18 de Dezembro de 2020, Sexta-feira: Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa (v. 24).

Advento dia 18 de dezembro

Leitura: Jr 23,5-8

Jeremias exerceu sua atividade profética entre os anos 627 e 582 a.C., num período de grandes turbulências durante os últimos cinco reis antes da destruição de Jerusalém em 586 pelo exército babilônica que levou boa parte do povo judeu ao exílio. O livro com o nome de Jr contém oráculos e lamentações do profeta, mas também narrações escritas por seus discípulos (especialmente seu secretário Baruc) e poesias, discursos e narrações no estilo do grupo deuteronomista no exílio ou pós-exílio, redigidos por ex-funcionários da corte e do templo de Jerusalém.

A leitura de hoje apresenta uma profecia sobre o messias para animar a restauração após a catástrofe do exílio. Nos vv. anteriores (vv. 1-4), o Senhor, através do profeta, se queixou dos maus pastores (os reis anteriores) que abandonaram o povo e anunciou que ele mesmo vai juntar suas ovelhas e estabelecer pastores que as apascentarão (cf. Ez 34). Dos pastores passa ao futuro rei davídico, objeto e alimento da esperança messiânica.

Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra. Naqueles dias, Judá será salvo e Israel viverá tranquilo; este é o nome com que o chamarão: “Senhor, nossa Justiça” (vv. 5-6).

Quando os pastores faltam em seus deveres (cf. o rei Joaquim em 22,13), o Senhor em pessoa retoma a direção das coisas (Sf 3,3-5; cf. Lc 15,3p) através do descendente de Davi esperado (cf. Ez 34,23). Dócil instrumento do verdadeiro rei Javé Deus (cf. 1Sm 12,12), este garantirá a harmonia social na terra. Graças a ele, as duas frações do povo (os reinos divididos “Judá” e “Israel”) serão restauradas (cf. 31,27s; 33,7) e enfim reunidas (cf. 50,4). No NT, essa justiça é comunicada pelo Messias a todos os membros do povo eleito (Rm 1,17; 1Cor 1,30; 2Cor 5,21; Fl 3,9).

“Descendente de Davi” (lit. “rebento” ou “germe”; cf. 2Sm 7,12), será, um dia, um nome próprio, designação do Messias (Is 4,2; 11,1 etc.; cf. Zc 3,8; 6,12).

A Bíblia do Peregrino (p. 1905) comenta: Será “rebento legítimo”, ou seja, descendente e sucessor, não usurpador. “Legítimo” também por seu governo “justo” (2Sm 23,3-4, testamento de Davi). Seu nome, que equivaleria a Yehosedec (Josedec, cf. Ag 1,1; Zc 6,11, Esd 3,2), pode aludir polemicamente a Sedecias (o mesmo nome em outra ordem), que não administrou a justiça. Além disso, o componente sdq (justo) pertence à tradição de Jerusalém.

O nome simbólico dado ao Messias, “Javé (Senhor) – nossa justiça”, contrasta com o de Sedecias, que significa “Javé – minha justiça”. No paralelo de 33,16 (cf. 1º Domingo do Advento, ano C), o nome sugestivo do monarca “Javé, nossa justiça” é prometido à própria cidade (nova Jerusalém, cf. Is 1,26).

Eis que virão dias, diz o Senhor, em que já não se usará jurar “Pela vida do Senhor que tirou os filhos de Israel do Egito” – mas sim: “Pela vida do Senhor que tirou e reconduziu os descendentes da casa de Israel desde o país do norte e todos os outros países, para onde os expulsara; eles então irão habitar em sua terra” (vv. 7-8).

Depois das ameaças do exílio (cf. Jr 16,13) sentiu-se necessidade de inserir promessas do retorno (cf. 16,14s). Os vv. 7-8 são um novo acréscimo, vinculado pelo tema ao v. 3, enunciado o princípio teológico do novo êxodo (=saída) que o Segundo Isaías (Deutero-Isaías) usa muito (cf. Is 40-55). Com a mudança atualiza-se um velho título de Javé ligado a saída do Egito (Yhwh, cf. Ex 3,14; 20,2). A volta do exílio da Babilônia (“país do norte”) à pátria (“sua terra”) superará a antiga libertação da escravidão do Egito.

 

Evangelho: Mt 1,18-24

Na genealogia de Jesus (vv. 1-17; cf. evangelho de ontem), o evangelista Mt escreveu uma lista de descendência que começa assim: “Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou Judá, …”, mas termina assim: “Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo” (v. 16), quer dizer que José não gerou Jesus, mas é o pai legal que transmite o direito a Jesus ser o Cristo, o messias legitimo (descendente de Abraão e de Davi), mas José não é o pai biológico.

Com uma narrativa em seguida, Mt dá resposta à questão levantada pela genealogia: Se José não gerou Jesus, então quem é que gerou? Igual a Lucas (cf. Lc 1,26-38) responde: Jesus não foi gerado por um homem, mas pelo Espirito Santo. Eis o modo pelo qual Jesus, embora sendo filho de uma virgem, foi “filho (descendente) de Davi” (1,1).

A origem de Jesus Cristo foi assim: (v. 18a).

Mt repete o termo “origem de Jesus Cristo”, já usado em 1,1. Aqui, o texto literal diz: ”Ora, de Jesus Cristo, a gênese foi assim”. A palavra grega “gênesis” significa “origem, geração” (1,1; Gn 2,4; 5,1 etc.).

Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo (v. 18b).

Antes mesmo de levarem uma vida comum, os jovens judeus (como Maria e José) que se comprometeram em casamento são considerados “esposos” (no v. 19, José já é chamado “seu marido” antes do convívio). Só o repúdio legal podia desligá-los do seu vínculo.

No AT, por intervenção de Deus, umas mulheres estéreis engravidaram (Sara, mulher de Abraão; a mãe anônima de Sansão; Ana, mãe de Samuel; Isabel, mãe de João Batista). Mas uma “grávida pela ação do Espírito Santo” é novidade na Bíblia (há paralelos nos mitos de outros povos). Maria ficou grávida não por um ato de um homem; sua gravidez não é imoral nem ilícita, mas consagrada.

José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo (v. 19).

José é apresentado como “justo”, mas em que sentido? É honrado, ou inocente no assunto? A legislação Dt 22,20-29 prevê apedrejamento em caso de adultério (cf. Jo 8,1-11). Para Mt, a “justiça maior” não é abolir, sim cumprir a lei à risca (5,17-20), mas Jesus declara como “lei maior” o amor a Deus e o amor ao próximo (22,34-40p; cf. 7,12). O amor, portanto, não aceita a pena de morte (apedrejamento, cf. Jo 8,1-11), prefere misericórdia mais do que vingança (assim é a justiça divina)

Nenhum texto do AT, porém, pode justificar o caráter secreto deste repúdio “em segredo”; para ser legal, ele deve ser autenticado por um certificado oficial (Dt 24,1).

Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (vv. 20-21).

O “anjo do Senhor” designa a intervenção do próprio Javé Deus (Gn 16,7.13; Ex 3,2; Mt 28,2) e não se deve confundir com outros anjos. A visão em sonhos recorda os sonhos de outro José que salvou seu povo no Egito (Gn 37-50, cf. Mt 2,13.19).

Várias figuras da Bíblia tiveram seu nascimento anunciado por intervenção e mensageiros divinos: Ismael (Gn 16,7-12); Isaac (Gn 17,15-22; 18,9-15); Sansão (Jz 13,2-22), João Batista (Lc 1,5-25). Aqui, o anjo chama enfaticamente “José, filho (descendente) de Davi” e repete a afirmação de que Maria concebeu “pela ação do Espírito Santo” (vv. 18.20).

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, nov./dez. 2016) comenta: A mensagem do anjo vai além do que José imaginava: nem a denúncia pública nem a saída discreta; ao contrário, acolher a esposa, pois o que ela traz no ventre vem de Deus.

Mas a José cabe um papel capital a desempenhar: se José impõe o nome de Jesus, é porque age como pai legal (cf. Zacarias em Lc 1,13.62s) e confere esta criança a filiação davídica.

O nome do menino, Jesus, em aramaico Yeshua (o mesmo que o hebraico Yehoshua = Josué, e parecido com Oseias), anuncia o destino: Jesus significa “Javé (o Senhor) salva”. Salvar seu povo de que? Dos dirigentes corruptos do “seu povo” judeu? Do poder opressor de Roma? Mt interpreta: “salvar o seu povo dos seus pecados” (v. 21). O evangelista via mais fundo e chega ao pecado, raiz de toda opressão. Como um rei, Jesus salvará seu povo, mas não como Davi através de guerras derramando o sangue dos outros, mas derramando seu próprio sangue “por muitos pela remissão dos pecados” (o acréscimo de Mt em 26,28, nas palavras da última ceia), doando sua vida na cruz.

Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco” (vv. 22-23).

Esta citação de Is 7,14 é a primeira das citações de cumprimento das Escrituras, mediante as quais Mt interpreta os acontecimentos mais marcantes da vida de Jesus (1,22; 2,6.15.23; 4,14; 8,17; 13,35; 21,4;27,9). Os leitores de Mt são judeu-cristãos cuja fé se fortalece com estes argumentos do Antigo Testamento (AT) contra hostilidades de judeus da época que não reconhecem Jesus como messias.

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, nov./dez. 2016) comenta: O Filho da virgem mãe será chamado Emanuel. Se no diálogo de Isaías com Acaz esse nome poderia lembrar apenas um grito de guerra, aqui tem significado pleno. Ele é Deus conosco, não apenas nos dando forças — tal como a aclamação guerreira pretendia convencer os soldados —, mas também sendo a presença de Deus no meio da humanidade, sendo Deus que vem caminhar com a gente. Jesus é a presença vitoriosa de Deus no meio da humanidade, é o Emanuel, o Deus-conosco.

Jesus não é apenas mais um filho da história dos homens, é o próprio Filho de Deus, o “Deus (que está) conosco”, como Mt destaca no início de seu evangelho (1,23), no meio (18,20: “onde dois ou três estiverem reunidos, eu estarei no meio deles”) e no fim (28,20: “Estarei convosco até o fim dos tempos”).

Em Is 7,14, no texto hebraico do AT, o sinal dado pelo próprio Senhor (na boca do profeta) é o nascimento do filho de uma “mulher jovem”. A palavra hebraica ‘Imh significa simplesmente “jovem, moça”, provavelmente a esposa jovem do rei Acaz (2Rs 16) que conceberá apesar de tempos difíceis. Esse menino que está para nascer é sinal de que Deus permanecerá no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco) apesar da situação crítica da cidade de Jerusalém cercada pelos inimigos (o contexto de Is 7). Seu nome “Emanuel” significa “Deus está conosco” (v. 14; 8,9s; 41,10). Deus está com seu povo e seus líderes (Dt 20,1; 1Rs 8,57; Gn 26,3; 18,15; 29,32; Ex 3,12; Dt 21,23; Js 1,5; Jr 6,12; 1Sm 16,18; 18,14; 2Sm 7,9; 2Rs 18,7; Jr 1,8). Deus não abandonará, mas dará a vitória a Judá e a dinastia de Davi. Este menino, filho de Acaz, herdeiro nascido, é Ezequias (2Rs 18-20), que assegurá a continuidade da dinastia.

Mas a profecia de Is 7,14 cresceu no passar do tempo. Na tradução grega do AT realizada na cidade de Alexandria, a partir do século III a.C. por setenta sábios (LXX), usa-se a palavra grega parthenos, “virgem”, em vez de “jovem, moça”; e assim passa para a tradição cristã que aplica esta profecia à “virgem” Maria (Mt 1,23). Mt vê o nascimento de Jesus, “concebido pelo Espírito Santo e nascido da virgem Maria” (Credo apostólico), correspondendo às profecias antigas sobre a origem do messias. É possível que estivesse intenção apologética (defesa) contra boatos que começavam a difundir-se sobre o nascimento de Jesus (p. ex. numa coleção de textos judaicos, Talmud, do séc. VI d.C. afirma-se que Jesus teria nascido de um adultério de Maria com um soldado romano).

Obs.: O uso da tradição grega do AT (LXX) por Mt 1,23 demonstra que os próprios evangelistas consideravam esta tradução grega como Sagrada Escritura. Na época, ainda não havia uma norma (cânone) que determinasse quais escritos deviam fazer parte da Escritura e quais não. Havia discussão: os saduceus consideravam apenas os primeiros cinco livros (Pentateuco), ou seja, a Lei (Torá) de Moisés como Escritura sagrada, os fariseus pensaram diferente (cf. At 23,8).

No sínodo de Jâmnia no ano 90 d.C., as únicas autoridades judaicas que restavam depois da guerra judaica foram os rabinos do partido dos fariseus que, na tentativa de restaurar as bases de Israel, declararam como Escritura Sagrada os livros em hebraico (Bíblia Hebraica), mas isso aconteceu bem depois de Cristo e depois da redação dos evangelhos sinóticos (Mc: 70 d.C.; Mt e Lc: 80 d.C.). Não há motivo, portanto, porque as Igrejas protestantes (“evangélicas”, a partir de Martin Lutero em 1517), seguindo os judeus, reconhecem apenas a Bíblia Hebraica como texto sagrado do AT, quando os próprios evangelistas já usaram a tradição grega (como se vê claramente em Mt 1,23). Aceitando apenas o texto hebraico do AT, os protestantes não acolheram sete livrinhos que se encontram no texto grego do AT (LXX) e que desde os primeiros séculos faziam parte da Bíblia católica (Tb, Jd, 1-2Mc, Sb, Eclo, Br); são chamados deuterocanônicos pelos católicos e apócrifos pelos protestantes.

Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa (v. 24).

Nos evangelhos, nenhuma palavra de José é transmitida (!), apenas seus sonhos e sua prontidão em agir “conforme o anjo do Senhor havia mandado” (v. 24; cf. 2,13s.19-23). Para Mt, é importante apresentar as palavras dos profetas que demonstram o cumprimento do AT na história de Jesus.

O site da CNBB comenta: José não teve nenhuma participação no Mistério da Encarnação, mas mesmo assim, cooperou com a realização das profecias ao reconhecer Jesus como seu filho e, ao dar-lhe o seu nome, lhe transmite todos os direitos da descendência davídica. Com isso, o Evangelho de hoje nos mostra que, embora a salvação seja obra de Deus, a colaboração humana é necessária para a sua realização e somente pode ser considerado verdadeiramente santo aquele que procura participar da obra salvífica da humanidade como colaborador do próprio Deus.

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