18 de abril de 2016 – Páscoa 4ª semana 2ª feira

 

Leitura: At 11,1-18

Em At 8,26-40, o primeiro africano negro, um ministro da Etiópia, foi batizado. Mas ele podia ter sido um judeu porque estava voltando de uma romaria ao templo de Jerusalém (cf. leitura e comentário da quinta-feira passada). Em At 10-11 lemos o relato mais extenso de uma conversão em todo NT (Novo Testamento), a do centurião romano Cornélio em Cesareia. Trata-se da acolhida do primeiro pagão na Igreja, uma abertura oficial da missão aos pagãos realizado pelo primeiro apóstolo, Pedro. Coisa óbvia para nós, coisa difícil nos começos da Igreja. Este assunto ocupará ainda o primeiro Concílio de Jerusalém (15,7-11.14). Na leitura de hoje, Pedro presta conta a comunidade tradicional de Jerusalém.

Os apóstolos e os irmãos, que viviam na Judéia, souberam que também os pagãos haviam acolhido a Palavra de Deus. Quando Pedro subiu a Jerusalém, os fiéis de origem judaica começaram a discutir com ele, dizendo: “Tu entraste na casa de pagãos e comeste com eles!“  (vv. 1-3).

A iniciativa de Pedro alarmou um grupo influente da comunidade de Jerusalém. Ao chegar, o recebem com uma grave repreensão, embora lhe reconheçam sua função de chefe, ou talvez porque o reconheçam.

Pedro comprometeu sua autoridade numa iniciativa perigosa, de possível longo alcance. Esses judeu-cristãos em Jerusalém , fiéis à circuncisão e às leis de separação, vivem fechadas em mesquinhas questões de convivência. É curioso que não reclamam do batismo dos pagãos (10,48), mas da convivência (eucaristia? cf. 2,46): “Tu entraste na cada de pagãos e comeste com eles” (v. 3). Até então, para os judeus, os pagãos eram impuros, porque além de serem idólatras não eram circuncidados e comedores de porcos e outros animais considerados impuros. Portanto, entrar na casa de um pagão é impuro para um judeu (cf. 10,28.48; Gl 2,11-12; Jo 18,48; Mt 8,8: o centurião de Cafarnaúm).

Então, Pedro começou a contar-lhes, ponto por ponto, o que havia acontecido: “Eu estava na cidade de Jope e, ao fazer oração, entrei em êxtase e tive a seguinte visão: vi uma coisa parecida com uma grande toalha que, sustentada pelas quatro pontas, descia do céu e chegava até junto de mim. Olhei atentamente e vi dentro dela quadrúpedes da terra, animais selvagens, répteis e aves do céu. Depois ouvi uma voz que me dizia: “Levanta-te, Pedro, mata e come.“ Eu respondi: “De modo nenhum, Senhor! Porque jamais entrou coisa profana e impura na minha boca“. A voz me disse pela segunda vez: “Não chames impuro o que Deus purificou“. Isso repetiu-se por três vezes. Depois a coisa foi novamente levantada para o céu (vv. 4-10).

Pedro responde com paciência, não apelando para sua autoridade, mas para a de Deus: a dupla visão celeste (outra visão dupla na conversão de Paulo em 9,10-15; cf. Tb 3) anulando a distinção de puro e impuro (cf. Lv 11; Mt 15,1-20p; Rm 14,14.17), a voz do Espírito e do anjo. Conta o acontecido, um repetição para o leitor, mas com algumas mudanças estilísticas  ou de intenção teológica (cf. cap. 10):

Até então, os irmãos em Jerusalém entendiam que a fé era uma herança do povo de Israel. Pedro disse que era também seu pensamento quando em Jope uma voz lhe convidou a comer animais considerados impuros (conviver na casa de pagão): “Jamais entrou coisa profana e impura na minha boca” (v. 8; 10,14; cf. Ez 4,14). Mas, uma voz, “pela segunda vez, disse: Não chames impuro o que Deus purificou” (v. 9; 10,15). A mesma expressão, ele ouviu três vezes.

Nesse momento, três homens se apresentaram na casa em que nos encontrávamos. Tinham sido enviados de Cesaréia, à minha procura. O Espírito me disse que eu fosse com eles sem hesitar. Os seis irmãos que estão aqui me acompanharam e nós entramos na casa daquele homem. Então ele nos contou que tinha visto um anjo apresentar-se em sua casa e dizer: “Manda alguém a Jope para chamar Simão, conhecido como Pedro. Ele te falará de acontecimentos que trazem a salvação para ti e para toda a tua família“ (vv. 11-14).

Nesse momento, alguns homens vieram de Cesareia, procurá-lo e o Espírito lhe disse que fosse sem hesitar. Acompanhados por seis companheiros de Jope, Pedro entrou “na casa daquele homem” Cornélio que contou da sua própria visão, um anjo anunciando a ele (e a sua família, lit. “casa”; cf. 16,15.31-34) a “salvação” (v. 14) por meio da palavra de Pedro.

Logo que comecei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, da mesma forma que desceu sobre nós no princípio. Então eu me lembrei do que o Senhor havia dito: “João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo“. Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós que acreditamos no Senhor Jesus Cristo. Quem seria eu para me opor à ação de Deus?“ Ao ouvirem isso, os fiéis de origem judaica se acalmaram e glorificavam a Deus, dizendo: “Também aos pagãos Deus concedeu a conversão que leva para a vida!“ (vv. 15-18).

“O Espírito Santo desceu” demonstrando que o discurso de Pedro diante de Cornélio era inspirado, mas “o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a Palavra” (10,44), não somente sobre Pedro, mas sobre os ouvintes pagãos.

Pedro notou que foi “da mesma forma que desceu sobre nós no princípio” (v. 15; cf. 10,44-46), como no dia de Pentecostes aos apóstolos em Jerusalém (cf. 2,1-4), falando “em línguas estranhas e louvar a grandeza de Deus” (10,46). A apóstolo cita em confirmação uma frase do Batista, relembrado por Jesus: “João batizou com água, vós sereis batizados no Espírito Santo” (1,5; Lc 3,16). Pedro reconhece: “Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós que acreditamos no Senhor Jesus” (v. 17; cf. 10,45).

Antes de batizar os pagãos inspirados, perguntou-se: “Será que podemos negar a água do batismo a estas pessoas que receberam o Espírito Santo, da mesma forma que nós recebemos?” (10,47). Agora faz outra pergunta retórica, é muito grave: fechar-se ao batismo dos pagãos seria por impedimentos a Deus: “Quem seria eu para me opor a ação de Deus?” (v. 17). Para receber o Espírito e ser acolhido na Igreja, basta ter fé em Jesus, o Cristo-Messias (cf. Gl 2,15-16). Paulo levará este conceito mais adiante do que Pedro (cf. Gl 2).

Podemos chamar este acontecimento também “conversão de Pedro”, porque mudou de ideia, costume, tradição e direção (cf. 6,14): “De fato, estou compreendendo que Deus não faz diferença entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, seja qual for a nação a que pertença” (10,34-35).

Ninguém está excluído do Igreja que se torna aos poucos “católica” (= para todos): Deus quer a salvação de todos as pessoas. Para Lc, é importante que o primeiro pagão tenha sido batizado por Pedro, o primeiro apóstolo, quer dizer que foi a Igreja legítima (e não o ex-perseguidor Paulo) que começou a missão entre os pagãos. A Igreja de Jerusalém, depois de muitas discussões, vai reconhecer e vai aprovar as decisões e as ações de Pedro. Ele se mostrou como “pontífice”, fazendo pontes onde havia o muro da separação (cf. Ef 2,11-18).

 

Evangelho: Jo 10,1-10 (no ano A: Jo 10,11-18)

Ouvimos hoje o discurso em que Jesus se apresenta como “bom pastor” (cf. vv. 11.14). Na sociedade rural de Israel, pastores e agricultores desempenhavam um papel na economia do país. Devida à seca, não havia muita pecuária, mas criação de cabras e ovelhas. Enquanto os cabritos se pode deixar mais a sós, as ovelhas precisam de um pastor.

O discurso começa sem introdução, parece como continuação da resposta aos ouvintes fariseus (“eles”, v. 6) que criticaram a cura do cego (9,40s). Nos anos litúrgicos B e C ouvimos os vv. 1-10 em que Jesus se apresenta como “pastor” (v. 2) e “porta” (vv. 7.9) para as ovelhas.

“Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.“ Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que ele queria dizer. Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas. Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem. O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (vv. 1-10).

A Bíblia do Peregrino (pag. 2583) comenta alguns detalhes deste trecho:

A figura do “porteiro” (v. 3): designa alguém ou é simples recheio descritivo? O AT nos fala de porteiros do palácio e do templo, responsáveis pela segurança. A parábola dá a entender que o porteiro não deixa os ladrões entrar, mas abre sem mais ao pastor. Pode conter uma explicação da futura função dos apóstolos em relação ao pastor que é Jesus (cf. a função tradicional de S. Pedro como porteiro do céu). E pode conter uma crítica aos porteiros que não se comportam bem (cf. Is 56,10).

Só se fala de “conduzir para fora”, “fazer sair as ovelhas”  e de “caminhar à sua frente” (vv. 3-4), não fala de reconduzi-las  ao redil. Provavelmente se sugere a primeira libertação em suas duas fases de “saída” (êxodo = saída) do Egito  e “caminhada” pelo deserto guiados por Deus (Sl 80,2). Primeira libertação que prefigura a presente, na qual Jesus vai levar para fora e guiar, e não vai reconduzir ao velho redil (cf. Jo 6,1-4).

O terceiro detalhe é a relação pessoal do pastor com cada ovelha: conhece-as pelo nome, elas reconhecem sua voz. Adão dava nomes aos animais (Gn 2,19-20), nome de espécie; o pastor de João dá nomes individuais, pessoais: “Chamei-te por teu nome, tu és meu” (Is 43,1; cf. 43,25). “Ouvir sua voz” soa nas duas vertentes, de imagem e de realidade: “Todo aquele que está com a verdade, ouve a minha voz” (18,37).

Podemos imaginar um costume na Palestina do tempo de Jesus: De noite, para proteger as ovelhas, os pastores conduziam-nas num recinto comum, sob a responsabilidade de um vigia noturno. De manhã cedinho, cada pastor aparecia e chamava, por nome, a cada uma das ovelhas. Mesmo se elas, durante a noite se misturassem, reconheciam a voz do pastor e seguiam! “Quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas” (vv. 1-2). Normalmente os ladrões quando vão roubar uma casa, não entram pela porta principal. Eles arrombam alguma parte da casa, descobrem telhados, encontram alguma pequena brecha.

Esses ladrões e assaltantes podem ser falsos messias ou mestres abusivos. As ovelhas que reconhecem a voz são os fiéis que pela fé sintonizam com a voz. “Todos aqueles que vieram antes de mim, são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram” (v. 8; cf. Ex 34,1-10…). A frase é muito dura pelo seu alcance geral: Será que todos antes de Jesus, como Moisés, Davi, ou outras religiões (ex. Buda, Lão Tse, Gandhi) não têm nada de bom, são todos ladrões e assaltantes? Talvez se refira a autoridades da época do próprio evangelista (quando os rabinos excluíram os cristãos da sinagoga; cf. 9,22) e se quer dizer numa comunidade isolada e ameaçada: “Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, espalha” (Mt 12,30p; diferente: Mc 9,40). Só Jesus trás vida plena (v. 10), os outros não conseguem (cf. o vinho melhor em 2,10). Pode ser uma alusão a falsos líderes que se declararam messias (Mc 13,21-22; cf. At 5,36-37: Teudas e Judas, o galileu; em 132 d.C.: Bar Kochba). Ou se dá valor hiperbólico à generalização (como p. ex. no Sl 14,1: ”não há quem pratique o bem”).

Jesus diz: “Eu sou a porta” (v. 7). Não é a parede que separa, ele é a porta, é a passagem, abertura. Ele diz que é a porta para indicar um destino, um caminho, uma meta para as suas ovelhas. O uso metafórico da porta é original. Sabemos como era guardada a porta exterior do templo e as interiores, permitindo o aceso unicamente aos autorizados (cf. Sl 118,20). Também Jerusalém tem sua porta de acesso. Um texto escatológico anuncia: “Abri as portas para que entre um povo justo” (Is 26,2). Jesus é o único acesso (como a escada de Jacó em 1,51) à casa de Deus, ao reino de Deus, ao Pai (único caminho: 14,6).

“Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagens” (v. 9). Os verbos usados são “entrar”, “sair” e “encontrar”. Jesus assegura a suas ovelhas a liberdade de movimentos e o sustento apropriado (cf. Sl 23). Jesus é pastor de liberdade, conduz para fora porque ele vai à frente, toma a dianteira, abre caminhos e inventa novas estradas. Ele está sempre na frente, não atrás.

A vida que Jesus trás é “vida plena” e perpétua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso veio, pois o ser humano com suas forças não pode alcançá-la. “Plenitude” “abundância” (v. 10; cf. 1,16; Cl 1,19; 2,9; Ef 3,19) são atributos divinos (também na filosofia estóica), “nada faltará” (Sl 23,1). É uma frase que demonstra que Jesus não quer a miséria nem o consumo meramente materialista, mas quer para nós a vida em abundância. É só com ele que nada faltará.

Outra interpretação (Schenke) vê nesse texto um enigma (v. 6) que Jesus contou aos fariseus (9,40s). O “redil das ovelhas” é a casa de Israel, protegida pelo muro das instituições religiosas. O “porteiro” abre ao único pastor legítimo, que vem para salvar (vv. 1s.9). Pode ser João Batista que preparou o povo para a vinda do messias. Os “ladrões” são os que querem explorar o povo, os fariseus e sumos sacerdotes. Eles só querem “roubar e matar” (vv. 1.8; de fato, a aliança dos sacerdotes com os zelotas pela insurreição contra os romanos causou a derrota em 70 d.C.). O pastor legítimo chama todas ovelhas que são “as suas” (há outras também) pelo nome e as conduz para fora. Não fala em retornar ao velho redil, à casa de Israel, mas de conduzir suas ovelhas para fora de Israel (cf. 6,1-4), para a pastagem. O único acesso verdadeiro é por Jesus, porta e pastor ao mesmo tempo. Lá fora, as ovelhas encontrarão outros perigos: Os estranhos (v. 5), mas as ovelhas não seguirão a estas vozes e fogem, e os mercenários (v. 12s) que são legítimos, mas não são donos e abrem espaço para o inimigo que quer devorar o rebanho (os lobos, v. 12). Jesus, porém, é o dono que se importa com suas ovelhas e dará sua própria vida. Por este sacrifício na cruz, suas ovelhas encontrarão “vida em abundância” porque “o bom pastor dá sua vida pela ovelhas” (vv. 10s). Pela sua doação de vida, o ressuscitado caminha a frente do rebanho e encontra fora do redil de Israel outras ovelhas (outros povos na missão pós-pascal) que também precisa conduzir e formar um rebanho único sob o único pastor legítimo (v. 16).

 

No ano litúrgico A, a primeira parte do discurso com a comparação da porta (vv. 1-10) já foi lido no domingo. Na segunda-feira, ouvimos os vv. 11-18:

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas (v. 11).

Depois de “Eu sou o pão da vida (que desceu do céu; 6,35.41.48.51), “Eu sou a luz do mundo” (8,12) e “Eu sou a porta” (10,7.9), mais uma autodeclaração em que Jesus se apresenta como doador de vida com as palavras : “Eu sou…”.

A origem desta auto representação está no costume antigo de enviar mensageiros para se poder comunicar com outras pessoas à distância (cf. o anjo Rafael em Tb 5,11-13; 12,15). O mensageiro enviado apresenta a si mesmo ao destinatário. Este costume se aplica aos anjos, mensageiros de Deus e ao próprio Deus Javé (Gn 15,1; Gn 28,13; 35,11; 46,3; Ex 3,6.13s; 6,2; 20,1 etc.). “Eu sou” é o nome divino revelado a Moises (Ex 3,14: Javé, na tradução grega: “Eu sou aquele que sou”). Em Jo se aplica também a Jesus, porque nele Deus se faz definitivamente presente (cf. Jo 8,28.58; 13,19 e também 6,35; 18,5.8). Para Jo, Jesus é o mensageiro (“enviado”) de Deus porque representa a Palavra de Deus em pessoa (o verbo que se fez carne, cf. 1,1.14) e ele traz a plenitude da vida (“abundância”, em 10,10).

No Oriente Antigo e no AT (Antigo Testamento), “pastor” é metáfora tradicional (v. 6 o chama “parábola”, termo que inclui também a comparação), foi aplicada a chefes, ao rei, ao messias, ao próprio Deus (cf. Sl 23; 80; 95,7). Tem seu antecessor ilustre na pessoa de Davi, o rei pastor (Sl 78,70-72; 1 Sm 16); os profetas o empregam criticando também os maus pastores (Is 40,11; 44,28; Jr 23,1-4; Ez 34; Zc 11). Em Jr 3,15 e 23,4-8, Deus prometeu que daria “pastores segundo o seu coração” e um messias (rebento de Davi) que salvaria seu povo e o reconduziria do todos os países á sua pátria. Em Ez 34,11ss, Deus mesmo seria o pastor do seu povo, mas também daria um novo Davi como pastor (Ez 34,22s).

Designando a si mesmo “bom pastor”, Jesus toma o título real, messiânico, divino e o desenvolve no discurso em três variações: o pastor e os ladrões (vv. 1-6), a porta do redil (vv. 7-10), o dono e o assalariado (vv. 11-18). A novidade não é só que o bom pastor irá promover justiça e paz em vez de abandonar, explorar ou matar as ovelhas, mas que ele “dá a vida por suas ovelhas” (v. 11). É a “vida em plenitude” (v. 10), ou seja, a vida eterna que Jesus dá (3,16.36; 5,40; 6,33.35.48.51; 14,6; 20,31, em abundância, cf. 10,10; Ap 7,17; Mt 25,29p; Lc 6,38). A vida que ele dá, é também sua própria vida (vv. 16s).

O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas (vv. 12-13).

Quem dará sua vida pelos pecados do povo, é o “servo de Deus” na profecia de Is 52,13-53,12, mas o servo Jesus (cf. At 3,13; 4,27.30; 8,32-35; Mt 8,17; 26,28; Jo 1,29; etc.) também é o “dono”. Ladrões e lobo são os inimigos do rebanho que o pastor o defende com seu bastão e seu cachorro (cf. Ez 34,8; Sl 23,4; Mt 10,6.16p). Na hora do perigo, o empregado abandona (cf. Jr 23,1s; Zc 11,17) para salvar sua vida.

Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas (vv. 14-15).

As ovelhas conhecem a voz do bom pastor e o seguem (vv. 3-5;27). Na Bíblia, “conhecer” não é só um ato racional, mas é experimentar e estar presente (vv. 14s; cf. 14,17.20; 17,3.21s; 2 Jo 1s; Deus conhece seu povo, cf. Ex 3,7.14; Sl 139). Tal conhecimento passa a ser “amor” (15,9; cf. cf. Os 6,6; Gn 4,1.17.25 etc.; Lc 1,34; 1 Jo 1,3). Conhecer da parte de Deus e de Jesus é também “eleição” (cf. 15,15s; Rm 8,29s; 1 Cor 8,2s; 13,12; Gl 4,9). Só o Filho conhece o Pai e nos dá a conhecê-lo (1,18; 3,11; 17,6; cf. Mt 11,25-27p).

Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir, escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor (v. 16).

As “outras ovelhas” são os pagãos (outros povos) que não serão excluídos. Jesus morrerá também por eles (cf. 11,52). Esta inclusão não conduzirá os pagãos para dentro do redil judaico (cf. Ez 37,21s; Mi 2,12; Jr 23,3; 31,10), mas junta ambos associando judeus e pagãos, formando um só rebanho (cf. Ef 2,11-21 na metáfora da construção).  Pedro terá este ministério da unidade na rede da Igreja (cf. o anexo da redação eclesial: Jo 21,11.15-18: Cuide das minha ovelhas). O desejo de união ecumênica se expressa também em 17,20-23 (cf. Ef 4,4).

É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente.  Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; esta é a ordem que recebi do meu Pai“ (vv. 17-18).

O Pai ama o filho e deu tudo na mão dele (3,35), porque é obediente e faz a vontade dele (8,29). Esta obediência inclui a doação da própria vida, mas esta morte leva à ressurreição e elevação a sua direita (cf. Fl 2,5-11; Is 52,13-53,12).

O Filho tem a vida dentro de si (3,35s; 5,26). Ninguém a tira dele (7,30.44; 8,20; 10,39). Jesus dá sua vida livremente (10,18; 14,30; 19,11), por isso, no quarto evangelho, ele é soberano também na paixão e na morte (12,27; 13,1-3; 17,19; 18,4-6; 19,28). Portanto, a morte de Jesus não é acidente nem derrota, mas ação livre cumprindo a ordem (missão) recebida do Pai.

O site da CNBB resume: Deus afirmou, através do Profeta Jeremias, que ele daria ao seu povo pastores segundo o seu coração e, mais tarde, pela boca do Profeta Ezequiel, que ele mesmo seria o pastor do seu povo. O Evangelho de hoje nos mostra que Deus está cumprindo a sua promessa, pois o Filho, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, é quem afirma: “Eu sou o bom pastor”. É o próprio Deus que se coloca a serviço das pessoas com a finalidade de reuni-las num único rebanho. E hoje a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, é a continuadora da obra do Pastor, de modo que nela o ser humano é convidado a participar da divina missão do pastoreio.

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