16 de outubro de 2017 – Segunda-feira, 28ª semana

Leitura: Rm 1,1-7

Na Bíblia, as cartas do apóstolo Paulo não estão colocadas em ordem cronológica, mas pelo critério do tamanho (aliás, também os capítulos do Al-Corão dos muçulmanos). A carta aos Romanos é a carta mais volumosa de Paulo, por isso ela está em primeiro lugar na sequência das cartas do apóstolo (a menor, Fm, está no último lugar; Hb não é de Paulo, é uma carta anônima).

Nada sabemos sobre a origem da comunidade cristã de Roma, nem sobre suas condições na época de Paulo. As únicas informações são as que se podem tirar desta carta. Formada talvez por cristãos vindos da Palestina e da Síria, essa comunidade logo se tornou conhecida no mundo todo. Um edito do imperador Cláudio, no ano 49, expulsou de Roma os judeus e, provavelmente, também cristãos. Prisca e Áquila, um casal judeu-cristão, vítimas dessa expulsão, foram para Corinto, onde se encontraram com Paulo (At 18,1-3), que realizava a segunda viagem missionária (50-52 d.C.). É através deles que Paulo é informado sobre a situação dos cristãos em Roma. A partir dessa época, o Apóstolo começa a fazer planos para visitá-los pessoalmente. Por ocasião da terceira viagem (57-58 d.C.), ele se encontra novamente em Corinto (At 20,1-3), e projeta ir até a Espanha. Escreve, então, a fim de preparar os cristãos de Roma para a sua tão desejada visita (Rm 15,14-29) e dar um resumo da sua teologia. Como esta carta é uma das últimas cartas autênticas, é chamada também “testamento de Paulo” (2Tm se apresenta assim, mas não é de Paulo, sim da terceira geração cristã).

Seguindo o formulário antigo de cartas, no início desta carta constam o remetente (vv. 1-6), o destinatário (v. 7a) e uma saudação (v. 7b). Mas Paulo dá a essas formulas uma tonalidade cristã que lhe é própria e as prolonga ajustando-lhes um pensamento teológico que, na maioria das vezes, anuncia os temas maiores de cada carta. Em Rm temos os seguintes temas: a gratuidade da eleição divina, o papel da fé na justificação, a salvação pela morte e ressurreição de Cristo, a harmonia dos dois Testamentos.

Eu, Paulo, servo de Jesus Cristo, apóstolo por vocação, escolhido para o Evangelho de Deus (v. 1).

Paulo deixou o velho nome Saulo (At 13,9; nomes duplos eram comum, um hebraico, outro greco-latino). Ainda não conhece os cristãos de Roma. Por isso, apresenta-se com todos os seus títulos: “servo”, “apóstolo” e “escolhido”. Não é só servo de Deus (cf. Js 24,29; 2Rs 18,12; Is 42,19 etc.), mas do messias (Cristo) Jesus, não é apóstolo por vontade própria ou pelo chamado de Jesus como os doze, mas pelo chamado do próprio ressuscitado (cf. 1Cor 9,1s.17; Gl 1,15s; At 9) como instrumento escolhido para anunciar o Evangelho entre os pagãos (cf. At 9,15). Como os antigos profetas (cf. Jr 1; is 6; 42,7), Paulo foi chamado, só que ao apostolado (enviado, embaixador; cf. Jr 25,4) da Boa Notícia (“Evangelho”; cf. Is 40,9). Quem o envia, é Jesus.

O título de “apóstolo”, de origem judaica e traduzido para o grego, significa “enviado” (cf. Jo 13,16; 2Cor 8,23; Fl 2,25), no NT é aplicado ora aos doze discípulos escolhidos por Cristo (Mt 10,2; At 1,26; 2,37, etc.; 1Cor 15,7; Ap 21,14) para serem suas testemunhas (At 1,8), ora, em sentido mais lato, aos missionários do Evangelho (Rm 16,7; 1Cor 12,28; Ef 2,20; 3,5; 4,11). Não obstante Paulo não tenha sido incorporado ao colégio dos Doze, seu carisma excepcional de missão entre os pagãos (At 26,17; Rm 11,13; 1Cor 9,2; Gl 2,8; 1Tm 2,7) faz dele um apóstolo de Cristo (Rm 1,1; 1Cor 1,1, etc.), que em nada fica devendo aos Doze, pois como eles (At 10,4) também ele viu a Cristo ressuscitado (1Cor 9,1) e recebeu dele (Rm 1,5; Gl 1,16) a missão de ser uma testemunha escolhida (At 26,16). Embora se reconheça o último dos apóstolos (1Cor 15,9), ele afirma claramente ser igual aos outros (1Cor 9,5; Gl 2,6-9), e não deve a eles o seu evangelho (Gl 1,1.17.19).

Esse Evangelho, que Deus havia prometido, por meio de seus profetas, nas Sagradas Escrituras, e que diz respeito a seu Filho, descendente de Davi segundo a carne, autenticado como Filho de Deus com poder, pelo Espírito de Santidade que o ressuscitou dos mortos, Jesus Cristo, Nosso Senhor (vv. 2-4).

A missão de Paulo é anunciar o “Evangelho”, isto é, a Boa Notícia que Deus revela ao mundo, antiga na promessa, nova no cumprimento que Deus enviou o messias para libertar os homens e instaurar o seu Reino. O centro desse Evangelho é, portanto, a pessoa de Jesus na sua vida terrena, morte e ressurreição, que o constituem o “Cristo” prometido pela Escritura (messias para Israel) e o “Senhor” do mundo e da história (cf. 10,9; Fl 2,9-11). Jesus é o messias esperado, descendente de Davi (Jr 23,5; Am 9,11; Mt 1,1-17) que não subiu ao trono de um reino judaico independente como muitos esperavam (cf. At 1,6), mas em virtude da sua ressurreição e pela ação do Espírito Santo, foi nomeado e estabelecido no trono como “Filho de Deus” (cf. Sl 110,1; 2Sm 7,9; At 2,35s).

Paulo parece desconhecer a origem de Jesus pela virgem (cf. Gl 4,6) ou não se refere a ela (por haver mitos semelhantes sobre César Augusto e outros?). A novidade consiste no pleno “poder” pelo Espírito, já que Jesus era Filho de Deus antes (cf. 8,3). Mas para Paulo o que faz Jesus “Filho de Deus” em pleno poder não é a origem (pela carne é descendente de Davi), sim o Espírito Santo que o ressuscitou dos mortos, fato experimentado e testemunhado pelo próprio Paulo e outros (cf. 1Cor 15,3-8).

Paulo atribui a ressurreição de Cristo à ação de Deus (1Ts 1,10; 1Cor 6,14; 15,15; 2Cor 4,14; Gl 1,1; Rm 4,24; 10,9; At 2,24; 1Pd 1,21) que nela manifestou seu “poder” (2Cor 13,4; Rm 6,4; Fl 3,10; Cl 2,12; Ef 1,19s; Hb 7,16). É pelo Espírito Santo que ele foi reconduzido à vida (Rm 8,11) e colocado no seu estado glorioso de “Senhor” (Fl 2,9-11; At 2,36; Rm 14,9), no qual ele merece por um novo título, messiânico, seu nome eterno de “Filho de Deus” (At 13,33; Hb 1,1-5; 5,5; cf. Rm 8,11; 9,5).

É por Ele que recebemos a graça da vocação para o apostolado, a fim de podermos trazer à obediência da fé todos os povos pagãos, para a glória de seu nome. Entre esses povos estais também vós, chamados a ser discípulos de Jesus Cristo (vv. 5-6).

A originalidade da missão de Paulo (em comparação a de outros apóstolos, cf. Gl 2,7) é conduzir os “pagãos” (não-judeus, gentios) à “obediência da fé”, ou seja, a uma submissão livre, que os faz viver de acordo com a vontade de Deus (como p. ex. Abraão, Maria), manifestada em Jesus Cristo.  “Responder com fé” é também “obediência da fé” que ocupa o lugar da obediência à lei no AT.

A vós todos que morais em Roma, amados de Deus e santos por vocação, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e de nosso Senhor, Jesus Cristo (v. 7).

A missão de Paulo se estende a todos os pagãos, entre os quais se conta Roma, capital do Império. A comunidade de Roma já respondeu com fé, por isso Paulo compreende os destinatários da carta como “amados de Deus” (cf. Is 41,8; Dt 7,7s) e “santos por vocação” (cf. Lv 11,44s; 19,2; 20,26 etc.), santificados pela palavra (chamados a ser discípulos, cf. v. 6) à qual responderam com fé, e pelo sacramento do batismo. Da saudação comum (“graça”/alegria é saudação grega, “paz” é saudação hebraica), Paulo faz um voto de benção “da parte de Deus, nosso Pai e de Jesus, messias (Cristo) e Senhor”, uma profissão de fé concentrada.

 

Evangelho: Lc 11,29-32

Os ouvintes de Jesus lhe pediram um “sinal de céu” (v. 16). O “céu” é para os judeus contemporâneos uma maneira de designar Deus sem pronunciar o seu nome inefável (Dn 4,23; 1Mc 3,18 etc.; cf. Lc 15,18.21; 20,4; Mt 3,2 etc.). “Os judeus pedem sinais” (1Cor 1,22), prodígios que exprimem e justifiquem a autoridade que Jesus reivindica (cf. Is 7,11-12; Lc 1,18; Jo 2,11). Os milagres que Jesus realizou não bastam, alguns atribuem suas curas até ao chefe dos demônios (v. 15), querem um sinal do céu a semelhança dos prodígios do êxodo ou de Elias.

Os incrédulos aqui não são os adversários (fariseus, saduceus ou escribas que querem tentá-lo, cf. Mc 8,11; Mt 12,38; 16,1), mas “outros” (v. 16) ou o povo em geral (as multidões reunidas, cf. vv. 24.27; 8,4.40; 9,11.37 etc.).

Quando as multidões se reuniram em grande quantidade, Jesus começou a dizer: ”Esta geração é uma geração má. Ela busca um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal de Jonas (v. 29).

Jesus se queixa de seus contemporâneos que são “uma geração má” (e adúltera, cf. Mt 12,39), que reclama sinais, mas recusa os que lhe são dados. Já em Mc 8,12, Jesus afirma que esta geração não terá “nenhum sinal”, após ter realizado milagres que já apresentou como sinais (Lc 7,22; 11,20). Outra fonte (além de Mc) que Mt e Lc têm em comum (chamada fonte Q), apresenta “a não ser o sinal de Jonas” e em seguida a “rainha do sul” (v. 31; Mt 12,39-42). Aos seus contemporâneos que não querem acolhê-lo, Jesus opõe os pagãos de outrora que aceitaram a palavra de Salomão e de Jonas.

Com efeito, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim também será o Filho do Homem para esta geração (v. 30).

O profeta israelita Jonas não fez milagres em Nínive, mas suas poucas palavras converteram esta grande cidade pagã (cf. Jn 3; leitura de terça-feira da semana passada). Seu anúncio do juízo provocou o arrependimento dos pagãos e o perdão de Deus. É da mesma maneira que deve ser concebida a função e o sinal quanto ao “Filho do Homem”. Ora, o sinal é esse: a pessoa de Jesus, seus ensinamentos e milagres, mas como esta geração não quer acolhê-lo, em lugar de sinal se convocarão duas testemunhas de acusação que no final das contas deporão num juízo de comparativo de agravantes (cf. Ez 16,46-52).

Jesus ressuscitado é o “Filho do Homem” que virá para julgar as nações (cf. 17,22-29; 21,27; Mt 25,31s). Antes da ressurreição, os ensinamentos e curas de Jesus devem ser são sinais suficientes para crer. Mas quando Lc escreve, depois da ressurreição, percebe-se nesta o sinal de Jesus por excelência (cf. o futuro: “será um sinal”). Mt 12,40 avançou ainda mais, explicando que Jonas foi sinal pelos três dias passados escondido no ventre da baleia (Jn 2,1), “assim ficará o Filho do Homem três dias e três noites no seio da terra.”

No dia do julgamento, a rainha do Sul se levantará juntamente com os homens desta geração, e os condenará. Porque ela veio de uma terra distante para ouvir a sabedoria de Salomão. E aqui está quem é maior do que Salomão (v. 31).

A rainha do Sul veio de Sabá (provavelmente da Etiópia ou do sul da Arábia, no atual Yêmen) para admirar a sabedoria do rei Salomão (1Rs 10,1-10), na Bíblia o sábio por excelência (1Rs 3; 5,9-14). Mas Jesus é mais sábio do que ele. Lc gosta de notar esta sabedoria de Jesus (2,40.52; 21,15) e evoca a sagração de Salomão na entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (19,35-38; cf. 1Rs 1,38-40). Lc escreve para leitores do mundo greco-romano, onde a sabedoria é um valor supremo (filosofia).

No dia do julgamento, os ninivitas se levantarão juntamente com esta geração e a condenarão. Porque eles se converteram quando ouviram a pregação de Jonas. E aqui está quem é maior do que Jonas” (v. 32).

Em Mt, este v. vem antes daquele da rainha do sul, mas Lc quer terminar com a conversão dos pagãos, grande meta das viagens de Paulo no segundo volume de Lucas, os Atos dos Apóstolos. Os pagãos são representados pela “cidade muito grande” de Nínive (Jn 3,3b), mas Lc pode sonhar com a conversão de outra grande cidade, Roma, onde terminam os Atos (cf. 23,11; 28,16-31).

O profeta israelita Jonas não fez milagres em Nínive, mas suas poucas palavras converteram esta grande cidade pagã. Seu anúncio do juízo provocou o arrependimento dos pagãos e o perdão de Deus. Se os pagãos se converteram a partir de um dos “profetas menores”, quanto mais Israel devia se converter, pois Jesus é “maior do que Jonas”, ele é o “Filho do Homem”, o futuro juiz do mundo.

Já João Batista era “mais que um profeta”, pelo seu papel escatológico (7,22-26p); Jesus mais ainda. Já antes da ressurreição, seus ensinamentos e curas devem ser sinais suficientes para crer. Ele supera a profecia e a sabedoria dos antigos (o AT e a filosofia); cf. 1Cor 1,22s: “Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em procura de sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo e para os gentios é loucura”.

Jesus é mais do que um rei, até o mais sábio, é mais do que o profeta Jonas; ele (presente na Igreja) converterá mais povos pagãos através da sua palavra e do seu exemplo (morte e ressurreição).

O site da CNBB comenta: Ainda hoje, para muitas pessoas, Deus deve manifestar-se constantemente para todos, pois somente assim o mundo poderá crer. Na verdade, essas pessoas querem uma demonstração evidente da existência de Deus e da sua presença no nosso dia a dia, porém, o Evangelho de hoje nos mostra que assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, Jesus é um sinal para nós por sua palavra e é nela que devemos crer e não ficar exigindo que ele fique realizando “milagres” para que fundamentemos a nossa fé.

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