15 de novembro de 2017 – Quarta-feira, 32ª semana

Leitura: Sb 6,1-11

Continuamos lendo o livro mais novo do AT, escrito por um judeu anônimo na cidade de Alexandria no Egito, cerca de 50-30 a.C. na língua grega (por isso não entrou na Bíblia hebraica dos judeus e nem na dos protestantes).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 842) comenta: Em Alexandria, a maioria da população na época era pobre e excluída, como os imigrantes judeus. Do outro lado estavam os cidadãos romanos, ricos e poderosos, que abusavam do poder. O sábio denuncia tal situação, afirmando que todo poder vem de Deus (Dn 2,21; Pr 8,15-16; Rm 13,1) e foi confiado aos reis para governarem com justiça. Ora dado que estes agem assim, serão derrubados do trono (v. 5; cf. Lc 1,52), enquanto os pequenos serão tratados com misericórdia.

Os vv. da leitura de hoje constituem a ligação importante da primeira seção (caps. 1-5) com a segunda (cap. 6-9), uma transição do tema da justiça para o da sabedoria. O autor procede da seguinte maneira: chama os destinatários (vv. 1-2), ministros da justiça (v. 3) que terão de prestar conta ao soberano justo (vv. 4-8); para que possam sair ilesos do julgamento futuro, lhes oferece a sabedoria como solução (vv. 9-10).

A versão latina (Vulgata) começa o capítulo com uma adição que sem dúvida é um título: “A sabedoria é melhor que a força, e o homem prudente melhor que o forte”.

Escutai, ó reis, e compreendei. Instruí-vos, governadores dos confins da terra! Prestai atenção, vós que dominais as multidões e vos orgulhais do número de vossos súditos (vv. 1-2).

Novamente, aqui e em v. 9, a autor retoma a interpelação inicial (1,1) aos “reis”, “governadores” e juízes (cf. 1,1), prolongando-a com mais insistência e, utiliza mais uma vez o convite a escutar (Sl 2,10; Is 1,10; Eclo 33,19), mas diferentemente de 1,1, a atenção se fixa sobre a condição dos soberanos e sobre suas responsabilidades. O horizonte é nitidamente universalista (em At 1,8, os apóstolos serão as testemunhas de Jesus até os “confins da terra”). É bem provável que haja uma alusão ao poder do Império Romano, sobre seu orgulho e o domínio (cf. Pr 14,28; Mc 10,42-45).

Pois o poder vos foi dado pelo Senhor e a soberania, pelo Altíssimo. É ele quem examinará as vossas obras e sondará as vossas intenções; apesar de estardes ao serviço do seu reino, não julgastes com retidão, nem observastes a Lei, nem procedestes conforme a vontade de Deus (vv. 3-4).

A autoridade e o “poder” vêm de cima ou de baixo? Antes, na monarquia, o rei se atribuiu esse poder, hoje, na democracia, o povo o confere através do voto. Mas, na Bíblia, quem concede autoridade é Deus, porém, é para servir ao povo (cf. o ideal do messias em Sl 72). Esta doutrina da origem divina do poder fora afirmada pelo AT sob diferentes formas (cf. Pr 8,15-16; Dn 2,21.37; 4,14; 5,18; 1Cr 29,12; Eclo 10,4; e no NT: Lc 1,52; Jo 19,11; Rm 13,1).

O autor lhe dá maior rigor ainda e a prolonga fazendo de todos os príncipes sem exceção “servos” (ministros) da realeza de Deus: “a serviço do seu reino”. Para servir a um “Deus desconhecido” (cf. At 17,23), os reis pagãos devem observar “primeiro a lei natural, de que a consciência é interprete (cf. Rm 2,14), mas sem dúvida também as diferentes legislações positivas que a precisam e que os reis pagãos devem observar para se distinguir dos tiranos” (Bíblia de Jerusalém, p. 1212).

Por isso, ele cairá de repente sobre vós, de modo terrível, porque um julgamento implacável será feito sobre os poderosos. O pequeno pode ser perdoado por misericórdia, mas os poderosos serão examinados com poder (vv. 5-6).

O que seria justo, julgar conforme as responsabilidades confiadas (cf. Lc 12,47s; Mc 12,40p). Infelizmente, no Brasil e outros países, se pratica o contrário: a lei é dura e pesada só para os pobres, mas para aqueles de cima, não vale, não se aplica. Assim um pobre entra na cadeia facilmente e dificilmente sai, enquanto um rico dificilmente entra na cadeia e facilmente sai. O julgamento de Deus será inverso (cf. Lc 1,51-53; 6,20-26).

O Senhor de todos não recuará diante de ninguém nem se deixará impressionar pela grandeza, porque o pequeno e o grande, foi ele quem os fez, e a sua providência é a mesma para com todos; mas para os poderosos, o julgamento será severo (vv. 7-9).

Deus age com toda liberalidade e imparcialidade (Dt 10,17; 1,17; 2Cr 19,7; Jó 34,17-19; Eclo 35,15 (11-12) e 18,13(12); cf. At 10,34s; Rm 2,11; Gl 2,6; Ef 6,9; Cl 3,25; Tg 2,1; 1Pd 1,17), “o rico e o pobre” (cf. Pr 22,2; Lc 16,19-31).

A vós, pois, governantes, dirigem-se as minhas palavras, para que aprendais a Sabedoria e não venhais a tropeçar (v. 9).

Novamente o autor se dirige aos “governantes” (v. 1; cf. 1,1; cf. Pr 16,10) e oferece a sabedoria para prevalecer no julgamento.

Os que observam fielmente as coisas santas serão justificados; e os que as aprenderem vão encontrar sua defesa (v. 10).

A Bíblia do Peregrino (p. 1537) comenta: Dois casos possíveis no julgamento: quem cumpriu plenamente, quem necessita e obtém um defensor. Se o homem se educou na escola dessas sanções divinas, elas se converterão em advogado defensor no dia das contas.

Talvez ao autor distinga duas categorias: os reis de Israel (judeus) que já conhecem as “coisas santas” em primeiro lugar, e depois os soberanos pagãos, convidados a fazer-se prosélitos: “aprender” a Lei do único Deus e aderir ao judaísmo (pela circuncisão). Aqueles que observam religiosamente a vontade divina, serão “justificados”, reconhecidos “santos” (lit.; cf. 5,5: participarão da convivência dos anjos).

Portanto, desejai ardentemente minhas palavras, amai-as e sereis instruídos (v. 11).

Conclui em inclusão; contando já com um público ávido, o autor fictício Salomão poderá pronunciar seu longo discurso em seguida, um elogio da sabedoria (6,12-9,18).

 

Evangelho: Lc 17,11-19

No evangelho de hoje, Lc conta uma cura de lepra semelhante à de 5,12-16 (copiada de Mc 1,10-45), só desta vez são dez leprosos e um desses é samaritano cuja reação é elogiada por Jesus (cf. a parábola do bom samaritano em 10,29-37).

Hoje a lepra se chama hanseníase (segundo o médico Hansen que descobriu sua causa e cura em 1874). Na antiguidade, era a doença mais temida. Na Bíblia, embora nem sempre se trate de lepra em sentido clínico, é descrita como doença grave e contagiosa, de pele, que impede a participação no culto e na vida civil ordinária. O livro de Levítico regula a conduta desses doentes, pensando mais em proteger os outros do contágio do que em prestar ajuda aos necessitados. Também regula a conduta em caso de cura: cabo aos sacerdotes examinar, opinar, dar ou negar a permissão para a reincorporação plena à sociedade (Lv 13,45-46; 14,2). Um caso parecido, embora menor, se conta da irmã de Moises (Miriam, em grego Maria), que foi confinada sete dias fora do acampamento (Nm 12,9-16). O general sírio, Naamã foi curado da lepra nas águas do rio Jordão e se converteu ao Deus de Israel (2Rs 5, citado em Lc 4,27). Muito curiosa é a atuação de quatros leprosos durante o cerco de Samaria (2Rs 7)

Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia (v. 11).

“Entre a Samaria e a Galileia”: esta menção geográfica não é exata, pois as duas regiões são limítrofes (outras traduções: atravessava…, ou, através da Samaria e da Galileia). Lc talvez imagine uma estrada na divisa para alcançar o vale do Jordão e descer até Jericó (18,35), de onde Jesus subirá a Jerusalém, Lc abre uma nova seção de viagem (17,11-19,28), como em 9,51 e 13,22.

Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, e gritaram: “Jesus, mestre, tem compaixão de nós!” (vv. 12-13).

Os doentes incuráveis se movem em grupos. Quando chega Jesus, ficam a certa distância (como ordena Lv 13,45s), para não contaminarem a quem se aproxima: “Afasta-te, estou impuro, afasta-te, não me toqueis!” (Lm 4,15); e daí gritam pedindo ajuda (cf. 16,24; 18,38s; Mt 9,27; 15,22).

Aqui é a única vez em que o termo epistátes (“mestre”) não é pronunciado por um discípulo. Este termo só se encontra em Lc (5,5; 8,24.45; 9,33.49) e indica uma fé mais profunda na autoridade de Jesus do que o habitual didáskalos (“professor”, também traduzido por mestre; cf. 11,45 etc.).

Ao vê-los, Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados (v. 14).

A ordem que Jesus dá implica o processo de cura, pois adianta o final, o testemunho oficial dos sacerdotes (Lv 13,19; 14,2-3). Diferentemente de 5,13-14p, a cura acontece somente um tempo depois do encontro com Jesus. Ao obedecer a Jesus, estes leprosos já demonstram fé e confiança, pois do contrário evitariam o diagnóstico oficial.

Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano (vv. 15-16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2513) comenta: Pelo caminho de ida descobrem que estão curados, sem necessidade de abluções, banhos e vários ritos, e então um volta sem mais para agradecer, enquanto os outros, cumprindo o mandado de Jesus, preocuparam-se com o aspecto jurídico, ou seja, de serem oficialmente declarados curados. É frequente no Saltério que o homem curado ou libertado acorra a dar graças a Deus na presença de uma assembleia (Sl 31,22-25).

Aqui um dos curados, adiando o requisito legal, “voltou glorificando a Deus em alta voz” (“glorificar a Deus” é tema estimado por Lc, cf. 1,64; 2,20.28.38; 5,25s; 7,16; 13,13; 17,15.18; 18,43; 19,37; 23,47; 24,53; At 2,47; 3,8s; 4,21; 21,20). Ele dá graças a Jesus e se prostra a seus pés: uma síntese significativa.

A gratidão a Jesus pela salvação é componente essencial da vida cristã. A palavra grega eucaristia significa “ação de graças” e tornou-se termo litúrgico pela “fração de pão” (At 2,42.46; 20,7.11; 27,35; cf. Lc 2,19p; 24,30.35; 1Cor 10,16; 11,20-43), em latim será chamada “missa”. Podemos reconhecer vários elementos litúrgicos neste texto: invocar a Jesus, pedido, volta (conversão), louvor a Deus, ajoelhar, prostrar, agradecer, despedida.

Então Jesus lhe perguntou: ”Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” E disse-lhe: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (vv. 17-19).

O gesto do samaritano (meio pagão) põe em relevo a ingratidão dos nove judeus, que parecem esquecer-se de deveres elementares ou não reconhecer a mediação de Jesus. O texto não diz que os “outros nove” eram judeus, mas podemos supor pelo contexto. O texto revela certa decepção e amargura de Jesus sobre a ingratidão do próprio povo que não o reconhece (cf. Lc 4,24-30; 19,41-44; Rm 9,1-5).

Mais uma vez, apesar de 9,51-56, o samaritano é apresentado como bom exemplo (cf. 10,29-37). Os judeus evitavam as relações com samaritanos (a não ser em caso de grave necessidade como aqui neste grupo de leprosos). Eles os odiavam por causa de suas origens bastardas e divergências religiosas (2Rs 17; Esd 4; Eclo 50,25-26; cf. Jo 4,9; 8,48). Jesus rompe com essas querelas (9,51-56; 10,33-37; 17,16-19; At 8,5-25; cf. Jo 4,4-42). Os samaritanos serão os primeiros a acolher o Evangelho fora de Israel (At 1,8; 8,4-8; Jo 4). Este fato pode ser o motivo pelo qual Lc inseriu aqui esta cura preparando assim a sua segunda obra, os Atos dos Apóstolos em que narra a acolhida do evangelho partindo de Jerusalém para a região de “toda a Judeia e a Samaria e até os confins da terra” (At 1,8).

“Tua fé te salvou” (7,50; 8,48; 18,42): e os outros nove? Jesus os curou, apesar de não terem fé? Ou a salvação de que se fala abrange mais que uma simples cura? Os padres da Igreja compararam a lepra com o pecado (original), fácil de contagiar e difícil de curar. Só com a conversão e a fé em Jesus, pelas águas do batismo (cf. a função do rio Jordão na cura de Naamã em 2Rs 5), estaremos salvos.

O site da CNBB comenta: Jesus não quer simplesmente realizar a cura das pessoas, ele quer a libertação integral e a reinserção social de todos os que são por ele curados. Quando Jesus manda que os dez leprosos se apresentem diante dos sacerdotes, ele está realizando a cura deles e quer que eles tenham autorização para voltar a participar ativamente da vida comunitária, o que não era permitido aos leprosos, que eram considerados impuros e, por isso, excluídos da sociedade. Somente quando os sacerdotes constatavam a cura da lepra, poderiam voltar ao convívio de todos.

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