15 de Novembro de 2018, Quinta-feira: Gostaria de tê-lo comigo, a fim de que fosse teu representante para cuidar de mim nesta prisão, que eu devo ao evangelho (v. 13).

Leitura: Fm 7-20

Ouvimos hoje o trecho central da carta mais breve e pessoal de Paulo. É a única escrita inteiramente de próprio punho (v. 19), com apenas um capítulo sobre um assunto de maior gravidade: O direito de todas as pessoas à sua plena liberdade, o sistema escravista no Império romano e as relações fraternas na comunidade cristã. O apóstolo escreve na prisão, talvez em Éfeso, Cesareia ou Roma, acompanhado das mesmas pessoas (vv. 1.23s; cf. Fl 1,1; 2,19.25; Cl 4,7-13; 2Tm 4,11s).

A carta é um bilhete de recomendação em favor de Onésimo, um escravo que fugiu do seu patrão Filêmon, provavelmente após ter cometido algum furto (v. 18). Onésimo procurou o apoio de Paulo, que estava na prisão (vv. 1.9.10.13), e acabou convertendo-se ao cristianismo (v. 10). A lei romana prevê penas severas para o delito de fuga de escravo, mas Paulo não a leva em conta e manda-o de volta a Filêmon, pedindo a este que o trate como irmão (v. 16).

O argumento central é que o ser humano não seja como escravo, e sim como irmão, tanto da lei, quanto na realidade nova do cristianismo. Uma vez que alguém se torna irmão, não pode mais ser tratado como escravo. Enfim, o evangelho derruba as diferenças e esvazia o estatuto da escravidão (1Cor 12,13; Gl 2,28; Cl 3,11).

O destinatário Filêmon parece ser membro importante da igreja (de Colossas? cf. os nomes nos vv. 2.9 com Cl 4,9.17), ao ponto de reunir uma igreja (assembleia) em sua casa (vv. 1-2). O fato de Onésimo voltar com Tíquico para Colossas (Cl 4,7-9) faz supor que esta carta a Filêmon foi escrita na mesma data que a carta aos Colossenses. Muitos biblistas, porém, consideram a carta aos Colossenses deuteropaulina, ou seja, escrita por um discípulo de Paulo na segunda geração cristã (citando nomes conhecidos das cartas antigas de Paulo). Fm, porém, é uma das sete cartas consideradas autênticas de Paulo (Rm; 1-2Cor; Gl; Fl; 1Ts e Fm). O estilo é afetuoso e persuasivo, juntando vários argumentos para convencer aos poucos sem dar ordens autoritárias.

A Bíblia Pastoral (p. 1472) comenta: Embora a carta interesse particularmente a Filêmon, é dirigida a toda a comunidade que se reúne na casa dele. Poderíamos suspeitar de que Paulo tem intenção de fazer uma catequese para a comunidade, a partir de um caso particular: a atitude do líder da comunidade para com o escravo fugitivo teria sérias consequências para o testemunho cristão.

Grande alegria e consolo tive por causa de tua caridade. Os corações dos santos foram reanimados por ti, irmão (v. 7).

Em seu estilo persuasivo, o apóstolo começa agradecer e elogiar em Filêmon a fé que se expressa em atitudes concretas de amor e “caridade” (vv. 4-7; cf. Gl 5,6), causando “alegria” a todos os membros da comunidade que Paulo costuma chamar de “santos” (vv. 4.7; cf. Rm 1,7; 8,27; 12,13; 16,2.15; 1Cor 1,2; 6,1s; 14,33; 2Cor 1,1; 13,12; Fl 1,1; 4,21; Cl 1,2 etc.; ou assim designa os cristãos na Palestina (At 9,13.32.41; Rm 15,26.31; 1Cor 16,1.15; 2Cor 8,4; 9,1.12).

No início da carta, Filêmon foi chamado de “nosso caríssimo (lit. muito amado) colaborador” (v. 1), depois é chamado de “irmão” (v. 7) como os companheiros de Paulo, Timóteo (v. 1; 2Cor 1; Cl 1,1; cf. Sóstenes em 1Cor 1,1) e como outra destinatária em v. 2, a “irmã Ápia” (esposa de Filêmon?). Assim, Paulo aproxima a santidade à fraternidade.

Por este motivo, se bem que tenha plena autoridade em Cristo para prescrever-te tua obrigação, prefiro fazer apenas um apelo à tua caridade. Eu, Paulo, velho como estou e agora também prisioneiro de Cristo Jesus (vv. 8-9).

Paulo está consciente da sua “plena autoridade” apostólica para impor uma ação concreta, especialmente a um convertido seu (v. 19). Mas sabe renunciar a seus direitos em favor de outros (cf. 1Cor 9) e considera mais eficaz o caminho do amor que o da imposição (“obrigação”). “Velho que estou”; lit. presbítero – “ancião” que se refere aqui à idade, a partir dos cinquenta anos. O apóstolo “prisioneiro” é semelhante ao escravo, pois lhe falta a liberdade; mas, sendo por Cristo, o preso deve sentir-se livre.

Faço-te um pedido em favor do meu filho que fiz nascer para Cristo na prisão, Onésimo. Antes, ele era inútil para ti; agora, ele é valioso para ti e para mim. Eu o estou mandando de volta para ti. Ele é como se fosse o meu próprio coração (vv. 10-12).

“Meu filho que fiz nascer para Cristo” (cf. 1Cor 4,15; Gl 4,19). Paulo considera Onésimo como filho, porque foi graças a ele que Onésimo se converteu. “Antes, ele era inútil para ti”, Paulo faz um jogo de palavras com o nome de “Onésimo” que significa “útil” (cf. Fl 4,3).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2337) comenta as circunstâncias: Tal situação, porém, ao prolongar-se corria o risco de se tornar-se melindrosa: Filêmon podia tomar-se de ressentimentos pela indiscrição de Paulo que, sem ter recebido consentimento seu, nem sequer avisado, tomara a seu serviço um escravo fugitivo. Ademais, consoante o direto em vigor, Paulo, ao conservar consigo um fugitivo, tornava-se cúmplice de grave infração do direito privado. Finalmente, o próprio Onésimo arriscava-se a ser procurado e posto na cadeia antes de, à força, o devolverem a seu dono, que podia infligir-lhe um grave castigo. Compreende-se por isso que Paulo tenha resolvido devolver Onésimo a seu dono.

O escravo fugitivo foi acolhido por Paulo, pela conversão é “filho” seu, deve ser livre (cf. Rm 8,15) e tem o carinho paterno. Mas Paulo renuncia ao segundo direito e devolve o fugitivo, embora com ele vão as “entranhas” do apóstolo: sua caridade não é fria nem distante. “Ele é como se fosse o meu próprio coração”, a tradução latina (Vulgata) tem: “mas tu recebe-o como meu próprio coração” (cf. v. 17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1467) comenta: Com diversos argumentos, a carta convence que o amor cristão supera as diferenças entre escravos e livres. O apóstolo apela para sua condição de velho prisioneiro, de pai espiritual de Onésimo, e para a utilidade que o escravo poderia representar para ele. De fato, Onésimo quer dizer “útil”. Daí o jogo entre o antigo escravo inútil, e agora liberto e útil (v. 11).

Gostaria de tê-lo comigo, a fim de que fosse teu representante para cuidar de mim nesta prisão, que eu devo ao evangelho (v. 13).

“Nesta prisão, que eu devo ao evangelho”, lit. nos vínculos do Evangelho. Paulo não está preso por acaso, faz parte da sua missão apostólica; e uma participação nos sofrimentos de Cristo (Cl 1,24)

Mas, eu não quis fazer nada sem o teu parecer, para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea. Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor (vv. 14-16).

Paulo não visa à abolição da escravatura, que está fora do alcance do pequeno grupo cristão. Mas introduz um novo sistema de relação cristã, capaz de mudar a relação humana. Ao vínculo de posse sobrepõe-se o de fraternidade, que é definitivo.

”Se ele te foi retirado”, retirado por Deus, que permitiu a fuga de Onésimo, para o bem final de todos. Em termos econômicos, Filêmon saia perdendo (“por algum tempo”); mas ao final pode sair ganhando (“para sempre”). Sabe-se hoje, que um trabalhador bem tratado e motivado produz mais e melhor.

“Tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor”, lit. segundo a carne e segundo o Senhor. Paulo pede a Filêmon que considere Onésimo como um irmão, não só na fé, mas renunciando a castigá-lo, como autorizava o direito. Assim, implicitamente, o Evangelho põe em questão o próprio estatuto da escravatura. A Bíblia de Jerusalém (p. 2240) comenta: Aos laços naturais “na carne” (sentido literal do grego…) entre o escravo e seu senhor, foram acrescentados os laços “no Senhor”. Sem deixar de ser escravo (cf. 1Cor 7,20-24), embora Paulo sugira a Filêmon que o liberte (vv. 14-16.21), Onésimo doravante será um irmão para Filêmon. Diante do único Senhor dos céus (Ef 6,9) não há mais Senhor nem escravo (1Cor 12,13; Cl 3,22-25).

Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo (v. 17).

Paulo vai mais longe ao sugerir receber Onésimo não apenas como irmão, mas “como se fosse a mim mesmo” (cf. a identificação de Cristo com os discípulos e com os necessitados em Mt 10,40-42p; 25,31-46; Jo 13,20).

Se em alguma coisa te prejudicou ou se alguma coisa te deve, põe em minha conta. Eu, Paulo, de meu punho o escrevo; eu o pagarei, para não dizer que tu mesmo me deves a própria vida. Sim, irmão, deixa que eu te explore no Senhor. Conforta em Cristo meu coração (vv. 18-20).

Os argumentos se tornam mais decisivos com o apelo para a dívida de amigo, para a obediência e para a generosidade (cf. v. 21 omitido pela nossa liturgia). Parece que o escravo fugitivo tinha também furtado alguma coisa na casa do seu senhor. Usando de fato a linguagem comercial ou fingindo usá-la, Paulo está disposto a pagar os prejuízos causados pelo escravo fugitivo, já que na prisão desfrutou de seus serviços. Embora a rigor Filêmon seja mais devedor, porque também ele tinha sido convertido por Paulo, já não se pertence: nada pode recusar ao Evangelho e ao mensageiro deste: “tu mesmo me deves a própria vida”.

“Eu, Paulo, de meu punho o escrevo”. Para acentuar a seriedade do seu compromisso, Paulo em pessoa escreve essas breves palavras – ao passo que o seu costume era ditar (cf. Rm 16,22).

A escravidão era comum na época, os filósofos gregos consideravam-na “natural” (Aristóteles). Mas na Bíblia, Deus ouve o clamor dos escravos e decide libertá-los (Ex 3,7-9). Houve uma insurreição de escravos no império romano: o gladiador Espártaco conseguiu juntar quase 100 mil escravos num exército rebelde, mas foi derrotado e crucificado com milhares de companheiros em 71 a.C.. Paulo não podia exigir uma abolição da escravatura, mas com tato e coração introduz a fraternidade cristã (junto com a liberdade e igualdade) num caso concreto e como norma para transformar as estruturas do pecado.

A Bíblia Pastoral (p. 1472) comenta: Paulo não pensava certamente em criticar o estatuto da escravidão, comum em seu tempo, provocando assim uma revolução social. Os cristãos ainda não tinham força para exigir transformações estruturais da sociedade. Mas o Apóstolo implicitamente declara que a estrutura vigente não é legítima. De fato, mostrando que as relações dentro da comunidade cristã devem ser fraternas, Paulo esvazia completamente o estatuto da escravidão e a desigualdade entre as classes. Em Cristo todos são irmãos, com os mesmos direitos e deveres. E só Cristo é o Senhor.

 

Evangelho: Lc 17,20-25

Lucas juntou umas frases referentes à chegada do reino ou à vinda do messias (filho do homem). Ambas estão na tensão escatológica: “desde já” e “ainda não”. Em Jesus, o messias e o reino de Deus “já” chegaram (“está entre vós”), mas “ainda não” se manifestou plenamente o que será no fim dos tempos que permanece imprevisível (“dias virão”).

A Bíblia do Peregrino (p. 2514) comenta: Como em outras ocasiões, Lc reparte uma instrução em duas seções, uma para os discípulos, outra para os demais. Desta vez responde primeiro aos fariseus sobre o tempo do reinado de Deus (vv. 20s) e depois instrui os discípulos sobre a vinda do Messias (vv. 21-30). A segunda parte é como uma antecipação do grande discurso escatológico do cap. 21.

Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘Está ali’, porque o Reino de Deus está entre vós” (vv. 20-21).

A expressão “reino/reinado de Deus” é quase exclusiva de Jesus. Mas um conteúdo semelhante, com outros aspectos, era conhecido, esperado e objeto de especulações entre os fariseus e no gênero apocalíptico (cf. Dn 9,2). Dois salmos anunciam a chegada de Javé Deus como rei (Sl 96,13-14; 98,8-9). A data da vinda da vinda do Reino de Deus era grande questão para o judaísmo da época. Os rabinos e os apocalipses procuravam “sinais” que permitissem fixá-la (cf. 11,16.29p; 12,54-56p; cf. 1Cor 1,22; Jo 2,11 etc.).

Muitos judeus esperavam a restauração política de Israel (cf. At 1,6; Lc 24,21). Como Jesus anunciou várias vezes a chegada do reinado de Deus (Mc 1,15p), os fariseus o identificam com sua expectativa e lhe perguntam a data exata.

Jesus evita uma resposta em termo de cronologia. O reino de Deus está presente entre eles desde já, na pessoa e ação de Jesus; assim proclamou-o na sinagoga de Nazaré (4,16-21). Só falta que o queiram reconhecê-lo. Jesus declara que o reino “está entre vós” como uma realidade já atuante. Costuma-se traduzir também: “dentro de vós” (nos vossos corações) o que não parece diretamente indicado pelo contexto. A resposta conserva e aumenta a vigência no tempo da igreja pela presença do Ressuscitado (cf. Mt 28,20: “Eu estou convosco até o fim dos tempos”). Para Jesus, os sinais da vinda do reino não dependem da observação, mas da fé. Basta que acolham a ele para encontrar este reino desde já (cf. 12,54-56).

E Jesus disse aos discípulos: “Dias virão em que desejareis ver um só dia do Filho do Homem e não podereis ver. As pessoas vos dirão: ‘Ele está ali’ ou ‘Ele está aqui’. Não deveis ir, nem correr atrás. Pois, como o relâmpago brilha de um lado até ao outro do céu, assim também será o Filho do Homem, no seu dia. Antes, porém, ele deverá sofrer muito e ser rejeitado por esta geração” (vv. 22-25).

Depois Jesus se dirige aos discípulos para exortá-los à vigilância. Os discípulos não desejarão rever “um dos dias” de sua existência terrestre ou contemplar o primeiro dia de sua manifestação gloriosa, mas gozar de um só dos dias que a seguirão. “Dias virão” (19,43; 21,6; 23,29) é fórmula profética (Jr 7,32; Ez 7,12; Is 39,6) indicando tempos difíceis de provação. Falsos profetas e pretendentes de messias (cf. At 5,36s) causarão confusão. O Filho do Homem no seu dia será imprevisível, evidente e surpreendente “como o relâmpago” (cf. 9,29; At 9,3; Sl 77,19), não será oculto nem secreto.

O texto distingue “dias” e o “dia”. Segundo o ensinamento tradicional, há dias de Javé nos quais o Senhor intervém de forma extraordinária na história; há também o decisivo “dia de Javé”, num futuro indefinido (cf. Am 5,18 etc.). Exemplo clássico de ambos é o livro de Joel: a praga dos gafanhotos e a libertação são um dia de intervenção divina (Jl 1-2); nos capítulos seguintes anuncia-se “o dia do Senhor, grande e terrível” (Jl 3,4). Também o “filho do homem” (figura humana contrastando as bestas-feras em Dn 7,13s) tem seus tempos (Dn 9,2.24-26 e 12,11-12 suscitaram cálculos e especulações).

Os discípulos quererão assistir alguns desses dias (v. 22) e não o obterão; ao contrário, devém esperar “o dia” (vv. 24.30-31). Tempo e lugar não são previsíveis; só é certo que “antes deve” acontecer a paixão do Cristo (v. 25; cf. 9,22p.44p) no final do caminho, em Jerusalém.

No site da CNBB comenta-se: O Evangelho de hoje nos mostra que precisamos reconhecer a presença do Reino de Deus no meio dos homens para que possamos reconhecer a presença de Jesus em nosso meio. E vamos encontrar Jesus presente no meio de nós nos que sofrem, que são rejeitados, que são excluídos da sociedade. A sociedade não quer viver os valores do Reino de Deus e vive do egoísmo, do acúmulo de bens, da busca desenfreada de poder e de prazer, da escravidão dos vícios, etc. Os membros dessa sociedade vivem uma fé superficial, materialista, mesquinha e descompromissada, que faz com que queiram ver Jesus, mas não possam vê-lo, pois não o reconhecem nos pobres e necessitados.

 

 

 

Voltar