16 de dezembro de 2016 – Sexta-feira, Advento 3ª semana

Leitura: Is 56,1-3a.6-8

No Advento, até o dia de hoje ouvimos textos do Primeiro (Is 1-39) e do Segundo Isaías (Is 40-55). Hoje ouvimos o início do Terceiro Isaías (Trito-Isaías: Is 56-66) que atualizou as profecias no contexto do pós-exílio quando se reconstruia o templo em Jerusalém (520-515 a.C.; cf. Ag e Zc). Depois Neemias reconstrói as muralhas (450 a.C.), começa expulsar os estrangeiros e proíbe os casamentos com eles, sobretudo com as mulheres, tendo em vista a apropriação da terra (Ne 13,23-27), e fortalece a observância do sábado (Ne 13,15-22). Em seguida, Esdras é enviado pelos persas para organizar o povo em torno da Lei (cf. Esd 8). O sistema do templo e do puro e impuro são reforçados, segundo o qual uma pessoa impura fica excluída do templo. Enquanto isso, as elites pagam altos tributos para a Pérsia e a maioria do povo vive a mercê do desmando e corrupção das autoridades (cf. Is 57,1s; 58,7; 66,2).

A leitura de hoje é um oráculo em prosa ritmada, no qual o grupo profético do Terceiro Isaias propõe a inclusão de grupos excluídos no Templo de Javé (Dt 23,2-9), na contramão da teologia oficial e sustentada por Neemias e Esdras (cf. Esd 9,1-2; Ne 13,30-31),

O templo foi reconstruído, mas a construção de uma sociedade justa exige a superação de todas de todas as formas de exclusão. Da parte de Deus, Terceiro Isaías dá uma decisão categórica em favor de todos os homens sem distinção: (filhos de) “homem” (v. 2), “estrangeiros” (vv. 3-6), todos os povos (v. 7) e todos os “outros” que ainda falta reagrupar (v. 8). Qualquer membro do gênero humano pode ter acesso à fé no verdadeiro Deus e entrar na sua aliança, se observar as prescrições religiosas e morais da mesma.

Isto diz o Senhor: “Cumpri o dever e praticai a justiça, minha salvação está prestes a chegar e minha justiça não tardará a manifestar-se. Feliz do homem que assim proceder e que nisso perseverar, observando o sábado, sem o profanar, preservando suas mãos de fazer o mal (vv. 1-2).

A passagem 56,1-8 vem depois da obra do Segundo Isaías sem dúvida porque reproduz fórmulas dele (proximidade da “minha justiça” e da “minha salvação” no v. 1 como em 46,13 e 51,5,6,8; mas a época e o estilo são diferentes. Em certo sentido, a salvação de Javé prometida em 51,5 foi adiada, mas a nova etapa se abre sob o signo da expectativa.

“Feliz do homem que assim proceder e que nisso perseverar” Lit. “Feliz o homem que assim proceder e o filho de Adão que nisso perseverar” (cf. Sl 1; 92,13-15; 119). A formula “feliz” é frequente nos Salmos e livros sapiências, porém rara nos profetas (30,18; 32,20). A expressão Filho de Adão designa o mortalidade do ser humano e é universal. O Terceiro Isaias tem uma visão mais universal do que o nacionalismo e exclusivismo de Ne e Esd, ele propõe em seguida a inclusão dos dois grupos, os estrangeiros (vv. 3a.6-7) e os eunucos (vv. 3b.4-5; omitidos na liturgia de hoje)

A Bíblia do Peregrino (p. 1814) comenta: Algo novo está para chegar: salvação (vitória) e justiça; é preciso preparar-se para recebê-lo. Em que consiste a novidade? Na abertura universal, indicada na denominação “homem”, “mortal” e especificada em duas categorias até agora excluídas: o estrangeiro e o eunuco. Doravante e para todos, bastará praticar a justiça e observar o sábado como sinal de uma nova aliança (cf. Ex 31,13.17). Da “separação” passa-se a “incorporação”. Esse espírito de abertura contrasta com a política exclusivista de Esdras e Neemias: 9,1-2; 10,1-17; Ne 10,31.

Não diga o estrangeiro que aderiu ao Senhor: ‘Por certo o Senhor me excluirá de seu povo’ (v. 3a).

A palavra hebraico para “estrangeiro” refere-se ao “forasteiro”, àquele que está de passagem, desprovido de direito e vítima de exploração (Ex 12,43; Dt 14,21; Ez 44,7-9).

A Bíblia do Peregrino (p. 1814) comenta: A legislação de Dt 23,2-9 exclui da comunidade cultual eunucos e estrangeiros ou filho de estrangeiros. O israelita insere-se na comunidade pela geração e nela perpetua seu nome. O forasteiro se lamenta por não poder participar no culto, o eunuco se lamenta por não dar fruto nessa comunidade

Aos estrangeiros que aderem ao Senhor, prestando-lhe culto, honrando o nome do Senhor, servindo-o como servos seus, a todos os que observam o sábado e não o profanam, e aos que mantêm aliança comigo,- a esses conduzirei ao meu santo monte e os alegrarei em minha casa de oração; aceitarei com agrado em meu altar seus holocaustos e vítimas, pois minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (vv. 6-7).

“Aos estrangeiros (lit. filhos dos estrangeiros) que aderem ao Senhor”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 691) comenta: Não se trata aqui dos estrangeiros simplesmente de passagem. Estes últimos eram às vezes assemelhados aos estrangeiros que são evitados (43,12; 61,5). Mesmo acolhidos em Israel, não gozavam ali de direito algum; eram excluídos do culto (Ex 12,43), privados de múltiplas vantagens e até explorados (Dt 14,21; 15,3; 23,21); Ezequiel proibia-lhes o acesso ao Templo (Ez 44,7-9). Avalia-se a mudança anunciada pelo nosso texto.

O autor anuncia que logo serão admitidos no judaísmo prosélitos (convertidos) estrangeiros, “a todos os que observam o sábado e não o profanam, e aos que mantêm aliança comigo” (v. 6; igual condição aos eunucos em v. 4). Esta fidelidade à aliança (vv. 4.6) deve incluir a circuncisão, sinal dessa aliança. As restrições previstas em Dt 23,2-9 são abolidas, especialmente a que atingia os eunucos (aqui vv. 3b-5, omitidos em nossa liturgia de hoje).

“Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (poder-se-ia traduzir também: minha casa será chamada ‘casa de oração’ por todos os povos). Como “casa de oração” o templo está aberto a todo o mundo (Mc 11,17p.). Os estrangeiros, uma vez incorporados, poderão participar também dos sacrifícios do templo e outras celebrações do culto judaico.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1454) comenta: Esta palavra, citada por Jesus em circunstâncias graves de sua vida (Mt 21,13p), anuncia uma dupla novidade: a oração equipara-se aos sacrifícios, mesmo no Templo, e todos os povos a ela são convidados.

Diz o Senhor Deus, que reúne os dispersos de Israel: “Ainda reunirei com eles outros, além dos que já estão reunidos” (v. 8).

Este pequeno oráculo tem uma introdução particular, e serve como confirmação do que do que precede: os “outros” são os estrangeiros prosélitos e os eunucos, e também são membros da Diáspora (dispersão) fora da Babilônia. A Bíblia do Peregrino (p. 1814) comenta: A abolição da antiga lei soa num oráculo do Senhor. Terá força expansiva, porque o próprio Senhor continuará atraindo e reunindo.

O universalismo judaico vê no futuro a reunião de todas as nações para servir ao Deus de Israel em Jerusalém. Esta ideia encontra-se em Is 2,2-4 (= Mq 4,1-3); Jr 12,15s; 16,19-21; Sf 3,9s). Era um dos principais temas do Segundo Isaias (42,1-4.6; 45,14-16.20-25; 49,6; 55,3-5; cf. cap. 60) e expressa-se também no pós-exílio, aqui no Trito-Isaias (cf. cap. 60) e em Zc 2,15; 8,20-23; 14,9.16 (cf. Sl 87 e Jn). No NT são inúmeras as citações onde todos os outros povos estão convidados para a salvação; a assembleia (grego: ekklesia = Igreja) é católica (grego: para todos).

Evangelho: Jo 5,33-36

Neste último dia antes de entrar nos evangelhos da infância (a partir do dia 17), ouvimos mais uma vez de Joao Batista.

(Naquele tempo, Jesus disse aos judeus)

No evangelho de hoje, Jesus continua seu discurso “aos judeus” (vv. 10.15-18), ou seja, aos representantes oficiais que se escandalizaram com uma cura realizada no sábado. Depois de salientar sua sintonia (em vontade e obras) com o Pai, Jesus alega hoje o testemunho de outros, de João Batista e do Pai em favor do Filho.

Nestes discursos teológicos de Jesus transparece a polêmica entre cristãos e judeus no final do século I, quando se escreveu o evangelho de João que usa o termo “judeus” para os adversários de Jesus ou da comunidade de João na época. O maior problema para estes judeus em relação aos cristãos era aceitar Jesus como Messias, Filho de Deus e enviado por Deus com plenos poderes; e este havia acabado crucificado, um “escândalo” par judeus (cf. 1Cor 1,18.22s), uma “maldição” (Gl 3,13 citando Dt 21,23). Daí surgiu a controvérsia jurídica do evangelho de hoje.

Um testemunho de si mesmo não vale (cf. v. 31). Por isso, Jesus alega outras testemunhas que o atestam como Filho de Deus: João Batista (vv. 33-35); as obras de Jesus (v. 36), as Escrituras (v. 39-46), Moisés (vv. 45-46) é o próprio Pai (v. 37).

Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. Eu, porém, não dependo do testemunho de um ser humano. Mas falo assim para a vossa salvação. João era uma lâmpada que estava acesa e a brilhar, e vós com prazer vos alegrastes por um tempo com a sua luz (vv. 33-35).

O processo será aberto pelo depoimento de duas ou três testemunhas” (Dt 19,15). João “veio como testemunha para dar testemunho da luz, ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz” (1,7-8; cf. 1,15.19-36; 3,27-30). ). João Batista “era uma lâmpada que estava acesa (v. 35)”, viu o Espírito Santo descer sobre Jesus e disse: “Eu vi e dou testemunho que este é o Filho de Deus” (1,34). Mas o seu testemunho não foi aceito. “Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade” (v. 33; cf. 1,19.24; 18,37; Mt 11,7). Também Jesus veio “para dar testemunho da verdade” (diante de Pilatos: 18,37); ele mesmo é “caminho, verdade e vida” (14,6).

Mas eu tenho um testemunho maior que o de João; as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou (v. 36).

João não transmitiu o Espírito nem fez milagres, mas Jesus tem “um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me concedeu realizar” (v 36). Ninguém que não venha de Deus pode fazer os sinais realizados por Jesus (3,2; 9,16.31). Aqui se fala em “obras” (v. 20.36; 14,12; expressão do evangelista teólogo que discursa aqui), não em “sinais” (cf. 2,11; 4,48.54; expressão da fonte primitiva dos sinais, que narrava os sete milagres em Jo). Jesus não só cura, mas trabalha na obra da salvação que não para (nem no sábado cf. 5,17) e se consuma apenas com sua morte na cruz (19,30; cf. Gn 2,1s).

O site da CMBB comenta: João não é o Messias, ele veio para dar testemunho do Messias, ele é a lâmpada que vem para anunciar a verdadeira luz que vem a esse mundo. E João foi fiel à sua missão, ele deu testemunho da verdade, mostrando a presença do Filho de Deus no meio dos homens. Porém, nem todos estavam atentos à mensagem de João e abriram seus corações para a mensagem de Jesus. Por isso é que Jesus realiza as suas obras: para que, por meio delas, aqueles que não o reconheceram pelo testemunho de João pudessem reconhecê-lo. É por isso que as obras de Jesus são um grande sinal de que ele é o Messias, o Filho de Deus.

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