16 de Junho 2019, Domingo – Solenidade Santíssima Trindade: Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu (vv. 13-15).

1ª Leitura:Pr 8,22-31

A 1ª leitura apresenta a Sabedoria como se fosse uma pessoa ao lado de Deus na criação do mundo. Num hino, o autor deixa a sabedoria elogiar a si mesma pelas vantagens que concede na vida pública e civil (vv. 12-21), depois sobe à esfera celeste e às origens (vv. 22-31).

A Bíblia do Peregrino (p. 1431) comenta: A Sabedoria desses versículos não é Deus nem alguma divindade. É uma criatura, mas não uma entre tantas, embora seja a primeira. Procede de Deus e procede o mundo; posterior a Deus e anterior ao universo; inferior a Deus e superior ao mundo. É uma pessoa existente, uma personificação poética, um projeto numa mente, uma qualidade de um artesão? O poeta a apresenta como personagem que nasce, aprende, age, brinca. Personagem poética dotada de consciência autônoma dentro do poema. Não se conclui que o poeta se refira a um ser pessoal existente fora do poema. Alguém a imaginou como ideia exemplar ou arquétipo na mente que projeta; outros se detêm antes da destreza” da execução artística.

(Assim fala a Sabedoria de Deus:) O Senhor me possuiu como primícia de seus caminhos,antes de suas obras mais antigas;desde a eternidade fui constituída,desde o princípio,antes das origens da terra (vv. 22-23).

“O Senhor me possuiu”; há diferentes traduções porque hátrês interpretações do verbo hebraico qnh: a) adquirir, 4,5.7; 16,16; 17,16: dito de Deus não faz muito sentido, mas nossa liturgia traduziu “me possuiu”; b) criar: Gn 14,19.22; talvez Eclo 1,9 (e 24,8-9, só no grego, passagens que são talvez comentários de Pr); encaixa perfeitamente no contexto; c) propiciar, engendrar: Gn 4,1; Dt 32,6; cf. Sl 139,13 e Sl 90,2; o contexto e os vv. 24.25 favorecem essa interpretação. A ideia de uma sabedoria “gerada” está claramente expressa no v. 30 a imagem da “Sabedoria Infante”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1128) comenta: O verbo hebraico (qânânî) é traduzido por “criou-me” pelo grego, sir. Targ. (cf.Eclo 1,4.9; 24,8.9). A tradução “adquiriu-me” ou “possuiu-me” (Áquila, Símaco, Teodocião), foi retomada por são Jerônimo (Vulg.), certamente para combater o erro de Ário, que fazia do Verbo (identificado com a Sabedoria) uma criatura.

A formula “primícias de sua obra” (lit.: “primícias de seu caminho” ou “de seus caminhos”, se seguirmos as versões) deve ser relacionada com o título de “Primogênito de toda criatura”, dado a Cristo por são Paulo (Cl 1,15), e com o de “Principio das obras de Deus” (Ap 3,14).

“Fui constituída”;de acordo com o sentido do verbo nasak, atestado pelo Sl 2,6. Alguns preferem o sentido habitual de “derramar”, “esparramar” (um objeto de metal). Outros corrigem fazendo este termo derivar da raiz sâkak, e traduzem: “fui escondida” ou “mantida em reserva”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) traduz “consagrada” e comenta: A ideia de consagrar, de sagrar pela unção, está, ás vezes, ligada ao tempo aqui empregada. Novamente, pois, apresenta-se a Sabedoria como pessoa régia (cf. v. 15).

Falando da anterioridade, menciona a terra antes do oceano, ao contrário de Gn1; não menciona o céu, reservado para segunda estrofe.

Fui gerada quando não existiam os abismos,quando não havia os mananciais das águas,antes que fossem estabelecidas as montanhas,antes das colinas fui gerada (vv. 24-25).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) comenta: Por antiga que seja, a Sabedoria tem início, distinguindo-se assim de Deus, que lhe é anterior e que a gerou. Ela, porém, preexiste todas as criaturas. Esboça-se ai a questão do ser misterioso desta Sabedoria, a que será assemelhado a Cristo, “Sabedoria de Deus” (1Cor 1,30). Entre as afirmações deste cap. E as de Paulo, há as interrogações de Jó 28,20-27 e as apresentações de Sr 24 e Br 3,38. – O hino cristológico de Cl 1,15-20 parece ter-se inspirado fortemente em Pr 8,22-36.

A visão pré-científica da Bíblia imagina os “abismos” líquidos sobre o qual repousa ao mesmo tempo o círculo da terra e a abóbada celeste (cf. Gn 1; Sl 104; Jó 38). Parece designar o oceano subterrâneo de agua doce, cujas aguas afloram em mananciais e fontes: Dt 33,13; Ez 31,4. A correção do hebraico é recomendada para obter “mananciais”.

Os montes “submergem” parcialmente no oceano profundo para assentá-los; assim submersos, emergem e estão firmes: as montanhas foram “estabelecidas”, “fincadas na terra”, “plantadas” (cf. Jó 28,9, que fala da “raiz dos montes”).

Ele ainda não havia feito as terras e os campos,nem os primeiros vestígios de terra do mundo (v. 26).

“As terras e os campos”; lit.: a terra e “o de fora”,fora em relação às casas, a rua; em relação à cidade, “os campos”. Alguns corrigem e leem erva. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) traduz “espaços” e comenta: Parece tratar-se do que é exterior a terra.

“Os primeiros vestígios de terra”; a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) traduz “o conjunto das moléculas” e comenta: Os primeiros fragmentos de que se compõem o mundo, segundo os antigos. Em hebr. e no acádico, são chamados de “poeira”. Convém lembrar os “elementos do mundo” de Gl 4,3, que Paulo contrapõem a Cristo em Cl 2,8-20. O Apóstolo toma a expressão, aliás, em sentido bem diferente (cf. Gl 4,3…). Difícil dizer quais fossem os termos semíticos subjacentes aos que Paulo utilizou nos dois textos citados.

Quando preparava os céus,ali estava eu,quando traçava a abóbada sobre o abismo,quando firmava as nuvens lá no altoe reprimia as fontes do abismo,quando fixava ao mar os seus limites- de modo que as águas não ultrapassassem suas bordas -e lançava os fundamentos da terra,eu estava ao seu lado como mestre-de-obras;eu era seu encanto, dia após dia,brincando, todo o tempo, em sua presença,brincando na superfície da terra,e alegrando-me em estar com os filhos dos homens (vv. 27-31).

“Quando preparava os céus, ali estava eu”; também Sb 9,9 expressa a ideia da presença da Sabedoria na ação criadora.

“Traçava a abóbada (lit. círculo ou esfera) sobre o abismo”; no olhar horizontal, o horizonte redondo delimita a terra e parece impedir a invasão das águas abismais (cf. Gn 1,6). Em três dimensões, é o firmamento como “abóbada” que se apoia e delimita o horizonte total (cf. Jó: 22,14; 26,10; Is 40,22).O termo hebraico indica que esse círculo foi “desenhado”, mais exatamente, “gravado”. O que Deus faz é estabelecer um limite e não interpor um dique.

“As nuvens lá no alto”; referências às “águas acima” e às “águas em baixo” de Gn 1,7.A Bíblia do Peregrino (p. 1432) comenta:As nuvens, pesadas pela carga da agua, se mantem no alto porque aí Deus as mantem: é um fato paradoxal como o assentamento dos continentes sobre águas moveis. Às águas celestes correspondem as subterrâneas: Dt 11,11.

“Reprimia as fontes do abismo”; a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) traduz “quando as fontes do abismo mostravam sua violência” e comenta: As versões antigas entenderam assim: “e quando tornou segura as fontes”, estabelecendo um paralelo com o primeiro estíquio do v.

Deus designou aos elementos os seus lugares para que o mundo passa do caos à ordem (Gn 1,6-9 e Sl 104,9). “Que as águas não ultrapassassem suas bordas” tradução latina (Vulgata), hebraico: “que a águas não desrespeitam”. A maior parte do manuscritos gregos omitiu as duas primeiras partes do v. 29. A Bíblia do Peregrino (p. 1432) comenta: É versículo suspeito. Fala do mar enquanto diferente dos continentes, o mar delimitado por litoral e praias, o mar forçado a obedecer à ordem de Deus. O terceiro hemistíquio retoma os conhecimentos “alicerces da terra”: Is 24,18; Mq 6,2; Sl 18,16; 82,5.

“Mestre de obras”; Palavra rara em hebraico cujo o sentido é incerto; admite dois significados:

  1. a) “Criança querida” que brinca diante do pai, menino criado por ama-de-leite, como traduz o grego, ou pupilo educado por um tutor, “discípulo fiel”. Harmoniza-se com a série “geradora” do texto seguinte. Nesse caso, a Sabedoria estaria ali a se alegrar com a criação e não com a atitude de auxiliar. Isso pode parecer mais coerente com o texto seguinte, mas não corresponde ao papel conferido à Sabedoria na criação segundo o pensamento bíblico subsequentemente.
  2. b) “Arquiteto”, artista, artesão, ouvires (cf. Jr 52,15;Ct7,2). A Sabedoria teria traçado o plano, a disposição do edifício, como assistente ativa de Deus, no trabalho da criação. Isso promove hokmá (sabedoria) a uma função demiúrgica (Sb 7,21) subordinada, expressa por “aprendiz”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1243) comenta: Com efeito, na interpretação dessa passagem, não se pode deixar de lado Jo 1,1-3 (…) e o lugar que esse texto confere ao Logos na atividade criadora. A tradução aqui proposta combina melhor com o desdobramento dessa visão teológica.

A Bíblia do Peregrino (p. 1432) comenta: Entre os dois verbos paralelos, sugere-se o caráter lúdico da cena e da atividade de artesã e artística. Diante do trabalho com o suor da fronte, desenvolve-se uma atividade que é antes brincadeira e desfrute, cujos produtos levam a marca da liberdade criativa e resplandecem de beleza. “Cada dia”: alguns escutam uma alusão aos dias da criação; é possível.

“Brincando na superfície da terra”, A partícula hebraica be- pode significar o objeto ou o lugar. a) A Sabedoria maneja a terra como um joguete, brinca com ela; b) terminada a tarefa, a Sabedoria faz da terra seu campo de jogo, e faz dos homens seus companheiros de jogo. Aí conclui seu itinerário e começa sua nova atividade.

“Alegrando-me em estar com os filhos dos homens”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1244) comenta: Ideia análoga se vê em Br 3,38-41 e em Sr 24,11, onde se observa uma exclusividade em favor de Israel, ambiente primordial da Sabedoria-Torá. De modo mais universal, em Sb 1,6 a Sabedoria é identificada como permanência do Espírito no meio dos homens. Aqui o contexto é parecido. Visa-se à sabedoria, companheira ativa de Deus, manifestação animadora e alegre de sua solicitude para com os “filhos de Adão”. Esses textos podem expressar uma dupla visão do elo estabelecido pela Sabedoria entre Deus e os homens; enquanto Lei (Br e Sr) e enquanto elemento ativo da ação divina (Pr 8 e Sb 7). Ademais, os vv. 30 e 31 sugerem a referência a Jo 1,14.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1128) comenta o desenvolvimento deste conceito de sabedoria: A ideia de uma sabedoria personificada, simples artificio literário em Pr 14,1, desenvolveu-se em Israel a partir de Exilio, quando o politeísmo não era mais uma ameaça para a verdadeira religião. Se em Jó 28 e Br 3,9 – 4,4 a sabedoria aparece como uma coisa, um bem desejável exterior a Deus e ao homem, ela é apresentada em Pr 1,20-33; 3,16-19 e 8-9 como uma pessoa. Aqui ela mesma revela a sua origem (criada antes de toda criatura, vv. 22-26), assim como a parte ativa que ela toma na criação (vv. 27-30) e a função que exerce junto aos homens, para leva-los a Deus (vv. 31,35-36). BenSirac desenvolverá essa doutrina: Eclo 1,1-10 lembra Jó 28, mas Eclo 4,11-19; 14,20-15,10 e sobretudo 24,1-29 (cf. Eclo 24,1…) prolongam Pr 8. Entretanto, em todos esses textos nos quais a sabedoria é personificada como noutros a Palavra ou o Espírito, é difícil separar o que é o artificio poético, expressões de antigas concepções religiosas ou instituição de novas revelações. Finalmente, Sb 7,22-8,1 dá a impressão de que a sabedoria, “efusão da gloria de Deus”, participa da natureza divina, mas os termos abstratos que a descrevem convêm a um atributo divino e também a uma hipóstase distinta. – A doutrina sobre a Sabedoria, assim esboçada no AT, será retomada pelo NT, que realizará um progresso novo e decisivo ao aplicá-la à pessoa de Cristo. Jesus é designado como Sabedoria e sabedoria de Deus (Mt 11,19p; Lc 11,49, cf. Mt 23,34-36; 1Cor 1,24-30); como a Sabedoria, Cristo participa da criação e conservação do mundo (Cl1,16-17) e da proteção de Israel (1Cor 10,4, cf. Sb 10,17s). Finalmente o prólogo de João atribuiu ao Verbo traços de Sabedoria criadora, e todo o Evangelho de João apresenta Cristo como a Sabedoria de Deus (cf. Jo 6,35…). Isto explica porque a tradição cristã, desde são Justino, reconheceu em Cristo a Sabedoria do AT. Por acomodação, a liturgia aplicou Pr 8,22s à Virgem Maria, colaboradora do Redentor como a Sabedoria o é do Criador.

 

2ª Leitura:Rm 5,1-5

A 2ª leitura é tirada da carta aos Romanos, da parte dogmática que começoutratar da salvação e justificação pela fé. A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta: Começa outra seção. A linguagem jurídica se retira a segundo plano, cedendo lugar a uma mais ética; o predomínio do amor sucede ao predomínio da justiça de Deus. Já não se diferenciam judeus e gregos, e da justiça recebida se fala no passado.

O cristão justificado encontra no amor de Deus e no dom do Espírito a garantia da salvação. Este tema será retomado e desenvolvido no cap. 8. Encontramos na leitura de hoje as três virtudes teológicas: fé, esperança e amor-caridade (cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3 etc.)

Justificados pela fé,estamos em paz com Deus,pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo.Por ele tivemos acesso,pela fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos,na esperança da glória de Deus (vv. 1-2).

A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta: Reconciliados com Deus pela fé, entramos numa situação de paz e esperança: paz que supera a tribulação, esperança que transforma o presente. Desfrutamos da “graça” ou favor de Deus e seu “amor” revelado no sacrifício de seu Filho. Agora pomos “nosso orgulho” não em méritos de obras, mas na esperança (v.2), em Deus mesmo (v.11). Tudo por meio de Jesus Cristo (5,2.9.11.17.21).

Quem já não é devedor nem ofensor está reconciliado e em paz: Is 52,7; Ez 2,14-17; Cl 1,20. Certos manuscritos lêem “estejamos em paz”, mas isto não combina com o contexto; Paulo quer menos exortar os fiéis a procurar a paz do que fazê-los tomar consciência de que em Jesus Cristo a paz lhes é dada agora (Ef 2,14). A paz é o grande bem messiânico e não uma simples disposição de alma (cf. 1Rs 5,26;Lc 1,79; Ef 2,14).

“Por ele tivemos acesso”; o acesso agora é sob uma condição: “por ele” (as palavras “pela fé” são omitidas por numerosas testemunhas). No AT mencionava-se as condições éticas de acesso ao templo (Sl 15 e 24), da porta reservada aos vencedores (Sl 118,19s; cf.Ef 2,18; 3,12).

Esta “graça” na qual estamos “firmes” (estabelecidos) é a nova condição do fiel gratuitamente justificado em Jesus Cristo (Rm 3,24). Ele é “uma criação nova” (2Cor 5,17).

“Nos gloriamos (lit. orgulhamos), na esperança da glória de Deus”; esperamos a glória ou “o destino glorioso” (Sl 73,24). Alguns manuscritos omitem. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1244) comenta: Se o ser humano não pode apresentar nenhum título que lhe mereça a justificação (Rm 3,27; cf. Lc 18,9-14),o crente não pode fundar seu orgulho em suas obras; em compensação ele pode “depositar o seu orgulho” na esperança, pois esta, como a fé, só se apoia na misericórdia de Deus e na sua fidelidade em cumprir suas promessas (cf. Rm 4,2…). Inaugurada na obra redentora de Jesus, a realização da promessa só achara o seu pleno cumprimento na glória, isto é, na salvação final (Rm8,11.18-25). A justificação é a antecipação desta salvação que, na sua forma escatológica, permanece objeto de esperança (Rm 8,24).

A respeito da esperança cristã, cf. Bíblia de Jerusalém (p. 2126).

E não só isso,pois nos gloriamos também de nossas tribulações,sabendo que a tribulação gera a constância,a constância leva a uma virtude provada,a virtude provada desabrocha em esperança (vv. 3-4).

“Tribulações” (8,35; 2Cor 12,9-10; Tg 1,2-4; 1Pd 1,6). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1244) comenta: No AT, este termo designa sobretudo as tribulações do povo e dos homens piedosos. Assim, nos Salmos, ela designa as desditas do justo (Sl 37,39; 50,15). No judaísmo, as tribulações são um sinal do fim dos tempos (a era messiânica só se instaura depois de dores de parto), a tribulação deve ainda vir. Para os cristãos, ela veio, a era escatológica já está presente: no NT, e especialmente em Paulo, o termo desempenha um papel de monta. A condição dos fiéis, e sobre tudo dos apóstolos, é sofrer tribulação (cf. At 11,9; 17,5-6;2Cor1,4-5; Fl 4,14). É mesmo uma condição à qual os missionários e os fiéis não podem escapar (Jo 16,36; At 14,22; 1Ts 3,3). A tribulação prende-se, no NT, uma nota escatológica perceptível em vários textos (Mt 24,9-28; Ap 1,9;7,14). Paulo quer dizer que o crente não põe seu orgulho nem nas tribulações consideradas em si mesmas nem nos esforços que faria para vencê-las; ele põem toda sua segurança na graça de Deus, que se manifesta precisamente na fraqueza do homem (2Cor 12,9-10).

“Uma virtude provada” Lit. o pôr à prova, isto é, o teste de qualificação que permite avaliar se uma pessoa ou coisa têm ou não certas competências ou qualidades (2Cor 8,2; 1Pd 1,6-7).

E a esperança não decepciona,porque o amor de Deusfoi derramado em nossos coraçõespelo Espírito Santo que nos foi dado (vv. 3-5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta: Por meio de Os 2,23 conhecemos o recurso retórico do encadeamento em Tg 1,14s;2Pd 1,5-8. A esperança brota e se sustenta do amor que Deus nos tem e o Espirito Santo nos faz experimentar em nossa consciência. Ao reconhecermos internamente, pelo toque do Espirito, que Deus nos ama, nossa esperança se sente segura: aquele que nos ama não pode frustrar-nos (cf. Sl 22,6; Eclo 2,10).

“O amor de Deus”; não setrata aqui do amor que nós temos por ele, mas que Deus tem por nós.De todo NT,este versículo afirma com maior nitidez a ligação entre o amor e o Espírito.Só aqui o Espírito Santo é tal vinculado ao “amor de Deus” que se manifesta em Jesus Cristo (8,38); uma visão trinitária: Deus é amor em três pessoas (cf. 1Jo 4,8.16).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2126) comenta: O amor com que Deus nos ama e do qual o Espirito é um penhor e testemunha por sua presença ativa emnós (cf. 8,15e Gl 4,6). Nele nos dirigimos a Deus como um filho a seu Pai; o amor é recíproco. Nele, igualmente, amamos nossos irmãos como o mesmo amor que o Pai ama o Filho e com que nos ama também a nós (cf. Jo 17,26).

 

Evangelho: Jo 16,12-15

O evangelho deste Domingo da Trindade é tirado do discurso de despedida na última ceia. No quarto evangelho se frisou bastante a unidade entre o Filho (Jesus) e o Pai que o enviou. Aqui se destaca também a união do Espírito com Jesus e se mostra assim a ação conjunta das três pessoas divinas. Os caps. 15-17 pertencem a uma redação posterior, chamada eclesial porque trata de perseverança, continuidade e união numa situação crítica da comunidade que foi perseguida (16,2) e da qual alguns membros se separaram (cf. 1Jo 2,19-28).

Em poucos versículos, Jesus traça a ação futura do Espírito em duas ações complementares: para fora, deixando convicto o mundo (vv. 8-11), e para dentro, guiando a comunidade (vv. 12-15).

Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora (v. 12).

O v. 12 parece contradizer que o que foi afirmado em 15,15: “Vos comuniquei tudo o que ouvi do meu Pai”. A Bíblia do Peregrino (p. 2603) comenta: Projetá-lo ao tempo entre a Ressurreição e Pentecostes seria sair de João e passar para o esquema de Lucas. Pode-se lembrar 2,22 e 12,16, ou seja, fatos e palavras que à luz da ressurreição falam aos discípulos com uma linguagem nova, inteligível.

Jesus já disse “tudo” aos discípulos, mas há coisas no futuro (v. 13) que não os atingem os agora, mas precisam ser compreendidas por cada geração respectiva. O que falta aos discípulos, não é uma quantia maior de revelação, mas uma maior compreensão a qual o Espírito providenciará. O verbo grego aqui traduzido por “compreender”, significa “suportar” ou “carregar” e alude à paixão (19,17; Lc 11,46; 14,27; Gl6,2.5).

Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu (vv. 13-15).

O evangelho de hoje apresenta a conclusão das palavras sobre o paráclito (defensor, advogado, consolador), que é o “Espírito da Verdade” (cf. 14,16s.26; 15,26; 16,7-11). O Espírito completa a revelação, porque comunicará o que os discípulos ainda não conseguem compreender. A “verdade plena” não é um sistema dogmático, mas a realidade divina (cf. 4,24; 8,32; 17,17; 18,37s).

As coisas futuras”, Jesus não precisa revela-las num apocalipse, mas o Espírito as atualiza. Não é o que o Espírito traga novas revelações, mas “conduzirá à verdade” (no AT, a expressão era aplicada à Lei, cf. Sl 25,5), no interior da revelação de Jesus, para a compreensão sempre mais atualizada e crescente, a nova ordem das coisas, originada da morte e da ressurreição de Cristo. O futuro se entende em relação ao momento em que Jesus fala, “anunciar” (anaggelein) equivale a tomar e apresentar de novo. O Espírito interpretará os sinais dos tempos e livrará do medo do futuro. Pela partida de Jesus, os discípulos não serão separados da revelação divina, mas envolvidos pela atualização do Espírito de verdade. Os leitores de Jo já entendem os que os discípulos não podiam compreender.

Como Jesus, também o Espírito “não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido” (cf. 3,32; 7,17f; 8,26.28; 12,49; 14,10). A Bíblia de Jerusalém (p. 2029) comenta: Como Jesus glorificou o Pai (7,18), o Espírito “glorificará” Jesus, manifestando as riquezas do seu mistério. O próprio Jesus glorifica o Pai (14,13; 17,4). A revelação, portanto, é perfeitamente una, originando-se no Pai e tendo a sua realização no Filho, termina no Espírito, para a glória do Filho e do Pai.

Aqui, porém, está falando da função do Espírito em favor dos pessoas afligidas, ou seja, na economia da revelação. Tirar as consequências para uma doutrina trinitária é tarefa posterior.

Não haverá uma nova revelação independente da que é dada em Jesus Cristo. O que o Espírito revela não é mais do que a verdade de Jesus, porém a leva adiante. A verdade do Espírito é, portanto, a verdade de Jesus a qual é nada menos do que a verdade de Deus (cf. 10,30; 20,28).

O site da CNBB resume: O Espírito Santo nos é enviado não apenas como o Consolador. Ele é também o Espírito da Verdade, que nos ensinará toda a verdade. A promessa da presença do Espírito Santo no meio de nós é a garantia da fidelidade da Igreja na busca da compreensão das verdades reveladas nas Sagradas Escrituras. É o Espírito Santo quem abre o coração e a mente de todos os fiéis para que possam compreender melhor as coisas do alto e assim possibilita a todos a melhor vivência da vontade do Pai. É pela ação do Espírito Santo que podemos reconhecer Jesus e glorificar o seu santo Nome.

 

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