu estilo de vida (Rm 6,8-11).

Assim, doravante, não conhecemos ninguém conforme a natureza humana. E, se uma vez conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não o conhecemos assim (v. 16).

A palavra “carne” é traduzida aqui por ”natureza humana” (nossa liturgia), “critérios humanos“ (Bíblia do Peregrino) ou “aparências” (Bíblia Pastoral). O significado pode ser: conhecer Jesus de maneira humana, uma alusão à perseguição empreendida por Saulo-Paulo antes da sua conversão: Saulo julgava Jesus com critérios humanos inadequados (pela lei na interpretação dos fariseus), o perseguia, até o momento em que, respondendo à sua pergunta “quem és?”, lhe foi revelada a personalidade do “Senhor” (At 9,5). A partir desse momento, Paulo começou a julgar de outra maneira.

Outro significado de “conhecemos Cristo segundo a carne” seria conhecer Cristo histórico antes da sua ressurreição (cf. Rm 1,3; 9,5). Paulo não diz em nenhuma carta que conheceu pessoalmente Jesus de Nazaré assim. Talvez “nós” designe adversários, orgulhosos de ter conhecido Jesus pessoalmente. Paulo afirma que todos, inclusive os que o puderem conhecer (“nós”), devem renunciar a dar importância à proximidade “carnal” com Jesus: vínculos de parentesco, de convívio familiar, de nacionalidade comum (cf. Mc 3,31-35p). De qualquer forma, é a aparição do ressuscitado que funda o apostolado. Os inimigos de Paulo diziam que ele não é apóstolo, porque não foi testemunha ocular da vida terrestre de Jesus, nem lhe conheceu as palavras e atos. Por isso, não podia ser testemunha do Evangelho. No entanto, o apóstolo mostra que o Evangelho não é simples história de Jesus, mas o anúncio de sua morte e ressurreição, que restaura a condição humana, vence a alienação causada pelo pecado e inaugura nova era.

Portanto, se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (v. 17).

Mais uma alusão à ressurreição e ao novo nascimento no batismo (Rm 6,4). A palavra grega ktisis pode significar criação/criatura ou humanidade (cf. Rm 8,19-22). O cristão é criatura, humanidade nova. O “antigo” é a conduta precedente, no caso individual, ou o regime do Antigo Testamento (AT), em termos de história de salvação. A “realidade nova” se vislumbra na volta do exílio em Is 43,18-19 e na escatologia em Is 65,17; no Novo Testamento (NT), na Jerusalém celeste do Apocalipse: “As coisas antigas se foram … Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,4s).

Deus que já havia criado todas as coisas por Cristo (cf. Jo 1,3), restaurou a sua obra desordenada pelo pecado recriando-a em Cristo (Cl 1,15-20). O centro dessa nova criação (cf. Gl 6,15) que interessa ao universo inteiro (Cl 1,19s; cf. 2Pd 3,13; Ap 21,1) é o “homem novo”, criado em Cristo (Ef 2,15; cf. 1Cor 15,22.45) para uma vida nova (Rm 6,4) de justiça e santidade (Ef 2,10; 4,24; Cl 3,10).

E tudo vem de Deus, que, por Cristo, nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação. Com efeito, em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação. Somos, pois, embaixadores de Cristo, e é Deus mesmo que exorta através de nós. Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus (vv. 18-20).

O homem em relação a Deus é ofensor, devedor culpado. Como por si mesmo não pode reconciliar-se, compete a Deus reconciliá-lo consigo; ele o faz por meio de Cristo, que carrega as culpas dos outros (cf. Is 53) para que sejam perdoadas. Só assim o homem perdoado volta a ser “justo e inocente”.

A reconciliação é radical, equivale à nova “criação” (cf. Sl 51,12); é oferecida e comunicada pela mensagem apostólica, “ministério (diakonia) da reconciliação” (v. 18). O homem simplesmente se “deixa” (v. 20) reconciliar, responde a oferta removendo obstáculos e aceitando na fé.

Importante é perceber que a reconciliação não é uma ação do ser humano, que queria aplacar um deus irado, mas é obra de Deus (“tudo vem de Deus”) através de Jesus manifestando seu amor na cruz (cf. Rm 5,5-11). Deus realiza a reconciliação não apontando, “não imputando” os delitos (v. 19; cf. Sl 32,1s).

A cruz de Jesus anunciou o fim da inimizade com Deus e inaugurou a era da reconciliação universal. Enquanto esperamos o dia da ressurreição, Deus escolheu apóstolos para exercer o “ministério da reconciliação… e é Deus mesmo que exorta” através deles. São “embaixadores de Cristo” e falam “em nome de Cristo”, exortando e perdoando (cf. Jo 20,23). Por meio deles, o próprio Senhor Jesus continua sua atividade na terra e convoca todos os homens à reconciliação.

O termo “reconciliação” podia lembrar os coríntios da história da fundação da sua cidade. Em 44 a.C., Júlio César tinha proclamado uma “reconciliação” na cidade deserta de Corinto, acolhendo de todo império, pessoas de passado comprometido, que se beneficiavam de uma anistia. Aqui se aplica a reconciliação ao Cristo, mas o v. 21 indica o quanto custou a Deus está reconciliação.

Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus (v. 21).

Paulo apura a expressão até os limites da linguagem (cf. Gl 3,13; Rm 8,3). Comparam-se as liturgias penitenciais do AT: Na relação bilateral de julgamento contraditório (Sl 50,51; Is 1,10-20; Dn 9,7), um tem a justiça, a razão, e o outro a culpa, o pecado. Deus colocou Cristo, embora inocente, na parte do pecado, por parte de suas consequências, como vítima expiatória (cf. Rm 3,25s). Assim nos colocou na parte da “justiça de Deus”, pelo perdão que Cristo nos conseguiu, já não somos mais injustos.

Evangelho: Mt 5,33-37

No sermão da montanha (caps. 5-7), Mt apresenta Jesus como novo Moisés que transmite a nova lei na montanha (vv. 1-2). Ele não veio para abolir a lei, mas para aperfeiçoar seu cumprimento (vv. 16-19).

Em 5,21-48, Mt apresenta seis exemplos em forma de antítese, para mostrar como é que uma lei deve ser entendida. Nas sinagogas se transmitia o ensino oralmente (“vós ouvistes”) ao povo simples. Na forma repetida da antítese “Vós ouvistes que foi dito aos antigos … Eu, porém, vos digo” (vv. 21-25.27-28.31-34.38-39.43-44), Jesus se apresenta como autoridade soberana, maior que Moisés. A primeira antítese foi sobre o 5º mandamento, a segunda e terceira foram sobre o 6º e 9º mandamento. A quarta que ouvimos hoje é sobre o juramento que se refere ao 2º e 8º mandamento.

Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: “Não jurarás falso”, mas “cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor” (v. 33).

Jesus cita livremente várias normas do AT (Lv 19,12; Nm 30,3; Dt 23,22). Para os judeus, jurar era permitido, até exigido em alguns casos (cf. Nm 5,19-22), mas a preocupação era evitar o nome de Deus (“não pronunciar o nome de Deus em vão” é o segundo mandamento em Ex 20,7) e um perjúrio (“não levantar falso testemunho” é o oitavo mandamento em Ex 20,16; cf. Jr 4,2) e cumprir os votos sagrados (cf. Sl 50,14). Já havia críticas a respeito da mania de jurar (Os 4,2; Eclo 23,9-11). A necessidade de juramentos é sinal de que a mentira e a desconfiança pervertem as relações humanas. Jesus exige relacionamento em que as pessoas sejam verdadeiras e responsáveis.

Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei (vv. 34-35).

Para não pronunciar o nome de Deus, jurava-se invocando fórmulas substitutas, mas nem estas Jesus aceita: “nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o suporte onde ele apoia os pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei“ (vv.34-35; cf. Is 66,1: Sl 48,3; Mt 23,16-22).

Não jures tão pouco pela tua cabeça, porque tu não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo (v. 36).

A grandeza e majestade de Deus contrastam com a fraqueza e impotência do homem (cf. 6,27.34; 10,30).

Seja o vosso “sim”: “Sim”, e o vosso “não”: “Não”. Tudo o que for além disso vem do Maligno (v. 37).

Jesus é categórico: “Seja o vosso ‘sim’, ‘sim’ e o vosso ‘não’, ‘não’” (v. 37). Essa fórmula já se encontra em 2Cor 1,17-19 e Tg 5,12; pode-se entender como veracidade (se é sim, diz “sim”; se é não, diz “não”) ou como sinceridade (que e vosso sim ou não dos lábios corresponda ao sim ou não do coração) ou como solenidade (a repetição do sim ou do não seria uma forma solene de afirmação ou de negação, que deveria bastar, dispensando o recurso a um juramento que envolvia a divindade).

O final da sentença, “tudo o que for além disso virá do maligno”, demonstra que Jesus, em Mt, não quer mesmo qualquer juramento. No seu processo diante do sinédrio, evita o juramento para declarar sua filiação divina, respondendo ao sumo sacerdote: “Tu o disseste” (26,63-64). Mas há outros trechos no NT a respeito: o autor de Hb 6,13-18 lembra o juramento do próprio Deus a Abraão (“juro por me mesmo”, Gn 22,16-17). O apóstolo Paulo também jurava várias vezes, invocando Deus como testemunha da sua evangelização (Rm 1,9; 2Cor 1,23; Gl 1,20; Fl 1,8; 1Ts 2,5).

Na história da Igreja, juramentos foram se introduzindo mais e mais com a aliança de Igreja e Estado desde Constantino (séc. IV): juramentos da bandeira pelos soldados, juramento de lealdade pelos funcionários. Então a Igreja preocupava-se em substituir os juramentos pagãos por fórmulas cristãs. S. Bento proibiu ainda o juramento na sua regra, mas S. Tomás de Aquino proibiu só juramentos sem necessidade e sem cautela. Lutero, distinguindo dois reinos (mundo civil, igreja), declarou que juramentos mandados não são atingidos por Mt 5,33. Na prática, os protestantes aceitam jurar numa das condições seguintes: assunto importante; a honra de Deus está no jogo; pelo bem do próximo ou mandado pela autoridade. Na Igreja Católica, basta olhar no índice do Código do Direito Canônico (13 itens a respeito) para ver o quanto a proibição de juramento por Jesus perdeu importância na própria Igreja.

O site da CNBB comenta: Vós ouvistes o que foi dito aos antigos … Eu, porém, vos digo. Quem quer conhecer verdadeiramente Jesus não pode se contentar com as coisas antigas, mas deve buscar sempre a novidade do Evangelho. Isso significa que até mesmo o Evangelho não pode tornar-se antigo, tornar-se uma narrativa de fatos passados. O Evangelho deve ser para nós sempre uma novidade, um desafio à descoberta de novos valores que devem marcar a nossa vida e renovar a nossa comunidade e a nossa sociedade. A novidade do Evangelho é sempre atual e insuperável, e aponta para todos nós novos caminhos que devem ser trilhados a fim de que consigamos uma maturidade cada vez maior na fé.

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