15 de Novembro de 2019, Sexta-feira: Quem procura ganhar a sua vida, vai perdê-la; e quem a perde, vai conservá-la (vv. 31-33).

32ª Semana do Tempo Comum

Leitura: Sb 13,1-9

Com o cap. 13 começa a quarta parte do livro de Sabedoria, o livro mais novo do AT, escrito em grego por um judeu anônimo por volta de 50-30 a.C. na cidade de Alexandria no Egito. Na tradição sapiencial, havia a grande oposição entre as duas personificações, Sabedoria e Insensatez (cf. Pr 9). O autor de Sb já dedicou uma seção inteira à sabedoria (Sb 6-10). A contrapartida agora é a idolatria que os insensatos praticam (Sb 13-15).

Podemos resumir num esquema: Os poderosos (governantes) precisam da sabedoria para praticar a justiça porque prestarão contas (cf. Sb 6; leitura de 4ª feira passada). Os homens insensatos que praticam a idolatria caem na injustiça e nos vícios e prestarão contas (cf. o esquema em Rm 1,18-32).

Na leitura de hoje, o autor descreve o processo da idolatria que começa com a divinização da natureza. A Bíblia do Peregrino (p. 1555s) comenta: A primeira forma de extravio religioso é o culto de seres ou elementos da criação. O autor reconhece uma série de valores no processo: a contemplação da natureza, a estima e admiração; o erro é não ter transcendido refletindo sobre a realidade valiosa desses seres. Os seres se repartem nos três elementos; ar, água e fogo (falta a terra). As qualidades selecionadas são bem gregas: a beleza, a potência e o ato, a analogia. Esse fragmento costuma ser comparado com o discurso de Paulo no Areópago (At 17,22-31).

A propósito do culto aos animais (comum no Egito, cf. 11,15; 12,24), o autor faz uma crítica geral à idolatria em suas três grandes formas: divinização das forças naturais e dos astros (13,1-9); culto aos ídolos fabricados pelo homem (13,10-15,17); culto aos animais-deuses (15,18s). Sem dúvida, ele se inspira num esquema corrente, pois classificações análogas são encontradas em outros lugares nos escritos do judaísmo helenizado, particularmente em Fílon (filósofo judeu em Alexandria, 20 a.C. a 50 d.C).

São insensatos por natureza todos os homens que ignoram a Deus, os que, partindo dos bens visíveis, não foram capazes de conhecer aquele que é; nem tampouco, pela consideração das obras, chegaram a reconhecer o Artífice (v. 1).

O espetáculo da criação e o estudo da natureza deveriam conduzir o espírito humano a um Deus transcendente e criador de tudo. Mas disso não foram capazes os “insensatos” (lit. “vãos”): adjetivo de estirpe bíblica. Isaías o atribui aos fabricantes de ídolos (Is 44,9), Jeremias a ídolos e idolatras (Jr 2,5;10,14-15). “Aquele que é”, é a versão grega do nome divino Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14; Ap 1,4). “Artífice” é título grego, assim é chamada a sabedoria em 7,21 e 8,6; o universo é concebido como uma obra fabricada por uma causa inteligente (cf. “inteligent design”, termo usado pelos criacionistas).

Tomaram por deuses, por governadores do mundo, o fogo e o vento, o ar fugidio, o giro das estrelas, a água impetuosa, os luzeiros do dia (v. 2).

O autor de Sb não visa ao culto prestado por diversos povos a tal ou qual força natural, mas as crenças filosóficas e científicas que divinizam os elementos da natureza. Os filósofos gregos tinham dado sucessivamente prioridade a este ou aquele elemento (fogo, água, …). A divinização dos astros (Dt 4,19; 17,3; Jó 31,26-28) permanecia uma constante no pensamento grego (cf. os nomes dos planetas e constelações até hoje), mas a filosofia estoica é especialmente visada aqui, ex. o “vento” poderia ser o “espírito” ou “alento” do cosmo, a “água” seria o oceano cósmico; os “luzeiros do céu”, cf. Gn 1,16.

Se, encantados por sua beleza, tomaram estas criaturas por deuses, reconheçam quanto o seu Senhor está acima delas: pois foi o autor da beleza quem as criou (v. 3).

A atenção particular à beleza é característica dos gregos (cf. arte clássica), aqui misturado com reminiscências hebraicas (cf. também vv. 5.7; Eclo 43,9-12). O AT frequentemente celebra a grandeza e o poder de Deus na criação (Jó 36,22-26; Is 40,12-14, etc.), mas não a beleza do universo concebido como uma obra de arte refletindo seu autor (cf. Rm 1,20).

Se ficaram maravilhados com o seu poder e a sua atividade, concluam daí quanto mais poderoso é aquele que as formou (v. 4).

Desde Aristóteles, era comum falar de “poder” e “atividade”, com o binômio grego (“potência e ato”) que o autor de Sb usa aqui.

De fato, partindo da grandeza e da beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, aquele que as criou (v. 5).

A Bíblia do Peregrino (p. 1556) comenta: O autor parece usar o termo “por analogia”, sem o rigor que adquirirá mais tarde em escolas filosóficas. Poderíamos falar de uma proporção de correlação. É um processo racional de causalidade e eminência, sem especificar muito (cf. Rm 1,20).

Contudo, estes merecem menor repreensão: talvez se tenham extraviado procurando a Deus e querendo encontrá-lo. Com efeito, vivendo entre as obras dele, põem-se a procurá-lo, mas deixam-se seduzir pela aparência, pois é belo aquilo que se vê! (vv. 6-7).

Os que confundem Deus com forças ou elementos naturais merecem breve ou “menor” repreensão em comparação com os idólatras do v. 10, que “chamam deuses as obras das próprias mãos”. A atitude do autor é compreensiva e indulgente na escala de deformações religiosas que vai apresentar; mas introduzirá uma distinção entre criaturas de Deus fascinantes e outras repulsivas, entre astros e “bichos miseráveis” (11,15; 12,24; 15,18s) que os egípcios costumavam adorar.

O “buscar” dos hebreus é diferente; “procurando a Deus e querendo encontrá-lo” (cf. Is 55,6) Paulo se dirige aos pagãos que “procuram a Deus querendo encontrá-lo” (cf. At 17,27).

Mesmo assim, nem a estes se pode perdoar: porque, se chegaram a tão vasta ciência, a ponto de investigarem o universo, como é que não encontraram mais facilmente o seu Senhor? (vv. 8-9).

O sábio Salomão tem “conhecimento infalível dos seres” (7,17). “Investigar o universo”, segundo terminologia estoica, é conjeturar ou deduzir o princípio de coesão (cf. 1,7) do universo divinizado. Grande proeza é remontar intelectualmente a esse princípio; por que os filósofos e cientistas não continuaram remontando para encontrar o seu dono e Senhor? São muitas referências à filosofia grega difundida na época, e à tradição bíblica, até conseguir uma síntese sugestiva.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 848) resume: Em busca de Deus, o ser humano se extraviou, adorando criaturas em lugar do criador (cf. Gn 1). Se elas fascinam com sua beleza, quanto mais fascinante não será quem as criou? O sábio ironiza a sabedoria grega, incapaz de ver algo acima e além da natureza.

 

Evangelho: Lc 17,26-37

Continuamos na segunda parte do discurso escatológico, peculiar a Lc, que distinguiu nitidamente nas predições de Jesus o que concerne à destruição de Jerusalém em 70 d.C. na Guerra Judaica (21,6-24) e o que se refere à vinda (parusia) gloriosa de Jesus no fim dos tempos (17,22-37). Certas passagens encontram-se também no grande discurso escatológico de Mt 24,5-41, que combinou, como em outros lugares (cf. Lc 10,1; 11,39), duas fontes (Mc 13 e Q), distintas em Lc (cf. Mt 24,1).

Nos vv. 23-24 Jesus alertou sobre a confusão por falsas profecias, agora critica a indiferença e falta de preocupação.

Como aconteceu nos dias de Noé, assim também acontecerá nos dias do Filho do Homem (v. 26).

“Dia” (cf. v. 31) é mais bíblico (“Dia de Javé”, cf. Am 5,18; 1Cor 1,8 etc.) do que o termo de Mt 24,3.37, Parusia (“vinda”, presença de uma visita oficial; tributário do vocabulário helenístico, pelos cristãos aplicado à volta de Cristo).

Eles comiam, bebiam, casavam-se e se davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. Então chegou o dilúvio e fez morrer todos eles. Acontecerá como nos dias de Ló: comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e construíam. Mas no dia em que Ló saiu de Sodoma, Deus fez chover fogo e enxofre do céu e fez morrer todos. O mesmo acontecerá no dia em que o Filho do Homem for revelado (vv. 27-30).

Será como no tempo do dilúvio (Gn 6,11-13.17; 7,21-24) ou da catástrofe da Pentápole (com Sodoma e Gomorra, cf. Gn 18,20s; 19,24s; Dt 32,32s; Is 1,10; Jr 23,14; Lm 4,6; Ez 16,45-59; 2Pd 2,6s; Jd 7).

Enquanto o povo está ocupado com os assuntos da vida e despreocupado de assuntos transcendentes, sobrevém o julgamento. É interessante a síntese descritiva da vida cotidiana (vv. 27-28): sustento (comer e beber) e família (casamento, cf. 20,34), comprar e vender (economia), plantar (agricultura), construir (vida urbana). Não há nada de errado nestas atividades, mas as pessoas foram eliminadas porque não fizeram nada além; não seu cotidiano não cabia Deus.

Aliás, “Deus fez chover (lit. chuveu) … e fez morrer”; no texto aqui citado (Gn 19,24) trata-se de Deus que fez chover. Segundo o costume palestinense, Jesus não menciona Deus tanto mais por ser o texto conhecido.

O juízo se dará pela água (dilúvio) e pelo fogo (cf. 2 Pd 3,5-7 numa interpretação especial). Será julgamento de separação (vv. 34s), como sucedera já no Egito: “Eu distinguirei entre meu povo e teu povo” (Ex 8,19; cf. 9,4.7; cf. Mt 25,31s: ovelhas a direita, cabritos a esquerda), como anuncia Is 65,13-15: “Meus servos cantarão de pura alegria e vós gritareis de pura dor”.

Nesse dia, quem estiver no terraço, não desça para apanhar os bens que estão em sua casa. E quem estiver nos campos não volte para trás. Lembrai-vos da mulher de Ló. Quem procura ganhar a sua vida, vai perdê-la; e quem a perde, vai conservá-la (vv. 31-33).

Lc copia Mc 13,15s falando das pessoas no terraço e nos campos. Estas advertências ressaltem o caráter temível e inelutável desse Dia (cf. Jr 4,5; 6,1; 48,6; 49,8.30; 51,6).

Nesses momentos de crise não se deve confiar em falsas referências, pois a parusia do Filho do Homem será celeste (“nas nuvens”, 21,27p; Dn 7,13) e visível para todos, como “relâmpago” (v. 24) que alumia toda a abóbada celeste e ofusca a terra (cf. Sl 77,19). Então será preciso arriscar tudo, até a vida, para salvar-se (v. 33) e “não voltar para trás”; não se deve deter em recolher pertences que já não servem (v. 31), nem olhar para trás como a mulher de Ló que se virou e virou uma estátua de sal (Gn 19,17.26; Sb 10,7).

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: Noé preparou-se para salvar-se na arca, Ló fugiu precipitadamente. Há momentos urgentes em que atarefar-se com medidas de segurança é entregar-se à catástrofe, ao passo que arriscar tudo é salvação. O hebraico o afirma assim (literalmente): “Tomarei minha carne em meus dentes, porei minha alma em minha palma” (Jó 13,14).

“Quem procura ganhar a sua vida, vai perdê-la…” (v. 33), Lc repete aqui a frase de 9,24 a respeito do seguimento à cruz, só aqui emprega um termo do AT grego que significa “obter” ou “deixar a vida salva” (Ex 1,17s; Jz 8,19; 1Sm 29,9.11; 1Rs 20,31; 2Rs 7,4; cf. At 7,19). No grego profano, “conservá-la” significa “gerar a vida nova”. Lc pode ter pensado na vida nova (o “ser”) adquirida por quem sacrifica a própria vida terrestre (o “ter”, o “aparecer”).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1279) comenta: Diante das preocupações quanto ao fim dos tempos, Jesus enfatiza que o mais importante é a firmeza em relação aos compromissos do discipulado, baseados na oferta da vida a serviço dos demais.

Eu vos digo: nessa noite, dois estarão numa cama; um será tomado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo juntas; uma será tomada e a outra será deixada (vv. 34-35).

Julgamento em grego significa distinguir e separar (o bem do mal; o símbolo é a espada). Lc refere-se ao doméstico moinho de mão, acionado por duas mulheres de uma só vez (Jr 25,10). Uma pessoa de duas será “tomada”, para o reino (21,36; 1Ts 4,17) ou para ser eliminado (Mt 13,41-43)? O sentido do conjunto da frase não muda. A forma passiva deixa pensar em anjos executores do juízo (cf. 9,26; Mc 13,26s; Mt 13,41-43).

Dois homens estarão no campo; um será levado e o outro será deixado (v. 36).

Este v. 36 é um acréscimo de apenas alguns manuscritos (segundo Mt 24,40) e omitido pela maioria das Bíblias.

Os discípulos perguntaram: “Senhor, onde acontecerá isso?” Jesus respondeu: “Onde estiver o cadáver, aí se reunirão os abutres” (v. 37).

Os fariseus perguntaram sobre a data, “quando” (v. 20); os discípulos perguntam “onde”, pelo lugar do julgamento, talvez por referência ao “vale de Josafá” (Jl 4,2), perto de Jerusalém onde Deus julgará as nações (cf. Jl 4,11-16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: A resposta de Jesus continua sendo evasiva. A imagem parece ser eco de Ez 39,17: a grande matança do inimigo invasor atrai as aves do céu: “Dizei a todas as aves e às feras selvagens: Reuni-vos e congregai-vos, vinde ao banquete que vos preparei”.

As aves de rapina aparecem muitas vezes nas profecias de julgamento do AT (Is 18,6; 34,15-16; Jr 7,33; 12,9; 15,3; Ez 39,17). No contexto presente, esta imagem significa que ninguém escapará ao julgamento como nenhum ser mortal pode fugir da morte.

Mas Lc distingue claramente: Há um tempo próximo da paixão, há um tempo de espera da Igreja, há um dia final de julgamento.

O site da CNBB comenta:  Devemos estar sempre prontos para o nosso encontro com Jesus, e este encontro, na verdade, acontece todos os dias, quando ele vem até nós na pessoa dos fracos, dos pobres, dos oprimidos, dos excluídos, dos necessitados, enfim, de todos os que não são amados, são rejeitados pela sociedade e precisam de alguém que manifeste o amor que Deus tem por eles. O dia do Filho do Homem é o dia da vivência do amor, da caridade e da fraternidade para com todos. O verdadeiro cristão é aquele que faz de todos os dias da sua vida o dia do Filho do Homem.

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