17 de janeiro de 2017 – Terça-feira, 2ª semana

Leitura: Hb 6,10-20

Os temas anunciados em 5,9-10 (cf. leitura de ontem) necessitam de uma explicação maior. “Muitas coisas teríamos a dizer sobre isso, e a sua explicação é difícil, pois vos tornastes lentos à compreensão” (5,11). Logo o autor anônimo de Hb sacode o auditório com uma advertência energética (5,11-6,20), antes de explicar o que significa um “sacerdote eterno na ordem de Melquisedec” (6,20; cf. 5,4.6; etc.).

Deus não é injusto, para esquecer aquilo que estais fazendo e a caridade que demonstrastes em seu nome, servindo e continuando a servir os santos. Mas desejamos que cada um de vós mostre até ao fim este mesmo empenho pela plena realização da esperança, para não serdes lentos à compreensão, mas imitadores daqueles que, pela fé e a perseverança, se tornam herdeiros das promessas (vv. 10-12).

Antes de expor a parte central do sermão, o autor exorta a comunidade que passa de severidade (5,11s) para elogios (6,9-10, o lado bom, “a caridade que demonstrastes”, o serviço). Mas preciso de “fé e perseverança” (v. 12), “até o fim… pela plena realização da esperança” (v. 11; cf. a tríade fé, esperança, caridade nas cartas de Paulo). Uma segunda conversão de pessoas que se afastaram, lhe parece impossível (cf. vv. 4-8). Não basta só a catequese elementar (v. 1), é preciso aprofundar a fé “para não serdes lentos à compreensão” (lit. preguiçosos nos ouvidos, v. 12; cf. 5,11), e vivenciar e praticá-la na caridade e serviço à Igreja (“aos santos”, v. 10; termo comum para designar os crentes, cf. At 9,13.32.41; Rm 8,27; 12,13; 15,26.31; etc.; as vezes título honorífico para a Igreja de Jerusalém ou da Judeia, 2Cor 9,12; Rm 15,26).

Os “herdeiros da promessa” (v. 12) que se deve imitar, são as testemunhas de fé no AT que serão apresentadas em cap. 11, exemplos de fé a partir de Abraão, mas também os cristãos que se tornaram coerdeiros da promessa (cf. Gl 3,14.29; Ef 1,13s).

Pois quando Deus fez a promessa a Abraão, não havendo alguém maior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: “Eu te cumularei de bênçãos e te multiplicarei em grande número”. E assim, Abraão foi perseverante e alcançou a promessa (vv. 13-15).

A citação é da promessa dada a Abraão em Gn 22,17 (grego).

Os homens juram, de fato, por alguém mais importante, e a garantia do juramento põe fim a qualquer contestação. Por isso, querendo Deus mostrar, com mais firmeza, aos herdeiros da promessa, o caráter irrevogável da sua decisão, interveio com um juramento (vv. 16-17).

Os judeus costumavam fazer juramentos como garantia da verdade (v. 16; cf. Mt 5,33-37). “Não havendo alguém maior para quem jurar”, Deus jurava por si mesmo a Abraão “para mostrar com mais firmeza, o caráter da sua decisão”: a promessa de abençoar e multiplicar a descendência de Abraão (cf. Gn 12; 15).

No Evangelho de Mt, dirigido a judeu-cristãos, contesta-se a mania de jurar (Mt 5,33-37). Mas o juramento é um meio de dar “mais firmeza” a sua afirmação e maior comprometimento, aqui “o caráter irrevogável da sua decisão”, enquanto outras vezes Deus revoga sua decisão de destruir o povo (cf. Ex 32,11-14; etc. cf. Jn 3). Em Hb 7,20s, enfatiza-se o juramento de Deus como garantia ao messias de ser “sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec” (Sl 110,40), enquanto para os outros sacerdotes (levitas) não havia tal juramento.

Assim, por meio de dois atos irrevogáveis, nos quais não pode haver mentira por parte de Deus, encontramos profunda consolação, nós que tudo deixamos para conseguir a esperança proposta. A esperança, com efeito, é para nós qual âncora da vida, segura e firme, penetrando para além da cortina do santuário, aonde Jesus entrou por nós, como precursor, feito sumo sacerdote eterno na ordem de Melquisedec (vv. 18-20).

Antes da lei de Moisés, Abraão é modelo de fé e esperança (cf. Gn 15,6). Antes do sacerdócio de Aarão, Melquisedec é modelo do sumo sacerdote (Gn 14,18-20). Antes de qualquer lei e instituição cultual, encontramos “dois atos irrevogáveis” (v. 18): a promessa e o juramento de Deus.

A promessa e o juramento de Deus são válidos, Deus é fiel, “não pode haver mentira por parte de Deus” (v. 18). “Nós que tudo deixamos” como Abraão (Gn 12,1.4; cf. Mc 10,28-30p), encontramos nisso “consolação profunda e esperança que é qual âncora da vida, segura e firme” (v. 19). A âncora dos navios, símbolo clássico da estabilidade, torna-se a imagem privilegiada da esperança (na arte cristã a partir do séc. II). Tal esperança firme vai “penetrando para alem da cortina do santuário aonde Jesus entrou por nós, como precursor” (v. 20). Só o sumo sacerdote podia entrar, uma vez por ano (9,7), para além da cortina para pronunciar o nome do Senhor (Yhwh, Javé). Na hora do sacrifício (morte) de Jesus, esta cortina, que serviu de separação, rasgou (Mc 15,38p; cf. Ex 26,31-37). Por Jesus, o acesso ao Sagrado está livre para nós.

Evangelho: Mc 2,23-28

Ouvimos hoje a quarta das cinco controvérsias em seguida com os fariseus; desta vez a questão é a observância do sábado, prescrita pelo decálogo (“dez palavras” ou seja, os dez mandamentos: Ex 20,8; Dt 5,12).

Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. Então os fariseus disseram a Jesus: “Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?” (vv. 23-24).

No Antigo Testamento (AT), o próprio Deus não trabalhou no sétimo dia para descansar depois dos seis dias de toda sua obra da criação (Gn 2,2-3). Depois de libertar os hebreus da escravidão, prescreveu a folga no sábado, mesmo no deserto (Ex 16). Moisés declarou a pena de morte para quem violar o sábado (Ex 31,15; 32,2; executada em Nm 15,32-36), porque o sábado é “coisa santa para vós”, “sinal perpétuo” da “aliança eterna” (cf. Ex 31,14.16s).

No sábado, não era permitido qualquer trabalho, nem plantar nem colher (Ex 34,31), nem cozinhar, nem colher lenha, nem caminhar mais de um quilômetro (cf. At 1,12). Arrancar espigas no campo alheio era permitido para matar a fome, mas não carregar nada em cesto (Dt 23,25). Numa sociedade fraterna e fecunda na partilha, os bens necessários à vida não são propriedade de ninguém, quando está em jogo a sobrevivência. A jurisprudência dos fariseus permitiu arrancar espigas, mas não debulhá-los no sábado.

Jesus lhes disse: “Por acaso, nunca lestes o que Davi e seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e tiveram fome? Como ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães oferecidos a Deus, e os deu também aos seus companheiros? No entanto, só aos sacerdotes é permitido comer esses pães” (vv. 25-26).

Jesus responde à acusação como um exemplo bíblico do rei mais ilustre, Davi, que em caso de necessidade (fome) suspendeu a obrigação da lei (cf. 1Sm 21,1-7). Se era sagrado o sábado, não eram menos os pães oferecidos a Deus (cf. Lv. 24,5-9). Os sacerdotes colaboraram com Davi, e os fariseus não têm coragem de censurar o rei Davi. O nome do sacerdote na parada de Davi em Nob era, na verdade, Aquimelec, descendente de Eli e pai de Abiatar (1Sm 21,2-7). Mas Abiatar era mais famoso como sumo sacerdote no reinado de Davi (outra tradição considerava Abiatar pai de Aquimelec, 2Sm 8,17).

O paralelo Mt 12,5 acrescenta ainda o trabalho cultual dos sacerdotes que continua no dia do sábado (Mt 12,5; cf. Nm 28,9). Outro exemplo, a suspensão do repouso no sábado para poder defender-se na guerra dos macabeus (1Mc 2,31-38), não é citado, provavelmente porque os dois livros dos Macabeus não fazem parte da Bíblia hebraica (única versão reconhecida pelos rabinos fariseus em 90 d.C.).

Em Mc, Jesus concentra-se na necessidade da fome que justifica alimentar-se das espigas arrancadas mesmo em dia de sábado. Assim Jesus devolve o verdadeiro sentido do decálogo, ou seja, da lei de Moisés revelada por Deus: vida e liberdade para seu povo (cf. Ex 20,1; Dt 5,15). A interpretação restrita dos fariseus transformou a lei do sábado numa gaiola em vez de ser uma garantia da liberdade (ser livre da escravidão, cf. Dt 5,15) e uma antecipação do paraíso (cf. Gn 2,3).

E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado” (vv. 27-28).

Jesus conclui com uma sentença que, aliás, vale não só para o sábado, mas para qualquer lei: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (v. 27). E acrescenta atribuindo-se mais uma vez o título de Dn 7,13-14: “O Filho do homem é Senhor também do sábado” (v. 28; cf. 10 e o comentário de sexta-feira passada). O Filho do homem é maior do que Davi (cf. 12,35-37): ele tem origem celeste e receberá um reino universal sem fim das mãos de Deus (Dn 7,13s; cf. Lc 1,32; Mc 8,38; 13,25s; 14,62).

O site da CNBB resume: Novamente entra em discussão a questão das práticas religiosas. O evangelho de hoje nos apresenta a questão do legalismo religioso e da verdadeira finalidade da religião. Muitas vezes, vemos que as religiões estão muito mais fundamentadas em proibições do que em motivações e na criação de novos relacionamentos das pessoas com Deus e das pessoas entre si. O resultado dessa mentalidade é que a religião se torna cada vez mais uma coisa odiosa e insuportável, e Deus aparece não como um Pai amoroso, mas como um carrasco autoritário. A verdadeira religião é aquela que cria valores e leva as pessoas à maturidade em todos os sentidos para que livremente possam optar por Deus.

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