16 de Dezembro de 2018, Domingo: João respondia: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!” (v. 11).

O 3º Domingo do Advento é chamado “Gaudete” (latim: “alegrai-vos”, cf. v. 4 da 2ª leitura e v. 14 da 1ª leitura), preparando-nos para a “grande alegria” (Lc 2,10, cf. Mt 2,10) do nascimento de Jesus. Hoje pode-se usar a cor litúrgica rosa em vez de roxa.

1ª Leitura:Sf 3,14-18a 

O profeta Sofonias é contemporâneo de Jeremias e atua entre 640 e 620 a.C. Ele anuncia um terrível Dia do Senhor: “Eu vou acabar com tudo o que existe sobre a face da terra…” (1,2-3,8).  Não é essencialmente o fim do mundo e da história, mas a transformação do povo de Deus e o fim de uma era de corrupção e idolatria (adoração de outros deuses, de dinheiro e de poder).

A única possibilidade de salvação são os “pobres da terra” (2,3), destituídos do poder e riqueza depositam sua confiança no Senhor. São eles os únicos que poderão formar um “resto de gente humilde” (3,12) para conduzir na história o projeto de Deus, e assim fazer com que o Dia do Senhor se torne dia de alegria e restauração e não de destruição (3,9-20).

Os vv. 14-20 podem ser um acréscimo no pós-exílio. Depois da voltado exílio da Babilônia (a partir de 538 a.C.), os judeus iniciaram a reconstrução de Jerusalém, do templo e dos muros (cf. Esd e Ne). O autor vê nessa obra o perdão dos pecados anteriores e o início de uma nova era para Israel. “Sofonias” significa: “Protege (nos) Javé”. Deus ama e protege o povo pobre estando no meio dele (3,5.15.17).

Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém! O Senhor revogou a sentença contra ti, afastou teus inimigos; o rei de Israel é o Senhor, ele está no meio de ti, nunca mais temerás o mal (vv. 14-15).

Na leitura de hoje, a voz profética se dirige com carinho a donzela matrona Jerusalém, em versículos que tem semelhanças com Os 2 e Is 49; 54; 62. “Cidade de Sião”, lit. “filha de Sião, é personificação de Jerusalém, o resto de Israel que Javé Deus ama e protege” (cf. Is 57,15; 62,5). “Sião” é a colina em que se situa Jerusalém e o templo.

Deve se notar que a alegria nasce do perdão e do amor, do fim do medo e da presença de Deus (vv. 5.15.17: “está no meio de ti”). Os vários sinônimos de júbilo e alegria se acumulam, alguns se duplicam (cf. Zc 2,14; Is 12,6; 54,1). A alegria não brota dos bens materiais, mas da relação pessoal de amor (“movido por amor”), mas é concebida rica em exuberância.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: O convite à alegria é enfático, ao ser apresentado quatro vezes (rejubila-te, grita de alegria, alegra-te, exulta). Trata-se de uma alegria que brota do interior, mas se manifesta também exteriormente, pela voz e outros sinais (cf. Is 55,12; Jr 50,11).O motivo para tanto é primeiramente que Deus revogou a sentença que pesava contra Jerusalém, aquela com que ele a ameaçara (cf. 3,1-2). E o fez retirando de seu meio os responsáveis pelos desvios da cidade santa (cf. 3,3-4.11: príncipes, juízes, profetas e sacerdotes iníquos, ou seja, os orgulhosos aproveitadores, os dirigentes que se transformaram em inimigos).

Naquele dia, se dirá a Jerusalém: “Não temas, Sião, não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, como nos dias de festa. Afastarei de ti a desgraça, para que nunca mais te cause humilhação” (vv. 16-18).

Se o Senhor se alegra com Jerusalém, “movido por amor” (cf. Is 62,5), ela não tem o que temer, deve ficar alegre. O Senhor elimina uns inimigos estrangeiros ou conterrâneos (cf. Is 1,21-26) para ficar ele só como “rei de Israel”, como “valente guerreiro”que defende seu povo (cf. Is 45; 9,5; 10,21), como marido que ama. Volta amor antigo e a alegria de um casamento renovado, e se celebra a festa. O Senhor fará tudo: expulsará, eliminará, renovará; ela (a comunidade) é convidada a se alegrar e nada temer.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Já não haverá um rei davídico, mas o próprio Senhor será o rei de Jerusalém. Eliminando as classes dirigentes corruptas e tendo anulado o juízo contra Sião, chegou para ela o tempo de salvação. Ela não deverá mais temer o mal, isto é, tudo o que anteriormente ocorreu em virtude dos desmandos de seus chefes.

Descreve-se então o novo estado de Jerusalém em virtude da intervenção de Deus. Agora não há mais lugar para o temor, só para a alegria. Aqueles que se encontram desencorajados, sem força, por efeito do medo, são chamados a recobrar o ânimo. A garantia é dada por Deus, que, forte, está no meio do povo como um guerreiro que o liberta. Mas não só: não é somente Sião que se alegra (v. 14); o próprio Deus se alegra por causa da cidade santa. Mostra, assim, a grandeza de seu amor por Jerusalém, causa última de sua renovação.

 

2ª Leitura:Fl 4,4-7

A vinda do Senhor – sua primeira vinda na humildade (Natal), como também a segunda na glória (parusia) – é motivo de alegria e paz e é capaz de vencer todas as adversidades e ameaças. Assim Paulo não se desanima na prisão, de onde escreve esta carta (1,7.13-14.17), mas exorta a alegria no Senhor.

Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos(v. 4).

A “alegria” é uma das notas características desta carta (cf. vv. 18.25; 2,2.17.18.28.29; 3,1; 4,1.4.10.), precisamente quando Paulo está na prisão, ameaçado duma condição à morte, assaltado pelas preocupações que tem a respeito de todas as Igrejas. Mas a fonte da sua alegria está em Cristo, cf. “A alegria do Senhor é a vossa força” (Ne 8,10).

Na prisão, Paulo está num ambiente deprimente, mas sua fé e esperança no Senhor não o deixam perder a alegria com a qual contagia os leitores (e os outros presos, cf. At 16,25s). Esta alegria é dom do Espírito Santo (Gl 5,22) e não se deixa vencer por situações difíceis e dolorosas (cf. 2Cor 7,4).

No séc. 19, o filósofo Nietzsche afirmou que para ele ter fé em Cristo, “os cristãos deveriam ter caras mais alegres e redimidos”. Na sua encíclica “A Alegria do Evangelho” (2013), o Papa Franciscoalerta: “Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com na igreja com cara de vinagre” (EG 85). O papadeclara: “Um evangelizador não deveria ter constantemente um cara de funeral, recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, ‘a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas!’” (EG 10). “A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém poderá tirá-la de nós (Jo 16,2)” (EG 84).

A palavra gregaevangelho significa: boa notícia, alegre notícia (cf. Is 52,7 grego).

Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo! (v. 5).

A alegria pela vinda e presença do Senhor manifesta-se exteriormente em gestos de bondade. Na parusia, quando Jesus voltar nas nuvens, tudo será conhecido no julgamento. Mas já antes, no dia a dia da evangelização, a vida cristã deve ser um testemunho de bondade (no ritual do batismo, deve se renunciar ao mal, antes de confessar a fé), cf. Mt 5,16: “Que a vossa luz brilhe diante dos homens, para que, vendo as vossa boas obras, ele glorifiquem vosso Pai que está nos céus”; cf. Jo 13,35: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos outros.”

“O Senhor está próximo!” Como os primeiros cristãos em geral, também Paulo acreditava que Jesus voltaria logo, talvez ainda em vida (1Ts 4,15-17; 1Cor 15,52). Ele alude à parusia como acontecimento alegre (cf. Lc 21,28: “vossa libertação está próxima”).

Aos judeus, Jesus anunciou “O reino de Deus está próximo” (Mc 1,15p; em Mt 3,2, João Batista anunciou a vinda do messias-rei com as mesmas palavras). Paulo, porém, anuncia: “O Senhor está próximo”. Aos gentios (pagãos, greco-romanos), Paulo não pregava em primeiro lugar o reino de Deus, mas aquele que o representa: o próprio Cristo, morto na cruz e ressuscitado como Senhor (cf. Rm 1,1-4; 10,9; 1Cor 1,12; Fl 2,5-11 etc.).

Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamento em Cristo Jesus (vv. 6-7).

No sermão da montanha, Jesus também convida a uma serenidade a respeito das preocupações do mundo (Mt 6,25-34p). Na oração podemos apresentar as nossas necessidades (por ex. o pão nosso de cada dia) a Deus, pedindo em “súplicas”, mas não se deve esquecer de agradecer: “Ação de graças”, em grego eucaristia, torna-se nome própria para a missa. Há salmos de diversos gêneros: súplica, louvor, coletivo, individual, etc.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A perspectiva da próxima vinda do Senhor corrobora o convite à alegria e lhe dá nova motivação (v. 5). Se essa é a alegria cristã, então todas as adversidades se tornam relativas. Em vez de se deixar dominar pela inquietação, o cristão as expõe a Deus na oração (v. 6).

Essa entrega confiante nas mãos do Pai é então portadora da paz que vem de Deus. A paz é um modo de falar da salvação em sua realização concreta (cf. 2Cor 13,11; 1Ts 5,23). Mesmo sem compreender tudo, crendo no amor providente de Deus, o fiel se sabe guardado da inquietude e da angústia. Na paz-salvação que vem de Deus encontra forças (v. 7).

Note-se a inclusão menor de v. 7 e v. 9: “a paz de Deus… o Deus da paz.” Nossa liturgia de hoje omitiu os vv. 8-9, talvez porque Paulo se oferece como exemplo para ser imitado, o que não combina ainda com o tempo de Advento que apresenta o precursor João Batista (evangelho), não o missionário pós-pascal Paulo: “Finalmente, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo merece louvor. O que e aprendestes e herdastes, o que ouvistes e observastes em mim, isso praticai. Então o Deus da paz estará convosco”. Assim, os vv. 7-9 reconhecem os valores do paganismo (cultura greco-romana), mas os submete ao ensinamento tradicional cristão (cf. o documentodo Vaticano II sobre as religiões, NostraeAetate, NA 2).

 

Evangelho:Lc 3,10-18

Como no evangelho do domingo passado, o de hoje continua falar de João Batista, o profeta que anunciava a vinda eminente do messias (Cristo). Para preparar-se para esta vinda, o povo devia se arrepender e como sinal de conversão receber o batismo no rio Jordão.O texto de hoje concretiza a conversão a que ele chama. Os v. 10-14 (próprios de Lc) tematizam o aspecto ético; os v. 15-17, o messiânico-cristológico.

A Bíblia Pastoral (p.2461) comenta sobre a pregação de João Batista nos vv. 3-14: Um profeta único: não um na série anunciada (Dt 18,15), mas o anunciado por Is 40,3-5. Sua visão do Messias que chega é tremenda: juíz implacável que sentencia e executa; aventa a palha e queima-a em seu fogo, empunha o machado para cortar as árvores inúteis e prejudiciais. Resta uma saída: arrependimento e emenda. Aos que acorrem, João não lhes pede que se retirem do mundo (como a comunidade de Qumrã), mas que cumpram com justiça seu respectivo oficio: não abusar, não extorquir, partilhar.

As multidões perguntavam a João: “Que devemos fazer?” (v. 10).

Como profetas precedentes, João Batista denuncia pecados e propõe emendas específicas. Corretamente os penitentes perguntam sobre a emenda (cf. Sl 51,15; 25,4).Lc gosta de colocar perguntas como essa (10,25; 12,17; 18,18).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Nos v. 10-14, as exigências da conversão não consistem no oferecimento de sacrifícios ou na realização de rituais (jejuar, vestir-se de saco, cobrir-se de cinzas), que foram já criticados pelos profetas, caso não correspondessem ao amor realizado em atitudes de justiça (cf. Is 58,1-12; Jl 2,12-14). Também não é mencionada nenhuma conduta ascética. São apresentados três aspectos da vida diária como resposta à pergunta, típica de Lucas, que manifesta a conversão: “Que devemos fazer?” (vv. 10.12.14; cf. At 2,37; 16,30; 22,10).

João respondia: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!” (v. 11).

O primeiro conselho de emenda,referindo-se à pergunta das multidões, é partilhar. Mesmo os elementos fundamentais à vida (vestimenta, alimento) devem ser repartidos com aqueles que deles carecem.Naquele tempo pré-industrial, era mais difícil obter vestes, e ter duas túnicas era considerado luxo (9,3p); o alimento podia faltar ou escassear (23,34; 16,21). Compara-se com o programa penitencial de Is 58,7: “partir teu pão com o faminto…, vestir o que vês nu…” (cf. Mt 25,21-46)

Foram também para o batismo cobradores de impostos, e perguntaram a João: “Mestre, que devemos fazer?” João respondeu: “Não cobreis mais do que foi estabelecido.” Havia também soldados que perguntavam: “E nós, que devemos fazer?” João respondia: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!” (vv. 12-14).

O segundo e o terceiro conselho dizem respeito a duas profissões específicas, conhecidas pela facilidade com que podem ser exercidas de modo corrupto,e também ligadas aos pagãos. Lc não escreve para judeus, mas para cristãos que vieram do paganismo (gregos, romanos) e por isso, tem interesse especial na ética destas profissões.

Os romanos dominavam esta região do Oriente Médio desde 63 a.C. com seu exército e cobravam os impostos para Roma através de cobradores locais, cujo salário era o que cobravam mais além da taxa estabelecida (para isso, tinham a proteção dos soldados). Este regime de arrendamento da cobrança de impostos prestava-se a contínuos abusos (cf. 19,8).

A Tradução Ecumênica a Bíblia (p.1975) comenta: Traduz-se muitas vezes: “publicanos”, mas este nome designa os personagens importantes que centralizam a coleta do imposto. No evangelho trata-se de seus longínquos subalternos judeus. Estes eram malvistos entre eles por causa da sua colaboração com o ocupante pagão e das exações de bom número dentre eles. A opinião pública os classificaram entre os “pecadores” (5,30; 7,34; 15,1-2; 19,7).

Os soldados podem ser estrangeiros mercenários (romanos, cf. At 10). É mais provável que fossem judeus a serviço dos cobradores de impostos ou do tetrarca Herodes Antipas, que governava Galileia (que a atividade do Batista seja ali especialmente desenvolvida, cf. 3,1.19-20).

João propõe a todos uma conduta de fraternidade e de justiça, sem mesmo exigir dos coletores de impostos e militares que renunciam à sua profissão que era então malvista. Não se trata de deixar de exercer tais ofícios, mas de exercê-los com honestidade.Não há profissão que exclua da salvação; mas é preciso praticar a justiça e a caridade.

No contexto da pregação de João, situada entre os v. 7-9 e 15-17, essas palavras carregam o mesmo tom escatológico (João anuncia o juízo divino). A maneira de conduzir a vida atual, na justiça e no amor, tem consequências escatológicas.

O povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias. Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo. Ele virá com a pá na mão:vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga.” E ainda de muitos outros modos, João anunciava ao povo a Boa-Nova (vv. 15-18).

Estes versículos são parecidos com Mt 3,11-12 e Mc 1,7-8 (mesclando as duas fontes, Mc e Q).

“Se João não seria o Messias”. Grupos de discípulos de João continuam por muito tempo se perguntado se o Mestre deles não é o Messias (cf. At 13,25; 18,25s; 19,1-7; Jo 1,19-20; 3,28). Ele é “grande diante do Senhor” (1,15). Apesar de João não ter realizado milagres, Jesus o admira: “Dentre os nascidos de uma mulher não há um maior do que João” (7,28p).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta:

Os v. 15-17 apresentam, como resposta à reação do povo ao seu anúncio, a pregação de João sobre a identidade do Messias. Desde o tempo do exílio babilônico, quando cessou a monarquia em Jerusalém, desenvolveu-se, à luz da promessa de Natan a Davi (cf. 2Sm 7,14-17), a esperança de que Deus restauraria a dinastia davídica. No livro de Daniel (meados do século II a.C.), fala-se explicitamente de um “príncipe ungido” que virá (Dn 9,25). Nos últimos séculos antes de Cristo, desenvolveram-se muito as expectativas messiânicas em Israel. Isso permite compreender a interpretação que a multidão faz da pregação de João. Este, no entanto, deixa entrever em suas palavras não ser ele o Messias… Definindo Jesus, João apresenta-se como o profeta que anuncia imediatamente a vinda do Messias escatológico.

A Tradução Ecumênica a Bíblia (p.1976) comenta:O grego khristós, literalmente: “aquele que recebeu a unção” (de Deus), corresponde ao hebraico mashiah. Aqui se traduz por “o Messias”, porque este título é pronunciado por judeus que lhe dão um sentido nacional e político (do mesmo modo em 22,67; 23,2.35.39 e 20,41). Traduz-se a mesma palavra por “Cristo” nos textos em que aparece a sua novidade cristã (2,11. 26; 4,41; 9,20; 24,26.46).

O Batista se identifica por oposição e indica ascaracterísticas do messias: “Virá aquele” Lc não diz que vem “depois” (cf. Mc 1,7), para que Jesus não seja confundido com um discípulo do Batista.O Messias vem depois com maior autoridade e direito e é “mais forte” (Lc voltará ao título messiânico do “Forte”em 11,22; cf. Is 9,5; 11,2; Dn 10,17; 2Sm 22,32s; 2Mc 1,24).

João nem é digno de lhe prestar o serviço humilde de um escravo: “desamarrar a correia de suas sandálias” é gesto de escravo que um judeu de então não podia exigir de um servo judeu, pertencente também ele ao povo eleito (cf. Jo 8,33). Ou talvez seja uma alusão ao levirato(Dt 25,9, tiro da sandália),o messias é o esposo (Jo 3,29) que não cede seu direito.

“Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo”, enquanto o batismo de João é com água (o evangelho de João deixa claro que o João não fazia milagres nem comunicou o Espírito). O batismo do messias será de fogo purificador (Is 4,4: “Quando o Senhor tiver lavado a imundície … pelo sopro do seu julgamento, sopro abrasador”; cf. Ml 3,2s) e de Espírito vivificador (Jo 2,22). Será ventode aventar (v. 17; cf. Jr 4,11). O hebraico e o grego usam a mesma palavra para designar vento e espírito. João anuncia o julgamento (simbolizado pelo fogo, cf. v. 9) pelo messias que virá.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A água no batismo de João é sinal da conversão em vista da purificação (a remissão dos pecados). O batismo de Jesus é caracterizado pelo fogo, que também purifica, mas o faz porque comunica o Espírito Santo. Fogo e Espírito estão associados na cena do dia de Pentecostes (cf. At 2,3-4). O fogo destrói aquilo que, diante de Deus, não tem valor (a palha: v. 17).

A Tradução Ecumênica a Bíblia (p.1976) comenta: Aqui, como em At 1,5 e 11,16, Lc opõe o batismo de “água” (ou “com água”), conferido por João Batista, ao batismo no “Espirito”, que será inaugurado em Pentecostes. Isto leva a pensar que, em Lucas, este “em” (no Espírito) não se deve traduzir por “com”: o Espírito não é um instrumento, mas uma presença ativa (cf. 4,1).

“Ele virá com a pá na mão…”; no v. 17, João recorre a outro símbolo do julgamento, a colheita com a separação dos grãos e da palha (cf. Mt 13,39s). Na eira, o agricultor pega uma pá e joga para o ar os grãos ainda misturados com a palha. O vento (cf. espírito em v. 16) leva a palha, que é mais leve, para mais longe, enquanto os grãos, que são mais pesados, caem próximo.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A imagem do v. 17 expressa o julgamento escatológico, discernindo bons e maus: Jesus limpará a sua eira e recolherá o trigo: imagem da purificação dos fiéis e sua salvação; e queimará a palha no fogo sem fim. No batismo trazido por Jesus, antecipa-se o julgamento final de Deus, com a eliminação do que não se coaduna com o evangelho e com a salvação para aqueles que o acolhem.

A Tradução Ecumênica a Bíblia (p.1976) comenta: Os profetas anunciaram muitas vezes o “juízo” de Deus sob a imagem das diversas cenas da “messe” palestinense (cf. 10,2…): por exemplo o joeirar (Jr 15,7; 51,2); o fogo ateado à palha (Is 5,24; 47,14; Jl 2,5; Na 1,10). Faltando o fogo que não se apaga (cf. Is 66,24; Mc 9,43.48). João deixa aparecer o alcance escatológico da sua imagem.

O v. 18 conclui o texto, retomando a missão de João Batista como anunciador da Palavra.Lc omitiu a característica de asceta de Mc 1,6 e destaca mais a pregação do Batista. Como profeta João anuncia o julgamento, mas elejá é “evangelista” (cf. Mt 3,2), arauto de boas notícias (cf. Is 40,9), anunciando a proximidade do Messias.

Voltar