17 de Maio de 2019, Sexta-feira: Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim (vv. 5-6a).

Leitura: At 13,26-33

Na sinagoga de Antioquia da Pisídia, durante o culto, Paulo foi convidado a dar uma palavra de conforto (cf. Lc 4,16ss). É o grande discurso inaugural de Paulo, no qual Lucas, o autor dos Atos, quer apresentar a síntese da pregação do apóstolo aos judeus. Duas partes: primeiro (vv. 16-25, cf. leitura de ontem), um resumo da história sagrada (cf. o discurso de Estevão, cap. 7), acrescido de uma alusão ao testemunho de João Batista; depois (vv. 26-39), Jesus, morto e ressuscitado, é mesmo o Messias esperado.  Esta pregação é estreitamente aparentada com os discursos de Pedro, exceto a parte final que alude a doutrina paulina da justificação pela fé em vv. 38s (omitidos pela leitura de hoje como também o fim do discurso, vv. 40s, uma grave advertência tirada da Escritura, cf. 28,26-27).

Irmãos, descendentes de Abraão, e todos vós que temeis a Deus, a nós foi enviada esta mensagem de salvação (v. 26).

No início da segunda parte do discurso, Paulo passa ao tema cristológico com uma nova introdução: outra vez (cf. v. 16), se dirige às duas categorias de ouvintes: judeus de nascimento e simpatizantes (“tementes a Deus”, cf. 10,2). Chama os judeus presentes de “descendentes de Abraão”, distinguindo-os do resto. Mais tarde, nas suas cartas, Paulo dará outra amplitude a “linhagem de Abraão” (cf. Gl 3,29; Rm 4,16s; 9,7s). A “mensagem de salvação” se dirige agora a todos; a sinagoga pode ser ainda lugar de encontro e de escuta da nova mensagem (= evangelho).

Os habitantes de Jerusalém e seus chefes não reconheceram a Jesus e, ao condená-lo, cumpriram as profecias que se leem todos os sábados (v. 27).

Sem insistir na culpa, embora sem escondê-la sublinha o fato de que os habitantes de Jerusalém foram instrumento para que se cumprisse as profecias.

O verbo grego vibra com certa ambiguidade: a ignorância pode ser atenuante (3,17) ou pode ser culpada, “não reconheceram”: não acolheram Jesus como messias e salvador, anunciado nas profecias. Embora aos sábados se leiam “a lei e os profetas” (cf. Lc 24,27.44), o orador se detém expressamente nos profetas que representam o fator dinâmico projetado para o futuro. Não basta ser israelita, descendente de Abraão, é preciso abrir-se ao futuro já presente como cumprimento.

Condenando cumpriram (sem querer): como os irmãos de José fizeram com que se cumprissem os sonhos dele. Agiam de acordo com o plano de Deus, segundo as escrituras. Significa que algumas pessoas agindo mal contribuem até de maneira inconsciente com o plano preestabelecido por Deus. Deus escreve reto por nossas linhas tortas.

Embora não encontrassem nenhum motivo para a sua condenação, pediram a Pilatos que fosse morto (v. 28).

A culpa esta mais clara nessa fase (Lc 23,4.21). É um dos temas da apologética cristã: Jesus inocente e injustamente condenado (cf. 3,13s; Lc 23,14.22.47; Mt 27,3-10.19.23s).

Depois de realizarem tudo o que a Escritura diz a respeito de Jesus, eles o tiraram da cruz e o colocaram num túmulo (v. 29).

O texto ocidental é mais detalhado: “escrito a seu respeito, pediam a Pilatos, depois de tê-lo crucificado, licença para tirá-lo do madeiro; e tendo obtido a autorização, desceram-no e o depositaram no sepulcro“.

Todo o tempo da crucificação até morrer era conforme às Escritura (cf. Jo 19,28; 1Cor 15,3s; Lc 24,25-27.44-46). O sepultamento confirma a morte (Lc 23,53p; 1Cor 15,4a).

Mas Deus o ressuscitou dos mortos e, durante muitos dias, ele foi visto por aqueles que o acompanharam desde a Galileia até Jerusalém. Agora eles são testemunhas de Jesus diante do povo (vv. 30-31).

De novo, quem toma iniciativa é Deus (cf. a eleição do povo em v. 17), autor da ressurreição. A frase sucinta faz parte do kerygma e da confissão primitiva (“o Cristo foi morto, mas Deus o ressuscitou”  cf. 2,23s; 3,13-15; 5,30s; 1Cor 15,3-5; Rm 10,9; 1Ts 4,14). Os doze apóstolos são testemunhas do fato (para Lc, o autor dos Atos, Barnabé e Paulo não entram no grupo dos apóstolos, com excecão em 14,4.14; cf. 1,21s). Este apelo ao testemunho dos apóstolos galileus surpreende um pouco nos lábios de Paulo, que não separava seu próprio testemunho do testemunho deles (1Cor 15,3-11).

Por isso, nós vos anunciamos este Evangelho: a promessa que Deus fez aos antepassados, ele a cumpriu para nós, seus filhos, quando ressuscitou Jesus, como está escrito no salmo segundo: “Tu és o meu filho, eu hoje te gerei“ (vv. 32-33).

Paulo e Barnabé são “evangelistas” ou arautos da boa noticia: “anunciamos este evangelho”, o qual é: ressuscitando Jesus, Deus cumpriu “para nós, seus filhos”, o que foi prometido “aos antepassados” (cf. v. 17). É notável nessa síntese todas as promessas no fato singular de ressuscitar Jesus: parece exagerado ou simplista? Quem o tiver compreendido como Paulo não julgará desse modo. Podiam endendê-lo seus ouvintes?  Sim, se soubessem interpretar a Escritura que Paulo cita em seguida em três textos: Sl 2,7; 16,10; Hab 1,5 (vv. 33-41).

Nossa liturgia de hoje só transmite o primeiro: o “salmo segundo” (texto ocidental: primeiro salmo, pelo costume antigo, ler o primeiro e o segundo juntos) apresenta o sumo sacerdote como porta-voz de Deus entronizando (ungindo) o rei em Israel com estas palavras “Tu és o meu filho, eu hoje te gerei“ (Sl 2,7). A ressurreição de Cristo foi sua entronização messiânica: sua humanidade entrou, então no gozo pleno dos privilégios do “Filho de Deus” (cf. Rm 1,4; Hb 1,5; 2Sm 7,14a; Is 42,1; Mc 1,11p).

Deus é o grande articulador da história de salvação e nada pode impedir o seu plano de amor. Mesmo os que não acolhem a salvação estão colaborando no projeto de salvação, inconscientmente. Por sua vez, Deus ressuscitou Jesus dos mortos; vivo e vencedor, Jesus “foi visto durante muitos dias por aqueles que o acompanharam desde a Galileia” (v. 30). Agora, os apóstolos são testemunhas de Jesus diante do povo. Conscientemente são colaboradores do plano de salvação de Deus, são missionários do Salvador. De geração em geração, Deus suscita em algumas pessoas não o desejo de maltratar, mas o desejo de amar, de entregar a vida por Jesus e anunciar a sua palavra.

Evangelho: Jo 14,1-6

Continuamos no discurso de despedida de Jesus na última ceia. Depois de Jesus ter anunciado a traição de Judas (13,10.18.21-30) e a negaçaõ de Pedro (13,36-38), continua falando aos discípulos:

“Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também” (v. 1).

O anúncio deixou Pedro e os discípulos em crise. Eles têm dificuldades de entender para onde Jesus vai (cf. v. 5; 13,33.36) e estão com medo. Só existe um remédio: a fé. O livro de Isaías narra o pavor do rei Acaz diante da ameaça inimiga: “O coração do rei e o de seu povo ficaram perturbados como as árvores das florestas agitadas pelos ventos” (Is 7,2); o profeta inculca-lhe: “Se não credes, não subsistireis” (Is 7,9). Jesus inculca agora e comunica uma fé confiante. Não devem ficar perturbados (cf. 14,27), porque o apoio agora é duplo e uno: ele é o Pai. O Pai e o Filho são um (10,30), o Pai não deixará o Filho sozinho (8,16.29). Pode-se comparar com Ex 14,31: “confiar (ter fé) em Deus e em Moises” por ter passado pelo mar Vermelho (páscoa).

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós, e quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver estejais também vós. E para onde eu vou, vós conheceis o caminho” (vv. 2-4).

Jesus vai embora, mas não sumirá simplesmente. Ele voltará ao Pai (13,1.3) para “preparar um lugar”. Até agora, Jesus só falava dele “ir embora”, quer dizer morrer (13,36), agora fala “para onde” vai. Para a “casa do Pai”, onde “há muitas moradas”, mas teria morada para todos? Agora Jesus apresenta o destino aos seus discípulos, mas como chegar lá?

Os discípulos já devem conhecer o caminho, porque Jesus já falou do seguimento radical, do martírio pelo qual os discípulos chegarão ao lugar onde Jesus estará (12,25s). A decisão dos discípulos agora é facilitada por parte de Jesus que “voltará” a eles e os “levará” consigo (ao lugar onde ele mora) onde poderão ficar e “permanecer” (cf. 8,35). Os leitores podem se lembrar da vocação dos primeiros discípulos em 1,36-39: “Mestre, onde moras?”

A volta de Jesus aos seus discípulos pode ser interpretada de duas maneiras: voltando logo após a ressurreição (e no seu Espírito, os discípulos estarão com ele, cf. vv. 16.25) e voltando no final dos tempos. Toda a expectativa da Igreja apoia-se nesta promessa da “volta” de Jesus glorificado (segunda vinda, chamada parusia; cf. 1Ts 4, 16s; 1Cor 4,5; 11,26; 16,22; Ap 22,17.20; 1Jo 2,28).

A Bíblia do Peregrino (p. 2596) comenta: A ideia de casa e lar onde habitar tranquilo é comum aos homens (cf. Rt 3,1). Na história do povo, o Senhor é anfitrião que lhe prepara moradia bem abastecida em Canaã (Sl 68,11; Dt 6,10-11); a seguir, Josué reparte a terra para que cada família tenha um lar (Js 13-18). Davi quer preparar uma morada para o Senhor (Sl 135,5). João imagina o mundo celeste como um grande palácio ou como o templo de muitos aposentos (cf. 1Rs 22,25; Jr 35-36): um texto escatológico fala de entrar nos aposentos (para refugiar-se, Is 26,20). Veja-se a exposição de Paulo em 2Cor 5,1-10.

Na antiguidade, quando reis e imperadores (p. ex. César Augusto) construíram um templo (p. ex. de Apolo) ao lado do seu palácio, queriam expressar que são filho deste deus e moram com ele. No judaísmo é a Sabedoria que mora com Deus desde sempre (cf. Pr 8). O evangelho de Jo, introduz Jesus como Sabedoria preexistente e encarnada, o verbo de Deus (logos, 1,1-18).

Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim (vv. 5-6a).

Os discípulos devem seguir Jesus mais tarde (12,26; 13,36). Seguir (ir atrás) só pode por um caminho conhecido. Tomé já demonstrou disposição extraordinária de morrer junto com Jesus (11,16). Ele repete a pergunta de Pedro, “para onde vais?” (13,36), e quer saber mais, “como conhecer” este caminho a seguir. Jesus surprende com sua reposta, mais uma autorrevelação “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (“Eu sou … ”, cf. 6,35.41.48.51; 8,12; 10,7.9.11.14; 11,25; cf. 6,20; 8,28.58; 13,19; 18,5.8).

As moradias do Pai (terra prometida de repouso; cf. Sl 95; Hb 4) e a imagem do caminho pertencem ao contexto do êxodo. A Bíblia do Peregrino (p. 2596) comenta: Ao mesmo contexto do êxodo pertencem a experiência e a imagem do caminho. O Senhor indicava o caminho com o fogo ou com a nuvem, ele mesmo guiava o povo por meio do anjo o por meio de Moises (Ex 33,14; Sl 77,21). Jesus não é guia. Mas caminho; como é escada até o céu (1,51) como é porta de entrada (10,7). Por ele vem a verdade da revelação  e a vida que é o seu resultado; por ele transitamos rumo ao Pai. É um caminho autêntico (verdadeiro) e vital, é verdade e vida em caminho.

Além do êxodo, “o caminho” é metáfora interreligosa (p. ex. na China no daoísmo: dão é o caminho da natureza, o método a ser seguido; outro ex.: o movimento terrorista no Peru chamava-se “sendero luminoso”). Caminho pode significar conduta reta (cf. Mt 7,13s), a lei de Deus (Sl 119,1). Os primeiros cristãos foram chamados ou se autodenominaram “o Caminho” (cf. At 9,2; 18,25s; 19,9.23; 22,4; 24,14.22). Em Jesus, Tomé conhece o caminho, nele já se encontra com Deus (cf. 20,28).

Jesus é o caminho ao Pai porque ele revela o Pai (12,45; 14,9). Ele nos ensina o caminho da salvação (At 9,2); ele não só mostra, mas é o caminho (somos salvos por ele). Ele mesmo é o único acesso ao Pai (cf. 1,18; 14,7-11). Jesus já vem do Pai e vai voltar a ele (7,29.33; 13,3; 16,28 etc.). É um com o Pai (10,30; 12,45; 14,9; 17,22). Assim é o caminho da verdade e da vida.

“O que é verdade?”, pergunta Pilatos em 18,38. O que as ditaduras mais temem, é a verdade (cf. a Comissão da Verdade). Mas em Jo, verdade é mais do que transparência, sinceridade, honestidade ou fidelidade. Jesus revela a Palavra de Deus (ele mesmo a é, cf. Jo 1,1.14), então traz a verdade e ele mesmo a representa (é) em pessoa. Jesus é o caminho, porque é a verdade. Verdade religiosa está ligada ao Espírito (4,23s; 15,26; 16,13) e à graça (em 1,17 pode-se traduzir: “amor e fidelidade” ou “graça e verdade”). Esta verdade dá orientação (torá – lei, instrução), revela o sentido (direção) da vida e liberta da escravidão da mentira e ilusão (8,31s; cf. 3,21; 5,33; 8,40.45s; 18,37; 1 Jo 1,6).

A “vida” é o termo chave, para o qual os outros convergem; significa a vida plena e eterna que Jesus dá e, ao mesmo tempo, representa (6,35; 10,10; 11,25s; cf. 1,4; 5,21.26; Hb 10,19-22). Nos evangelhos sinóticos, Jesus ensina como entrar no Reino de Deus que ele mesmo representa (como rei-messias); em Jo, ele ensina o caminho da verdade e da vida que ele mesmo dá e representa.

Ninguém vai ao Pai senão por mim (v. 6b).

Jesus se apresenta como único caminho. Ao Deus único do judaísmo (Dt 6,4; Ex 20,3; Is 45,5 etc.) corresponde a exclusividade do “Filho unigênito” (Jo 1,18) no cristianismo. No tempo atual que preza mais a tolerância, como então podemos ver as outras religiões? São outros caminhos válidos ou errados? Levam à salvação por outros caminhos ou à confusão e perdição?

Já na antiguidade se viu este problema, e os Padres da Igreja desenvolveram a teoria de que o logos (o verbo de Deus que criou o mundo e, segundo Jo 1,1.14, é o Filho de Deus), atua também antes, ao lado e depois da encarnação, e portanto, pode atuar também em outras religiões e filosofias que também procuram a “verdade”. Assim se pode dizer que toda salvação (a plenitude da salvação) vem de Cristo, mas sem demonizar outras religiões, ao contrário, reconhecer nelas umas “sementes do Verbo” (como no próprio Antigo Testamento). O Concílio Vaticano II afirma sobre outras religiões: “A Igreja Católica não rejeita nada daquilo que é verdadeiro e sagrado nestas religiões … embora em algumas coisas diferam daquilo que ela mesmo ensina, mas não raramente, deixam reconhecer um raio daquela verdade que lumina todos os homens” (AG 2; cf. Jo 1,9).

O próprio evangelho e as cartas de Jo salientam a importância do amor (13,34s; 15,12s.17; 1Jo 2; 3,11-4,21) ao ponto de definir: “Quem não ama, não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Se Deus é amor, aquele que ama, está no caminho certo; não obstante se é consciente porque conhece Jesus (o amor maior, cf. 15,13) ou não o conhece, sendo um “cristão anônimo” (Karl Rahner).

O site da CNBB comenta: Jesus está prestes a concluir a missão para a qual foi enviado pelo Pai e sabe que a sua presença histórica no meio dos homens está perto do fim. Por isso, ele inicia a preparação dos apóstolos para que reconheçam a sua nova forma de ser presença na vida das pessoas, assim como para receberem o Espírito Santo e serem conduzidos por ele na sua missão evangelizadora. Jesus inicia esta preparação mostrando aos discípulos que ele jamais os abandonará, mas irá preparar um lugar para onde ele mesmo conduzirá todas as pessoas que ele ama a fim de conviverem eternamente com ele.

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