18 de julho de 2016 – 16ª semana 2ª feira

Leitura: Mq 6,1-4.6-8

Na leitura de hoje, Javé “entra na justiça”, ou seja, processa seu povo. O processo pode ser resumido assim: Nos vv. 1-5, o Senhor acusa seu povo diante de testemunhas, recordando seus benefícios (vv. 3-5), depois de ter feito tanto por ele, o que recebeu em troca? Segue-se uma pergunta do fiel arrependido sobre as exigências de seu Deus, propondo uma compensação cultual (vv. 6-7), mas na resposta do profeta (v. 8), o Senhor recusa; o que ele busca é justiça.

Ouvi o que diz o Senhor: “Levanta-te, convoca um julgamento perante os montes e faze que as colinas ouçam tua voz”. Ouvi, montes, as razões do Senhor em juízo, escutai-o, fundamentos da terra; a pendência do Senhor é com seu povo, ele disputa em juízo contra Israel (vv. 1-2).

Os “montes” e os “fundamentos da terra” não são processados, mas são testemunhas notariais, como “o céu e a terra” em outros textos (cf. 1,2; Is 1,2; Dt 4,26; 32,1). As montanhas são lugares por excelências dos encontros de Deus e seu povo (Sinai, Nebo, Ebal e Garizim, Sião, Carmelo etc…; cf. Gn 49,26; Ex 19,16-25; 1 Rs 18; 19,1-18), testemunhas imutáveis, também são personificadas com frequência (Gn 49,26; 2Sm 1,21; Ez 35-36; Sl 68, 16-17 etc.).

”Povo meu, que é que te fiz? Em que te fui penoso? Responde-me. Eu te retirei da terra do Egito e te libertei da casa de servidão, e pus à tua frente Moisés, Aarão e Maria” (vv. 3-4).

Diante dessas testemunhas, Javé lembra ao povo, que se lamenta de ter sido abandonado por Deus, os benefícios passados. Os vv. 3-5 são queixas comovedoras de Deus ante a ingratidão de Israel, queixas repetidas na liturgia da Sexta-feira Santa: “Povo meu, que é que te fiz? Em que te fui penoso? Responde-me…” Ou não se deixa responder, ou ficou sem resposta.

É curiosa a seleção de benefícios: a ação libertadora para com seu povo desde a saída do Egito, sob a liderança de Moisés, com seu irmão Aarão e sua irmã Miriam (em grego: Maria); talvez recordando o hino triunfal da passagem do mar Vermelho (Ex 15; cf. Nm 12). Há um jogo de palavras por assonância entre hel etiká “eu te fatiguei”, e he litiká “eu te fiz subir”. Longe de ter sido o Senhor a fatigar Israel, foi ele que se fatigou por seu povo, fazendo-o “subir do Egito.”

No v. 5 (omitido pela liturgia de hoje), recorda o deserto com o incidente de Balac e Balaão (cf. Nm 22-24), até a chegada à terra prometida, atravessando rio Jordão e entrando em Canaã (cf. Js 3,1-5,12). “Setim” e “Guilgal” lembram as duas estações situadas de um lado e de outro do Jordão.

Toda época do êxodo é evocada: a saída do Egito, a caminhada pelo deserto, a entrada na terra prometida. Não menciona a época antes (os patriarcas) nem depois (a conquista, os juízes e a monarquia).

”Que oferta farei ao Senhor, digna dele, ao ajoelhar-me diante do Deus altíssimo? Acaso oferecerei holocaustos e novilhos de um ano? Acaso agradam ao Senhor carneiros aos milhares, e torrentes de óleo? Porventura ofertaria eu o meu primogênito, por um crime meu, o fruto do meu sangue pelos pecados da minha vida?” (vv. 6-7).

O povo recorda e reconhece suas rebeldias. Ora, o culto oficial oferece mecanismo para expiar pecados. O povo sugere sacrifícios valiosos, até recorre mentalmente aos mais valiosos, embora ilegais (Lv 18,21; 20,2), sacrifícios humanos (cf. Gn 22; 2Rs 3,27 etc.). Em lembrança da saída do Egito há sacrifícios prescritos: Ex 23,15 (comer pães ázimos durante sete dias no mês em que aconteceu o êxodo); 34,20 (resgate dos primogênitos em lembrança da libertação do Egito, cf. Ex 12-13)

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 939) comenta: Incapazes de perceber o cunho moral da Aliança, os contemporâneos de Miquéias apegam-se a perspectivas puramente cultuais. Julgam satisfazer às obrigações da Torá [Lei] pela multiplicação de sacrifícios, chegando mesmo à imolação de criança, costume bárbaro herdado do mundo cananeu, mas formalmente condenado pela Lei (Lv 18,21; 20,2-3; Dt 12,31; 18,10; cf. Gn 22; 1 Rs 16,34; 2 Rs 3,27; 16,3; 21,6; Ez 20,26).

Em tais condições, sem conversão radical, o Senhor não aceita sacrifícios. O tema é tradicional e frequente (cf. Is 1,10-20; Jr 7; Sl 50 etc.)

Foi-te revelado, ó homem, o que é o bem, e o que o Senhor exige de ti: principalmente praticar a justiça e amar a misericórdia, e caminhar solícito com teu Deus (v. 8).

Em impressionante contraste com os propósitos de Israel, o profeta traça, em nome de Deus, o programa de uma fé autêntica: um sacrifício só tem valor se integrado numa vida totalmente consagrado a Deus.

Este versículo nos oferece uma valiosa síntese de deveres para com o próximo e para com Deus.Foi-te revelado, ó homem, o que o Senhor exige de ti”. Quantos sacrifícios inúteis, estranhos, esquisitos, nocivos, os homens já inventaram achando que iam agradar ao Senhor e que seria uma exigência divina. Deus se revela profundamente humano, não exige sacrifícios absurdos e irracionais.

“Foi te revelado” (lit. “foi-te anunciado”, grego; “ele te fez saber”, hebraico; “eu te anunciarei”, siríaco, latim); suas exigências já “foram anunciadas” ao homem: o direito (Amós), a fidelidade (Oséias), a humanidade diante de Deus (Isaias). Deus não aprova um culto separado da vida, indiferente a uma sociedade de escravidão e violência (cf. Os 4,1-2). Ele quer, sim, a prática da justiça, da misericórdia e da fidelidade (Am 5,21-25; Os 2,18-22).

A interpelação concisa “ó homem” nos surpreende e soa com ênfase como correlativo de “teu Deus”, como que assinalando a comum humanidade de todos diante de Deus. Caminhar “solícito”, lit. aplicar-te a caminhar: este termo traduz uma palavra rara, de sentido controvertido. Pode-se também ver aí expressa uma noção de humildade.

 

Evangelho: Mt 12,38-42

Nos cap. 11 e 12 de Mt, Jesus começa se retirar dos ataques dos adversários. No evangelho de hoje, Jesus se nega a realizar um sinal exigido e anuncia um julgamento sobre Israel. Aos seus contemporâneos que não querem acolhê-lo, Jesus opõe os pagãos de outrora que aceitaram a palavra de Salomão e de Jonas.

Alguns mestres da Lei e fariseus disseram a Jesus: “Mestre, queremos ver um sinal realizado por ti.” (v. 38).

Aos fariseus como adversários principais de Jesus em Mt associam-se os “mestres da Lei”. Na época do evangelista (cerca de 80 d.C.), fazem parte dos fariseus e se identificam com este partido que sobreviveu a destruição de Jerusalém em 70 d.C e representa os adversários da comunidade judeu-cristã à qual o evangelista escreve por volta de 80 d.C. (cf. 23,2-29).

Pelo contexto, o que pedem a Jesus é um “sinal” (cf. 24,3.30) ou prodígio que garante sua missão. Há sinais que garantem antecipadamente (Jz 6,36-40), outros confirmam o já acontecido (cf. Ex 3,12). Aqui, o pedido de um sinal é feito de conformidade com a tradição judaica, segundo a qual o Messias devia operar sinais que o acreditassem aos olhos do seu povo (cf. 1Cor 1,22; Mt 16,1; 24,3.30), mas com indubitável má intenção e assimilando sinal e prodígio.

Mt copia este texto de duas fontes: Mc 8,11s (Jesus nega um sinal) e Q (Lc 11,29-32: Jesus se refere a Jonas e a rainha do sul). Mt repete em 16,1 o mesmo pedido, feito pelo fariseus e saduceus “para tentá-lo” (cf. 4,1-11), pedindo um “sinal do céu” (Ap 12,1.3; 15,1; cf. 1Sm 12,18; 1Rs 18,38; o “céu” é para os judeus contemporâneos uma maneira de designar Deus sem pronunciar o seu nome inefável, Dn 4,23; 1Mc 3,18 etc.; cf. Lc 15,18.21; 20,4; Mt 3,2 etc.).

“Os judeus pedem sinais” (1Cor 1,22), prodígios que exprimem e justifiquem a autoridade que Jesus reivindica (cf. Dt 13,1s; 1Sm 10,1-7; 1Rs 13,3; 2Rs 19,29; 20,8-11; Is 7,11s; cf. Lc 1,18). Só em João, os milagres de Jesus são chamados “sinais” (Jo 2,11 etc.; mas no final, em 20,29, Jesus parabeniza os que crêem sem terem visto). Aqui em Mt, os milagres já realizados não bastam, os fariseus atribuem as curas de Jesus ao chefe dos demônios (v. 24), eles querem um sinal especial (do céu) à semelhança dos prodígios do êxodo ou de Elias.

Jesus respondeu-lhes: “Uma geração má e adúltera busca um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal do profeta Jonas (v. 39).

Esta “geração” já rejeitou João Batista (vv. 12-14); geração aqui não designa Israel, mas os contemporâneos de Jesus que não demonstraram fé nele. Quem não tem fé, é infiel. A partir de Oseias, a idolatria era descrita como “adultério” que viola a aliança com Javé Deus (cf. Os 1,2; 3,1; Is 1,21; Jr 2,2; 3,1; 3,6-12; 13,26s; Ez 16,38; 23,45 etc.). Jesus apresenta a era messiânica como núpcias (Mt 22,1-14; 25,1-13) revelando-se como noivo-esposo (9,15; cf. Jo 3,29; 1Cor 6,15-17; 2Cor 11,2; Ef 5,25-33; Ap 21,2). No juízo final, coisa (ou pessoa) “má” será condenada (7,17s; 12,34s; 13,38.49)

Em 16,4, Mt não precisa, como aqui no v. 40, o sentido do “sinal de Jonas”. Já em Mc 8,12, Jesus afirma que esta geração não terá “nenhum sinal”, após ter realizado milagres que já apresentou como sinais (Mt 11,4; 12,28). Outra fonte (além de Mc) que Mt e Lc têm em comum (chamada fonte Q), apresenta “a não ser o sinal de Jonas” e em seguida a “rainha do sul” (vv. 39b-42). Aos seus contemporâneos que não querem acolhê-lo, Jesus opõe os pagãos de outrora que aceitaram a palavra de Salomão e de Jonas.

Com efeito, assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim também o Filho do Homem estará três dias e três noites no seio da terra (v. 40).

Este v. 40 é próprio de Mt. O evangelista mias velho, Mc, suprime toda e qualquer alusão a Jonas, provavelmente porque a julga muito difícil para os seus leitores greco-romanos (cf. Mc 8,12). Mas na tradição judaica dos leitores de Mt, Jonas era célebre pela sua libertação miraculosa, bem mais do que pela sua pregação aos pagãos, o que constituía antes um pormenor chocante. Mt cita Jn 2,1: “Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia” (o cântico em seguida interpreta o ventre do peixe com imagens mitológicas da morte: Jonas foi salvo “do seio do xeol” da morte, Jn 2,3s).

“Três dias” é simbólico no judaísmo (“depois de três dias” e “no terceiro dia” pode designar o mesmo intervalo): Deus intervém depois de três dias em favor dos justos (cf. Gn 22,4; 42,17s; Ex 19,11.16; Js 2,16; Os 6,2), “assim também o Filho do Homem… no seio da terra”; para Mt, Jesus é o “Filho do homem” cuja vida, sofrimento e morte, ressurreição, ascensão e parusia (volta triunfal; cf. 24,30; 25,31s) são apresentados no evangelho. Provavelmente, Mt ainda não pensa numa “descida na morada dos mortos” (desde Irineu, séc. II; cf. 1Pd 3,18-20), mas na sepultura e ressurreição (sem explicitar esta palavra; cf. 27,62s “depois de três dias ressuscitarei”.

Os adversários devem saber que Jesus, ao se referir assim à própria morte e ressurreição, está implicando a eles, que já estão tramando meios para eliminá-lo (v. 14). Com a condenação de Jesus, estes representantes de Israel estão provocando o sinal de Jonas (a morte e a ressurreição de Jesus), mas não será mais um sinal para Israel, mas contra Israel porque não acreditarão (27,62-66; 28,11-15). A resposta do Senhor será o chamado dos pagãos (28,16-20). Em nosso texto segue o testemunho de dois pagãos (vv. 41-42) que sinaliza desde já a mudança do caminho do Deus de Israel rumo aos pagãos.

Ora, o sinal é esse: a pessoa de Jesus, seus ensinamentos e milagres (Mt acrescenta a ressurreição); mas como esta geração não quer acolhê-lo, em lugar de sinal se convocarão duas testemunhas de acusação que no final das contas deporão num juízo de comparativo de agravantes (cf. Ez 16,46-52).

No dia do juízo, os habitantes de Nínive se levantarão contra essa geração e a condenarão, porque se converteram diante da pregação de Jonas. E aqui está quem é maior do que Jonas (v. 41).

Em Lc 11,19s (na fonte Q) falta a referência à morte e ressurreição, o sinal de Jonas é a pregação de Jesus, que era um sinal para seus contemporâneos, como Jonas o fora para os ninivitas. Os ninivitas, aliás, não eram testemunhas da salvação de Jonas do ventre da baleia, apenas da “pregação”. Essa última interpretação está, aliás, é subentendida aqui no v. 41.

O relato de Jonas é polivalente e recebeu diversas explicações: morte e ressurreição (Jn 2,1), pregação aos pagãos e sua conversão (Jn 3-4). A conversão de um grande inimigo tradicional de Israel (Nínive era capital do império assírio que dominou o Oriente Médio de 900 a 600 a.C.) se voltará no juízo final contra os impenitentes que não creram na pregação de Jesus (e na sua ressurreição).

O profeta israelita Jonas não fez milagres em Nínive, mas suas poucas palavras converteram esta grande cidade pagã. Seu anúncio do juízo provocou o arrependimento dos pagãos e o perdão de Deus. Se os pagãos se converteram a partir de um dos “profetas menores”, quanto mais Israel devia se converter, pois Jesus é “maior do que Jonas”, ele é o “Filho do Homem”, o futuro juiz do mundo (cf. 25,31s). Já João Batista era “mais que um profeta” (como precursor; 11,9s); Jesus mais ainda. Já antes da ressurreição, os ensinamentos e curas de Jesus devem ser sinais suficientes para crer.

No dia do juízo, a rainha do Sul se levantará contra essa geração, e a condenará, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E aqui está quem é maior do que Salomão” (v. 42).

A “rainha do Sul” veio de Sabá (provavelmente a Etiópia ou o sul da Arábia, o atual Yêmen) para admirar a sabedoria do rei Salomão (1Rs 10,1-10), na Bíblia o sábio por excelência (1Rs 3; 5,9-14). Mas Jesus é mais sábio do que ele.

Ele supera a profecia e a sabedoria dos antigos, cf. 1Cor 1,22s: “Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em procura de sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo e para os gentios é loucura”. Jesus é mais do que um rei, até o mais sábio, é mais do que um profeta, até o mais eficiente; converterá mais povos pagãos através da sua palavra e do seu exemplo (morte e ressurreição, cf. 28,16-20).

O site da CNBB comenta: Nós estamos diante de Jesus, alguém que é muito mais do que Jonas, alguém que é muito mais do que Salomão, mas alguém que só é grande para quem o conhece e acredita nele. Estamos diante de Jesus, o próprio Filho de Deus que se fez homem e veio habitar no meio de nós para nos dar toda sorte de bênçãos e graças que vêm do próprio Deus. Estamos diante daquele que nos revela o Pai e o seu plano de amor. Estamos diante daquele que nos envia o Espírito Santo. Estamos diante daquele que nos envia em missão porque quer que todas as pessoas reconheçam que estão diante dele, possam conhecê-lo melhor e usufruir de tudo de bom que ele nos concede no seu amor.

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