17 de Maio de 2020, 6º Domingo da Páscoa: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: O Espírito da Verdade”

6º Domingo do Tempo pascal 

 

1ª Leitura: At 8,5-8.14-17

A 1ª leitura de hoje apresenta o primeiro passo da pregação do evangelho para fora da comunidade de Jerusalém; assim Lucas, o autor dos At, planejou o roteiro da sua obra (cf. At 1,8). A leitura do domingo passado nos contou a ordenação dos sete diáconos para atender melhor os helenistas (judeu-cristãos de cultura grega) que estavam em Jersualém (6,1-7). Um deles, Estêvão, fez um discurso que resultou na morte dele por apedrejamento testemunhado por Saulo (6,8-8,1a). A atuação corajosa de Estêvão resultou em nova perseguição.

A desgraca da perseguicão, porém, leva o Evangelho para fora de Jerusalém, conforme as palavras de Jesus: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (1,8). Chama-nos atenção que os apóstolos podiam continuar testemunhar a fé no ressuscitado em Jerusalém (caps. 2-5), é porque eles eram judeu-cristãos, mas os do grupo de Estêvaõ, os helenistas, foram perseguidos e “se dispersaram pelas regiões da Judéia e Samaria” (8,1b), tornando-se os primeiros missionarios “pregando a Palavra” (v. 4; cf. 11,19-20; com Saulo-Paulo comecará a terceira fase, “até os confins da terra”).

Filipe desceu a uma cidade da Samaria e anunciou-lhes o Cristo. As multidões seguiam com atenção as coisas que Filipe dizia. E todos unânimes o escutavam, pois viam os milagres que ele fazia. De muitos possessos saíam os espíritos maus, dando grandes gritos. Numerosos paralíticos e aleijados também foram curados. Era grande a alegria naquela cidade (vv. 5-8).

A região da Samaria é evangelizada por Filipe (vv. 5-14); não é o apóstolo do mesmo nome (1,13) que ficou em Jerusalém, mas outro diácono helenista (6,5; 8,26-40; 21,8). Ele “anunciou-lhes o Cristo” (v. 5), “o evangelho do reino de Deus e do nome de Cristo” (v. 12), no qual batizava os samaritanos que aderiram a fé (v. 12; cf. 2,38). Anunciar Jesus como Cristo (messias) era o principal conteúdo da pregacão aos judeus (2,36; 3,18.20; 5,42; 9,22; 17,3; 18,28; 24,24; 26,23), mas os samaritanos também esperavam um salvador-messias (cf. Jo 4,25). Para os judeus, os samaritanos não são pagãos, mas meio-irmãos, porque acreditam também no único Deus Yhwh (Javé) e têm a lei de Moisés (Torá ou Pentateuco, os primeiros cinco livros da Bíblia). Mas eram odiados por seu sincretismo devido ao repovoamento depois do fim do reino do Norte e devido à sua resistência na reconstrução do segundo templo (cf. vv. 9-11; 2 Rs 17,24-41; Esd 4; Mt 10,5; Lc 9,52-53; Jo 4,9.19-22). No entanto, foram acessíveis a mensagem de Jesus (Jo 4,39-41; Lc 10,29-37; 17-11-19).

“As multidões seguiam com atencão as coisas que Filipe dizia. E todos unânimes o escutavam, pois viam os milagres que ele fazia” (v. 6). A pregacão dos apóstolos e também a dos missionários helenistas são acompanhadas pela curas de “possessos, … paralíticos e aleijados”, porque a Palavra de Jesus está “fazendo o bem” (cf. 10,38) à mente e ao corpo, libertando do egoismo, de vícios, da culpa, do pecado, da tristeza para viver e o resultado é “grande a alegria” (v. 8).

Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, souberam que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, e enviaram lá Pedro e João. Chegando ali, oraram pelos habitantes da Samaria, para que recebessem o Espírito Santo. Porque o Espírito ainda não viera sobre nenhum deles; apenas tinham recebido o batismo em nome do Senhor Jesus. Pedro e João impuseram-lhes as mãos, e eles receberam o Espírito Santo (vv. 14-17).

A Bíblia do Peregrino (p. 2645) comenta: Nesse ponto, o narrador introduz um episódio que confirma a autoridade da Igreja de Jerusalém, na pessoa de seu chefe Pedro, e também a atividade missionaria de Filipe. Não se deve minimizar a notícia que chega a Jerusalém, porque é sensacional: “A Samaria acolheu a palavra de Deus” (= o evangelho). A comunidade envia dois chefes em visita de inspeção. Deve ter sido tão rápida e o resultado tão convincente, que o narrador a salta e passa logo à intervenção positiva dos apóstolos.

O diácono Filipe havia batizado homens e mulheres (v. 12), mas ainda faltou o Espírito descer. Será que o batismo do diácono Felipe não vale? Seria como o batismo de João (18,25; 19,1-7; cf. 1,5p), apesar de ter sido ministrado invocando “o nome de Jesus”, como foi feito em tempos primitivos ou em algumas regiões (2,38; 10,48; 19,5; cf. 22,16; 1Cor 6,11; Gl 3,27; Rm 6,3; cf. a fórmula trinitária em Mt 28,19)?

Só aqui e em 10,44.48, o dom do Espirito se separa, só cronologicamente, do batismo. É como se o rito ficasse suspenso esperando um complemento substancial, aqui a confirmação apostólica da missão entre os samaritanos e, no cap. 10, a aprovação celeste do futuro batismo de pagãos. Nestes dois passos decisivos da difusão do evangelho (cf. 1,8) é necessário mais do que uma ação esponântea de um só diácono fugitivo.

Os samaritanos eram considerados pelo judeus como rivais, heréticos e inimigos (cf. Lc 9,51-56; Jo 4,9; 8,48). São os descendentes do reino de Israel (do Norte), mas depois da invasão dos assírios, se misturaram com outras etnias (2Rs 17) e, depois do exílio, se opuseram à reconstrução do templo em Jerusalém (Esd 4; Jo 4,20). Mas Jesus deu certa abertura e elogios a bons samaritanos (Lc 10, 29-31; 17,11-19; cf. Jo 4). Se agora os samaritanos se convertem ao evangelho, precisa da uma investigação se a conversão é sincera (ver o caso de Simão Mago nos vv. 9-13.18-24; cf. 1Tm 5,22), já que os samaritanos são vistos como sincretristas (2Rs 17,24-41; Jo 4,18).

Lucas, o autor dos Atos, quer ligar o dom do Espírito à tradição apostólica (o carisma individual à instituição eclesial). Estes trecho inspirou a divisão entre o batismo (válido) de crianças e a celebração da crisma depois, como “confirmação” da fé cristã, na qual se recebe o dom mais completo do Espírito através da unção e imposição das mãos (cf. 6,6; 1Tm 4,14) por um representante dos apóstolos (bispo).

Nossa liturgia saltou o episódio de Simão Mago que se deixou batizar junto com os samaritanos (vv. 9-13), e depois queria comprar o dom do Espírito com dinheiro. A Bíblia do Peregrino (p. 2645) comenta: A recepção do Espirito provocou reações externas atraentes que despertaram a atenção e a cobiça de Simão: ele imagina um rito mágico que controla e dispensa forças sobrenaturais. Propõe-se comprar esse poder, talvez para acrescentá-lo a seu repertório mágico.

Logo, Simão Mago foi repreendido por Pedro (vv. 18-25), mais tarde, segundo a lenda posterior, Pedro e Paulo o reencontram em Roma como adversário diante de César Nero. O termo técnico “simonia”, frequente na Idade Média, designa a compra das coisas santas e cargos eclesais a preço de dimheiro.

2ª Leitura: 1Pd 3,15-18

Depois de abordar as obrigações dos cristãos diante das autoridades pagãos (2,13-17), dos escravos diante de senhores arbitrários (2,18-25) e dos casais no matrimônio (3,1-7), o autor da carta exorta para amor fraterno e compaixão, evitar o mal e fazer o bem confiando na justiça de Deus (vv. 8-14). O cristão se distingue do pagão porque tem esperança e futuro e sabe disso. Ele tem comunhão com Cristo, o ressuscitado, e está disposto de sofrer com ele e pela justiça (v. 14a; cf. Mt 5,10).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1491) comenta: A nova série de exortações que se inicia tem a esperança como base. Justamente por causa das dificuldades e sofrimentos que as comunidades passam. O desafio a enfrentar é de não imitarem o comportamento injusto dos que as criticam e hostilizam, e também apresentarem corajosamente as razões pelas quais cultivam a esperança e lutam por um mundo diferente.

Santificai em vossos corações o Senhor Jesus Cristo, e estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir. Fazei-o, porém, com mansidão e respeito e com boa consciência (vv. 15-16a).

“Santificai … o Senhor (variação de texto: Deus)”. Nos vv. 14b-15a, o autor cita 8,12s e aplica a Cristo: “Não tenhais medo deles, nem vos perturbeis … santificai …”. A situação de testemunhar Cristo e “dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” se aplica especialmente no caso em que os cristãos tenham de compadecer diante de um tribunal (cf. Lc 12,11; 21,14; Mt 10,26-31). A Bíblia de Jerusalém (p. 2274) comenta: Os cristãos dão testemunho da sua pertença a Cristo (cf. Lc 12,11-12; 1Tm 6,12-15; 2Tm 4,17) diante dos pagãos que ignoram toda a esperança (Ef 2,12; 1Ts 4,13). Eles têm oportunidade para isto por ocasião das perseguições locais.

A Bíblia do Peregrino (p. 2910) comenta: Combina aqui uma atitude interior com uma conduta externa. A primeira é um ato da consciência que equivale a uma profissão de fé cristológica: reconhecer a “santidade” do Messias com o título de Senhor (Fl 2,11). A segunda é uma atividade apologética para fora: para os que pedirem explicações, jurídicas ou sociais, sobre essa curiosa e estranha “esperança” que os cristãos costumam alegar. Pedro não recomenda uma dialética destinada a derrotar e humilhar o adversário (cf. Sl 63,12), mas a defesa sensata e “modesta” que “respeita” o interlocutor e procura convencê-lo. O contexto da época era de pluralismo religioso e fisiológico. É interessante o fato de a esperança ser o aspecto chamativo dos cristãos.

“Dar razão (grego: lógos) da esperança” (e da fé, segundo variação de texto) é tentar explicar os porquês (a lógica do pensamento e dos motivos pessoais, emocionais etc.) para outrem e também diante da própria consciência, é objetivo da reflexão “teo-lógica”. Importante é um testemunho coerente, “com mansidão e respeito e com boa consciência”; desaprova-se então pregação e conversão à força, evangelização que utiliza persuação ilícita, propaganda falsa, intolerância e desrespeito e violência (cf. 2Tm 2,24s; 4,2).

Então, se em alguma coisa fordes difamados, ficarão com vergonha aqueles que ultrajam o vosso bom procedimento em Cristo Pois será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus do que praticando o mal (vv. 16b-17).

O autor volta ao tema favorito da carta, o sofrimento inocente, e depois introduz uma profissão ou instrução batismal (vv. 18-22). Os adversários pagãos que caluniam e ultrajam a boa conduta dos cristãos serão confundidos (cf. 2,12.15.20). O exemplo é Cristo que sofreu pelos pecados do povo, como o servo de Javé (2,21-24 cita Is 53,5-6.9.12).

Com efeito, também Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Sofreu a morte, na sua existência humana, mas recebeu nova vida pelo Espirito (vv. 18).

 “Cristo morreu”; variação de texto: sofreu por vós (ou: nós; cf. 2,21); “uma vez por todas” (Rm 6,10; Hb 9,26-28). A morte redentora de Cristo é de alcance universal e definitivo, irrepetível,  e conduz os seres humanos para Deus. “Sofreu a morte, na sua existência humana” (lit. carne), “mas recebeu nova vida pelo Espirito” (ou: segundo o Espirito). Alusão à intervenção do Espírito por ocasião da ressurreição de Cristo, ou alusão à divindade de Cristo (cf. Rm 1,4; 1Tm 3,16). A morte de Jesus é por sua condição humana (de carne), e a ressurreição pela ação do Espirito vivificante (Jo 6,63; Rm 8,10-11; 1Cor 15,44).

Todo trecho seguinte (3,18-4,6) contém os elementos de uma antiga profissão de fé: a morte de Cristo (3,18), a descida à mansão dos mortos (3,19), a ressurreição (3,21d), o sentar-se à direita de Deus (3,22), o julgamento dos vivos e dos mortos (4,5).

Evangelho: Jo 14,15-21

No domingo passado e hoje, ouvimos um trecho do discurso de despedida de Jesus, inserido na última ceia em Jo. Jesus fala da sua partida para o Pai e da chegada do Espírito. Na verdade, como Filho já está no Pai e o Pai nele (v. 10), mas precisa ir embora (morrer), e voltará (ressuscitado).

(Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:) 15Se me amais, guardareis os meus mandamentos, 16e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: 17o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e estará dentro de vós.

Guardar os mandamentos (o plural designa as palavras de Jesus, não apenas o mandamento do amor mútuo de 13,34; 15,12) é a maneira como os discípulos podem amar Jesus após sua partida (cf. 1Jo 5,3; Sb 6,18). Como o próprio Deus, Jesus tem direito de ser amado e obedecido (cf. Dt 6,4-9; 7,11; 11,1). Jesus é o único caminho (v. 6) e mediador (1Tm 2,5) que intercede junto do Pai (1Jo 2,1; Hb 7,25). Assim ele é nosso paráclito (1Jo 2,1), palavra grega que significa “defensor, advogado, consolador”. Mas como vai embora, o Pai nos enviará (ao pedido do Filho) “um outro Defensor” que é o “Espírito da Verdade” (15,26; 16,13), ou seja, “Espírito Santo” (v. 26; 20,22; cf. 1,32s; 3,5-8). É o Espírito divino de Jesus que é a verdade (14,6; cf. 18,37s). O Espírito permanece “junto de vós”, na comunidade (assembleia, reunião dos discípulos), ou seja, na igreja (20,22; At 2; cf. Mt 18,20; 28,20) e “dentro de vós” (3,5-8; 4,14; 7,37-39; cf. Lc 17,21).

No credo dos Concílios de Niceia (325) e Constantinopla (381), afirma-se que o Espírito Santo é enviado “pelo Pai”, mas a igreja ocidental (católica) acrescentou: “e pelo Filho” (em latim: filioque). Este foi um dos motivos da separação entre as igrejas catolica e ortodoxa.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2024) comenta: Depois da partida de Cristo, é o Espírito que o substitui junto dos fiéis (14,16.17; 16,7; cf. 1,33). Ele é o “defensor“ (em grego paráclito), advogado que intercede junto do Pai (cf. 1Jo 2,1), ou que pleita diante dos tribunais humanos (15,26.27; cf. Lc 12,11-12; Mt 10,19-20p; At 5,32); ele é o Espírito de verdade (8,32), que conduz à plenitude da verdade (16,13), fazendo compreender a personalidade misteriosa de Cristo: como Cristo cumpriu as Escrituras (5,39), qual o sentido de suas palavras (2,19), de seus atos, de seus “sinais” (14,16; 16,13; 1Jo 2,20s.27; Rm 8,16), tudo que os discípulos não haviam compreendido antes (2,22; 12,16; 13,7; 20,9). Assim, o Espírito dará testemunho de Cristo (15,26; 1Jo 5,6-7) e confundirá a incredulidade do mundo (16,8-11; cf. Lc 24,49; Rm 5,5).

Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. Pouco tempo ainda, e o mundo não mais me verá, mas vós me vereis, porque eu vivo e vós vivereis. Naquele dia sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós (vv. 18-20).

Jesus é um com o Pai (10,30), portanto ele é o pai dos discípulos (os mestres da sabedoria tratavam seus alunos como filhos, em Pr 1,8 etc.; cf. os apóstolos como pais em 1Tm 1,2; 2Tm 2,2; Tt 1,4; Fl 10; 1Pd 5,13). Neste discurso da última ceia, Jesus promete três coisas aos discípulos que o amam e guardam seus mandamentos após sua partida: 1. Não os deixaria “órfãos”, mas enviaria “outro defensor” (paráklito), o “Espírito da verdade” (vv. 17-18); 2. Jesus se “manifestará” (v. 21) na aparição do ressuscitado (vv. 19-21: “ver”); 3. Deus (Pai e Filho) chegará e permanecerá neles (v. 23), como também o Espírito permanecerá para sempre (v. 16).

O mundo “não é capaz de receber, porque não o vê nem conhece” o Espirito (v. 17), porque se apega apenas às aparências, ao sentido literal, ao pé da letra. O mundo “não pode mais ver” Jesus, porque “não o ama, não guarda” sua “palavra” (cf. v. 24; 8,37.43.47, p. ex. seu mandamento do amor em 13,34), “odeia” (15,18). Por isso não pode captar a manifestação que será a morte e ressurreição. É preciso amar para entender (cf. 20,8b), e não existe amor sem observância dos mandamentos (cf. 1Jo 5,3). Mas o amor é relação pessoal e mútua, a máxima entre os seres humanos. Como será essa relação com Jesus e com o Pai? Um orante suplicava: “Quando virás a mim?” (Sl 101,2).

“Pouco tempo ainda” (cf. 16,16-22) e “naquele dia” podem se referir ao reencontro dos apóstolos com o ressuscitado no terceiro dia (20,19-29), mas também à sua vinda (parusia) para todos no fim dos tempos. O evangelista gosta de jogar com estes duplos sentidos.

Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse me ama. Ora, quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele” (v. 21).

Os v. 21 e 23a repetem o que Jesus já disse antes no v. 15… Explica o que precede em termos de amor mútuo; é como se a relação do Filho com o Pai se dilatasse para dar guarida aos fiéis. Do guardar seus mandamentos se seguirão três correlativos (numa visão trinitária): o amor do Pai, a presença do Pai e do Filho no fiel, e o Espírito (vv. 15-26).

A Bíblia do Peregrino (p. 2595) comenta esse discurso: É um testamento, uma despedida, uma instrução. O gênero “testamento” está bem arraigado nas literaturas bíblica e profana da época. Um personagem ilustre, antes de morrer, reúne os filhos e pronuncia as últimas palavras, à maneira de testemunho espiritual: Jacó (Gn 49), Moisés (Dt 32-33), Samuel (1Sm 12), Davi (2Sm 23;1Rs2), Matatias (1Mc 2,49-70), Tobias (Tb 14). Não é inusitado o fato de João pôr na boca de Jesus um testemunho espiritual.

Mais que o ato puramente jurídico, o testamento é uma “despedida”, na qual se juntam as lembranças e se cruzam os conselhos. A despedida dá um tom cordial às palavras e um peso acrescido a instruções e conselhos. No caso de Jesus, a despedida é anômala, porque não é a última. Ele se vai, mas tornarão a vê-lo. A ida definitiva será a ascensão (que Lucas narra). É como se oferecessem a um personagem uma grande festa de despedida, em condições propícias, embora a partida vá realizar-se uns meses mais tarde. A de Jesus na ceia é uma despedida definitiva antecipada.

É uma “explicação”. Vai acontecer em breve algo terrível, dificílimo de entender, porque é duro de aceitar. Jesus explica de antemão o sentido profundo de uma execução humilhante que leve à glória, que é plena e definitiva. A explicação vale para os discípulos dentro do livro e para todos os futuros leitores do evangelho. Também os conselhos são legado permanente, perpétuo.

 

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