16 de outubro de 2016 – 29º Domingo Ano C

1ª Leitura: Ex 17,8-13

Esta leitura foi escolhida em vista do sucesso obtido pela perseverança da oração de Moisés como depois a da viúva na parábola do evangelho de hoje (Lc 18,1-8).

Os amalecitas vieram atacar Israel em Rafidim (v. 8).

O livro de Êxodo narra a libertação dos israelitas, os escravos hebreus no Egito e sua caminhada rumo a terra prometida, Canaã chamada posteriormente a terra de Israel. Por enquanto, Israel é o nome do povo em caminho, as doze tribos que descendem do patriarca Jacó apelidado de Israel (Gn 32,29; 35,10; Ex 1,1s).

Depois de Deus extinguir o exército perseguidor do faraó no mar Vermelho (Ex 14) e resolver o problema da sede e da fome no deserto (Ex 15-16), nossa leitura de hoje narra outro tipo de perigo na marcha pelo deserto: a hostilidade de tribos de beduínos, o nômades do deserto.

Segundo Gn 36,15s, os amalecitas eram descendentes de Esaú, irmão de Jacó; segundo Jz 6,1-6 e 1Sm 30, praticavam incursões predatórias. Eles saqueavam Judá a partir do deserto, entre o sul de Bersabeia (1Sm 27,8-10; 30,1) e do mar Morto (Gn 36,12; 1Cr 1,36; Jz 6,3.33; 7,12).

Como tradicionais inimigos de Israel (Dt 25,17-19; 1Sm 15), eles se opuseram à penetração israelita desde o início, ou seja desde o deserto. Na monarquia, serão adversários de Saul (1Sm 15) e de Davi (1Sm 30).

A Bíblia de Jerusalém (p. 130) comenta: Esta antiga narrativa… representa uma tradição das tribos do sul. É ligado redacionalmente a Rafidim, onde se situava o episódio precedente. De fato, os amalecitas tinham seu habitat mais ao norte, no Negueb e na montanha Seir (Gn 14,7; Nm 13,29; 1Cr 4,42s), e é nessa região que se deve procurar Horma (Nm 14,39-45, cf. Dt 25,17-19; 1Sm 15). Apresentado por Gn 36,12.16 como neto de Esaú, Amalec é de fato um povo muito antigo (Nm 24,20). No tempo dos juízes, ele se associa aos invasores de Madiã. Davi ainda o combateu. Depois só é mencionado em 1Cr 4,43 e Sl 83,8.

Moisés disse a Josué: “Escolhe alguns homens e vai combater contra os amalecitas. Amanhã estarei, de pé, no alto da colina, com a vara de Deus na mão”. Josué fez o que Moisés lhe tinha mandado e combateu os amalecitas (vv. 9-10a).

Pela primeira vez entra em cena Josué, sem ser apresentado, como se fosse conhecido. No Sinai, subirá a montanha junto com Moisés em 24,13 e reaparecerá dialogando com Moisés a meio altura. Será o sucessor de Moisés (Nm 27,15-23) e entrará na terra prometida junto com Caleb, os dois únicos sobreviventes da geração do deserto (cf. Nm 14,30s.38; Dt 1,36-38). Mas aqui já se vislumbra seu papel principal de conquistador da terra prometida através da sua habilidade militar. Josué é o mesmo nome que Jesus (tradução grega do hebraico Yehoshua, e do aramaico Yeshua).

“Amanhã estarei…”, pode-se também ligar “amanhã” ao que precede, “com a vara de Deus na mão”. A Bíblia do Peregrino (p. 138) comenta: A ação de Moisés é outro efeito do bastão maravilhoso: ver em Sl 65,8 o paralelismo entre “o estrondo do mar” e “o tumulo dos povos”. Parar unificar os dados, temos de imaginar uma alternância da mão que empunha e mantém erguido o bastão; não se fala de oração.

Moisés, Aarão e Ur subiram ao topo da colina. E, enquanto Moisés conservava a mão levantada, Israel vencia; quando abaixava a mão, vencia Amalec (vv. 10b-11).

A batalha não é vencida apenas pela força jovem, mas pela ação dos mais velhos, especialmente pela ação de Moisés que parece como mágico ou super-homem. Na verdade, é a ajuda do Senhor (cf. Sl 44,4-8), cujo nome não se se menciona neste episódio, apenas indiretamente pela vara que acompanha os prodígios de Moisés que derrotaram o faraó (cf. 4,1-5.17; 7,8-12 etc.), as vezes se fala só da mão estendida (14,15.21.26s). Levantar as mãos é gesto de oração (Sl 28,2; 77,3; 134,2).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 123) comenta: Deve-se aproximar esse gesto de Moisés, o bastão em mãos, a Js 8,18.26 e até mesmo com 2Rs 13,14-19. Trata-se de um gesto ritual de maldição dos inimigos, sinal e garantia de uma vitória, que não deve unicamente aos esforços dos combatentes.

Moisés representa a Lei que será dada pela sua intermediação no monte Sinai. Aarão, seu irmão, será o sumo sacerdote (4,13-17; caps. 28-29; 39-40). Ur (lit. Hur) é mencionado somente em 24,14: quando Moisés sobe ao monte Sinai junto com Josué para receber a Lei, a comunidade é confiado a Aarão e Ur (talvez idêntico com o avô do artesão e operário do santuário em 31,2; 35,30s; 38,22; cf. as genealogias em 1 Cr 2,19s.50; 4,1 e 4,4 onde é o ancestral de Belém).

Ora, as mãos de Moisés tornaram-se pesadas. Pegando então uma pedra, colocaram-na debaixo dele para que se sentasse, e Aarão e Ur, um de cada lado sustentavam as mãos de Moisés. Assim, suas mãos não se fatigaram até ao pôr do sol, e Josué derrotou Amalec e sua gente a fio de espada (vv. 12-13).

“As mãos de Moisés tornaram-se pesadas”, uma preparação para 18,18 onde seu sogro constata: “A tarefa é muito pesada para ti, não poderás realizá-la sozinho”. Assim o mesmo verbo descreve a inabilidade de Moisés para a função sem compartilhar sua autoridade, ele precisa decentralizar a o peso da responsabilidade.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 94) descreve a mutirão desta vitória sobre os inimigos: Tais adversários hão de ser combatidos com a imposição da Lei (Moisés) e o apoio do Templo e dos sacerdotes (Aarão e Hur, cf. 24,1-14), mediante a forca do exército ou do messias (Josué).

2ª Leitura: 2Tm 3,14-4,2

A 2ª leitura é um dos raros exemplos em que a Bíblia fala a sobre si mesma, aqui sobre a inspiração e função das Escrituras (vv. 15s).

O autor de 2Tm (provavelmente um discípulo da terceira geração) descreveu o perigo dos falsos doutores na atualidade e os perigos dos últimos tempos nos quais aumenta a sedução dos espíritos maus que levam a negação da fé (1Tm 4,1). A Nova Bíblia Pastoral (p. 1461) comenta: Mas, em contraste, apresenta-se o exemplo de Timóteo, com uma lista positiva de atitudes de apoio a Paulo. Por fim, quem anuncia a Palavra deve contar com perseguições. Timóteo está firme na fé que desde a infância aprendeu da mãe e da avó (1,5). O aprendizado da Sagrada Escritura oferece segurança, por que ela é inspirada por Deus e prepara a pessoa para toda a boa obra, pois transmite a sabedoria (2Pd 1,21).

Permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como verdade; tu sabes de quem o aprendeste (3,14).

“Tu sabes de quem o aprendeste”; variação da Vulgata (tradução latim): “de que mestres”. Estes mestres de Timóteo são as gerações anteriores: sua avó Lóide, sua mãe Eunice (1,5) e sobretudo Paulo.

Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras: elas têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e qualificado para toda boa obra (vv. 15-17).

Quando no Novo Testamento se fala das Escrituras, trata-se do Antigo Testamento (cf. Lc 24,27.45). Mas aqui, talvez, também já se inclui certos textos que encontramos no Novo Testamento (cf. 1Tm 5,18; em 2 Pd 3,15s menciona-se as cartas de Paulo e a dificuldade de entendê-las).

“As Sagradas Escrituras (ou: Letras)” A Bíblia de Jerusalém (p. 2234) comenta: Assim eram correntemente nomeados, entre os judeus de língua grega, os livros da Bíblia (cf. 1Mc 12,9). O NT cita frequentemente “as Escrituras”, ou ”a Escritura”, ou este ou aquele “livro “. Rm 1,2: “as santas Escrituras”; 2Cor 3,14: “a antiga Aliança” (mas o sentido não se restringe aos Livros; cf. 1Ts 5,27; 2Pd 3,16).

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar”, ou, menos preferível: “Toda Escritura, inspirada por Deus, é útil “ (Vulgata). A Bíblia de Jerusalém (p. 2234) comenta: Esta importante afirmação do caráter inspirado dos Livros santos, doutrina clássica no judaísmo (cf. 2Pd 1,21), parece incluir aqui certos escritos apostólicos (1Tm 5,18; cf. 2Pd 3,15-16). É na leitura assídua da Escritura que o homem de Deus nutre a sua fé e seu zelo apostólico (vv. 15-17).

A Bíblia do Peregrino (p. 2862) comenta: É um dos textos em que a escritura dá testemunho de si mesma; o outro é 2Pd 1,19-21. É “inspirada por Deus”: soprada pelo alento divino. São muito os textos do AT que relacionam o oraculo profético com a moção do Espirito = vento de Deus. Uma versão bem material se acha no famoso episódio do falso profeta (1Rs 22,24): “por onde me escapou o espírito do Senhor para te falar?” As últimas palavras de Davi trazem esta introdução: “O espirito do Senhor fala por mim, sua palavra está em minha língua“ (2Sm 23,2). A tradição cristã a retomou e estendeu aos escritos “canônicos” do NT. Da inspiração se segue o valor da Escritura para ensinar e agir. “Homem de Deus” é no AT título do profeta; aqui se explica ao cristão que tem missão especial.

Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de vir a julgar os vivos e os mortos, e em virtude da sua manifestação gloriosa e do seu Reino, eu te peço com insistência: proclama a palavra, insiste oportuna ou importunamente, argumenta, repreende, aconselha, com toda paciência e doutrina (4,1-2).

Segue-se outra recomendação solene e urgente diante da parusia (volta de Cristo no fim dos tempos): “Eu te peço com insistência (lit. conjuro-te): Proclama a Palavra…”

A Bíblia do Peregrino (p. 2862s) comenta: “Conjurar” é tomar juramento na presença de testemunhas qualificadas, invocando motivos sagrados (cf. Js 24,22). A testemunha pode ser Deus, a pessoa que jura ou um documento jurídico (cf. Dt 31,26). Invocar a parusia e o juízo universal confere garantia máxima ao juramento: o definitivo se faz presente (1Pd 4,5).

O tempo será de discernimento, entre as Palavras do evangelho que salvam, e as palavras vãs que só servem para afagar os ouvidos (vv. 3-5 omitidos pela nossa liturgia; cf. 1Tm 6,11-14).

Cristo será o juiz de todo o mundo, dos que ainda estiverem vivos no momento de sua vida e dos que ressuscitarão (cf. Mt 25,31; Jo 5,26-29; 1Ts 4,15-17). Esta afirmação que pertencia certamente ao anuncio primitivo (kerigma; cf. At 10,42; 1Pd 4,5) entrou no Credo apostólico: “há de vir a julgar os vivos e os mortos”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2235) comenta: Este apelo a um discípulo querido, no fim da última das epístolas, pode se comparar, numa tonalidade diferente, ao discurso de Mileto (At 20,18-36). Dominado pelo pensamento da morte próxima (4,6-8; leitura do próximo domingo) e da vinda do Senhor, Paulo admoesta Timóteo a prosseguir sem desfalecimento a missão que ele lhe transmite.

“Proclama a palavra” é o lema episcopal de D. Josafá, bispo de Barreiras.

Evangelho: Lc 18,1-8

Diante do julgamento no dia do Filho do Homem que virá de repente, não se pode ficar despreocupado esquecendo-se de Deus (cf. 17,22-37), mas é preciso “rezar sempre”. A parábola seguinte forma um par com a de 11,5-8. Lc a introduz com o v. 1 e ajunta-lhe como aplicação os vv. 6-7, como também o v. 8 (cf. 21,36: “Vigiai e rezai em todo momento para serdes julgados dignos… diante do Filho do Homem”).

Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir, dizendo: (v. 1).

Lucas antecipa a intenção didática da parábola e a enquadra assim na sua explicação. Diante c vinda (parusia) do Senhor, não fazer longas orações, mas sim reiteradas e prementes, para que o Senhor venha fazer justiça. São pensamentos e vocabulário paulinos: “rezar sempre” (Rm 1,10; 12,12; 1Ts 5,17; 2Ts 1,11; Fl 1,4; Cl 1,3; Fm 4) e “não desanimar (desistir)” (2Ts 3,13; 2Cor 4,1.16; Gl 6,9; Ef 3,13).

“Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’ (vv. 2-3).

A parábola apresenta uma mulher fraca contra um homem forte. As viúvas eram particularmente expostas a abusos legais e judiciais, entre outras razões, porque não podiam subornar nem pagar (Ex 22,21s; Dt 10,18; Sl 68,6; 94,6; Pr 15,25; Is 1,17; Jr 22,3; Lm 1,1). O juiz em função era “iníquo”: “não temia a Deus, e não respeitava homem algum” (implica-se mutuamente; cf. Sl 14 e, em forma positiva, as parteiras egípcias, Ex 1,17).

Durante muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!’” (vv. 4-5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: Os julgamentos costumavam celebrar-se à porta da cidade ou em outro lugar público, de modo que a viúva tinha acesso e podia reclamar publicamente. A mulher não desespera nem se resigna, tenazmente. É sua única arma;

resignar-se seria fazer o jogo da injustiça. Até que o juiz ceda e se ocupe dela por puro egoísmo.

“Por fim, ele pensou” (lit. “ele disse a si mesmo”). Monólogos (falar consigo mesmo, com “sua alma”) são frequentes em Lc (cf. 12,17-19; 15,17-19; 16,3s etc.).

E o Senhor acrescentou: ”Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa (vv. 6-8a).

O “Senhor” é Jesus que comenta a própria parábola (cf. 16,8). É audaz sobrepor a Deus a imagem do juiz injusto e egoísta.

A Bíblia do Peregrino (p. 2515) comenta: Quando Deus tolera o malvado e deixa sofrer suas vítimas, é injusto? (cf. Jr 15,15). A surpresa nos faz fixar-nos mais no ponto central: Deus fará justiça, mas sem demora, “bem depressa”? O salmista repete “até quando?” (Sl 13). Muitos acontecimentos históricos induzem os homens a duvidar da justiça de Deus.

Trata-se do escândalo clássico da inação aparente de Deus (Sl 44,23; Zc 1,12) que a demora da parusia (volta de Cristo) provocou novamente entre os cristãos: Quando Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos? Quanto tempo ainda?

O motivo de atender aos pedidos é diferente, mas o que importa é a certeza: Se o juiz corrupto se deixa mover pelo próprio egoísmo, quanto mais Deus que é nosso Pai atenderá por amor “seus escolhidos” (cf. Is 42,1; Mc 13,20). Deus não se omite nem desatende seus escolhidos: “Há um Deus que faz justiça na terra” (Sl 9,9; 58,12; 94,2).

“Será que vai fazê-los esperar?” ou “mesmo que os faça esperar” (a tradução da nossa liturgia não é unânime!). Fará justiça “bem depressa” ou de “repente” (como um relâmpago, cf. 17,24-36)? A Bíblia de Jerusalém (p. 1964) comenta: Em Eclo 35,18-19, onde esse versículo parece ter-se inspirado, é dito que Deus não esperará, nem tardará a fazer justiça aos pobres oprimidos; aqui é dito que usa de paciência, Talvez essa adaptação reflita o cuidado de explicar a demora da Parusia. Comparar uma atitude análoga em 2Pd 3,9; Ap 6,9-11.

Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (v. 8b)

Este v. faz a ligação com o cap. anterior (17,5s.19.22-37) sobre a “fé” e a vinda (parusia) do Filho do Homem (cf. 21,36). Deus virá para fazer justiça; mas não basta: o escolhido há de conservar a fé e a perseverança, continuar orando para receber o que vem (cf. as frases finais em 7,9.50; 8,48; 17,19; 18,42). A fé e a esperança num Deus, justo juiz, deve animar o ser humano e a Igreja, até o fim da sua peregrinação terrestre.

O site da CNBB comenta: A parábola do juiz iníquo nos mostra, como o próprio São Lucas nos diz, a necessidade da oração constante e da confiança em Deus que sempre ouve as nossas preces. Porém devemos ver qual a preocupação de Jesus no que diz respeito ao conteúdo da oração. O juiz não quer fazer justiça para a viúva e depois a faz por causa da insistência dela. A partir disso, Jesus nos fala sobre a justiça de Deus, ou seja, que o Pai fará justiça em relação aos que a suplicam. Deste modo, vemos que Jesus exige que a nossa oração não seja mesquinha, desejando apenas a satisfação das necessidades temporais, mas sim a busca dos verdadeiros valores, que são eternos.

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