18 de junho de 2017 – 11º Domingo Ano A

 

1ª Leitura: Ex 19,2-6a

A 1ª leitura foi escolhida em vista do chamado dos apóstolos no evangelho de hoje cujo número doze representa as 12 tribos do povo de Israel. Foram escravizados no Egito, mas libertados com a liderança de Moisés passando pelo mar Vermelho (Ex 1-15). No Sinai, recebem a Lei.

Nossa leitura é a oferta inicial do Senhor (seguida pela primeira aceitação global da aliança, por parte do povo no v. 8, seguir-se-ão outras duas). Talvez seja um resumo da redação “sacerdotal” sobre a aliança do Sinai, que se antecipa ao relato de 24,3-8 (ritual da aliança). Emprega-se também expressões deuteronomistas (asas de águia, propriedade minha, guardar a aliança).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 95) comenta: A teologia sacerdotal pós-exílica apresenta Israel como reino de sacerdotes, nação santa (cf. Lv 11,44.45; 19,2; 20,7.26; Is 62,12; Dn 8,24), propriedade particular de Javé (cf. Dt 7,6; 14,2; 26,18; Sl 135,4; Ml 3,17), a quem pertence a terra inteira (cf. Sl 47,2; 66,1.4; 83,18; 97,5).

(Naqueles dias, os israelitas,) partindo de Rafidim, chegaram ao deserto do Sinai, onde acamparam. Israel armou ali suas tendas, defronte da montanha (v. 2).

Nossa liturgia simplificou a introdução do v. 1: “No terceiro mês depois da saída do país do Egito, naquele dia, os filhos de Israel chegaram ao deserto do Sinai”. Os judeus comemoram a no saído do Egito na Páscoa, e a chegada ao Sinai com a entrega da lei e a aliança no dia de Pentecostes (50 dias após, cf. 23,16: a festa dos primeiros frutos da lavoura).

Moisés, então, subiu ao encontro de Deus. O Senhor chamou-o do alto da montanha, e disse: “Assim deverás falar à casa de Jacó e anunciar aos filhos de Israel: Vistes o que fiz aos egípcios, e como vos levei sobre asas de águia e vos trouxe a mim (vv. 3-4).

Primeiro encontro no monte Sinai. Moisés sobe ao alto da montanha chamado por Deus. “Subiu ao encontro de Deus”; lit. subiu a Deus, quer dizer “ao monte de Deus” (3,1; 18,5), dando-o por conhecido (Moisés já foi chamado na sarça ardente no pé do mesmo monte, chamado Horeb, 3,1.12). Quem fala é Yhwh (Javé, traduzido por “Senhor”); Moisés é mediador.

O discurso de Deus está numa linguagem poética, rítmica. Os “filhos de Israel” são os israelitas, idênticos com a “casa (=família) de Jacó”. Israel era apelido do patriarca Jacó que tinha 12 filhos (e uma filha) que deram origem as 12 tribos (Gn 32,29; 35,10.22b-26; Ex 1,1-5).

A Bíblia do Peregrino (p. 142) comenta: A formula “levar/ trazer à terra” é fixa e conhecida. Ao substituir o termo “terra” por “a mim”, o autor expressa certeiramente o sentido pessoal da aliança, o verdadeiro termo da grande peregrinação israelita (e de toda peregrinação humana). Algo equivalente acontecerá quando se tratar do retorno do exilio: para voltar à pátria é preciso voltar = converter-se ao Senhor. Dt 32,11 amplifica a imagem da águia com seus filhotes.

Portanto, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim a porção escolhida dentre todos os povos, porque minha é toda a terra (v. 5).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 125) comenta: Uma “aliança” servia para fundar e regulamentar as relações entre grupos humanos. Encontrou-se o texto de alianças concluídas, no antigo Oriente, seja entre reis iguais, seja entre suseranos e seus vassalos. Israel pôde utilizar essa experiência política para expressar o vínculo que o unia a Deus e que unia as tribos entre si. Se a aliança faz da vida de Israel um “diálogo” com Deus, nem por isso ela suprime a desigualdade entre os parceiros, pois a moral da aliança é antes de tudo “resposta” a uma iniciativa absolutamente gratuita a Deus. A obediência à lei da aliança, mais do que uma fonte de méritos, é uma ação de graças, um reconhecimento daquilo que Deus fez por primeiro.

“Porção escolhida” (lit. parte adquirida, propriedade; um termo econômico aplicável a objetos e a escravos) “dentre todos os povos, porque minha é toda a terra”, aqui implica a eleição, a pertença especial que se destaca da pertença universal. A imagem retorna no corpo deuteronômio (Dt 7,6; 14,2; 26,18). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 125) comenta: Designando o tesouro do rei em 1Cr 29,3 e Ecl 2,8, a expressão é aplicada ao povo de Israel em Dt 7,6; 14,2; 26,18; Sl 135,4; Ml 3,17. Originariamente, era talvez a parte dos despojos que o chefe não destinava à partilha, mas reservada para si.

E vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa (v. 6a).

A pertença a Deus o transfere o povo de Israel para a esfera sagrada (Jr 2,3: “Israel era santo para Javé, as primícias da sua colheita”). O povo inteiro fica consagrado (como “sacerdotes de Javé”, Is 61,6) e precisa-se purificar para aproximar-se do monte (vv. 9-15).

“Um reino de sacerdotes e uma nação santa”; a carta da Pedro aplica isso à Igreja (1Pd 2,5.9; Ap 1,6; 5,10). Outros têm traduzido assim: “regido por sacerdotes”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 125) comenta: Pensa-se geralmente que a expressão se refere ao povo inteiro, encarregado de uma função sacerdotal entre Deus e o resto do mundo. Mas parece que na sua origem ela significa: “Não sereis uma simples nação, submissa a reis; pelo contrário, sereis dirigidos por sacerdotes”, situação que se realizou na volta do Exílio … As três expressões: “parte pessoal, reino de sacerdotes, nação santa” dizem que bênçãos Israel receberá, “se guardar a aliança”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 132) comenta: A aliança fará de Israel o bem pessoal e sagrado de Iahweh (Jr 2,3), um povo consagrado (Dt 7,6; 26,19) ou santo (o termo hebraico significa ambas as coisas), como o seu Deus é santo (Lv 19,2, cf. 11,44s; 20,7.26), também um povo de sacerdotes (cf. Is 61,6), porque o sagrado tem uma relação imediata com o culto. A promessa encontrará a sua plena realização no Israel espiritual, a Igreja, na qual os fiéis serão chamados “santos” (At 9,13) e, unidos a Cristo Sacerdote, oferecerão a Deus um sacrifício de louvor (1Pd 2,5.9; Ap 1,6; 5,10; 20,6).

2ª Leitura: Rm 5,6-11

A leitura continua da carta aos Romanos ainda faz parte da parte dogmática, mas usa agora uma outra linguagem. Depois de discursar sobre a justificação pela fé e não pelas obras da lei, Paulo falou sobre a esperança e o amor de Deus que “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (v. 5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta: A linguagem jurídica se retira a segundo plano, cedendo lugar a uma mais ética; o predomínio do amor sucede ao predomínio da justiça de Deus. Já não se diferenciam judeus e gregos, e da justiça recebida se fala no passado.

Reconciliados com Deus pela fé, entramos numa situação de paz e esperança: paz que supera a tribulação, esperança que transforma o presente. Desfrutamos da “graça” ou favor de Deus e seu “amor” revelado no sacrifício de seu Filho. Agora pomos “nosso orgulho” não em méritos de obras, mas na esperança (v. 2), em Deus mesmo (v. 11). Tudo por meio de Jesus Cristo (5,2.9.11.17.21).

(Irmãos,) quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores (vv. 6-8).

“Quando éramos ainda fracos”, ou seja, impotentes para nos desvencilhar do pecado.

A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta os vv. 6-10: Exalta o amor desinteressado de Jesus Cristo com um sistema de quatro oposições que produzem efeito cumulativo. Malvados perdoados, culpados indultados, inimigos reconciliados, reconciliados legitimamente orgulhosos (Is 45,25; Sl 64,11). A morte de Cristo é antes de tudo revelação do amor incondicional de Deus: um amor não suscitado por nossa boa conduta, pelo contrário. Não podemos estar orgulhosos de nós: todo nosso orgulho reside em Deus. Já não orgulhosos de seu poder (Sl 115,3), mas do seu amor.

Muito mais agora, que já estamos justificados pelo sangue de Cristo, seremos salvos da ira por ele. Quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele pela morte do seu Filho; quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida! Ainda mais: Nós nos gloriamos em Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. É por ele que, já desde o tempo presente, recebemos a reconciliação (vv. 9-11).

O sangue (= morte) de Cristo nos trouxe vida e salvação. No fundo está o texto de Is 53 “justificados pelo sangue”, “reconciliados pela morte do seu filho” (vv. 9-10); o servo inocente de Deus que morre pelos crimes do povo e nos traz vida e salvação (cf. 1Jo 4,10). Agora já que fomos reconciliados, podemos crer com maior razão e esperar que sejamos salvos pela vida-ressurreição de Jesus (vv. 10-11).

“Seremos salvos por sua vida”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2180) comenta: Desde agora justificados (v. 9), reconciliados com Deus (vv. 10-11), graças ao sangue, isto é, à morte do Cristo (vv. 9-10), os crentes aguardam, cheios de esperança, a salvação escatológica, último fruto da Ressurreição de Cristo (v. 10). Paulo nunca separa a morte de Cristo da sua ressurreição (cf. 4,25). A perspectiva dos vv. 9-11 é a mesma que a de Rm 5,2 e 8,11.

Evangelho: Mt 9,36-10,8

Mt concluiu a parte narrativa dos dez milagres (doze curas) com um resumo da atividade de Jesus: “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade” (9,35). Escreveu a mesma frase já na introdução do sermão da montanha (4,23).

Agora estamos antes do segundo grande discurso em Mt, desta vez sobre a missão dos apóstolos (cap. 10). A série dos dez milagres (doze curas) foi interrompida duas vezes com um diálogo de seguimento (8,18-22p) e um relato de vocação (de Mateus, 9,9-13p). Agora Mt abordará formalmente o grande tema de escolha e missão dos doze.

Esta nova unidade se abre e termina resumindo a atividade missionária de Jesus: percorrendo as cidades, para pregar e ensinar (9,35 e 11,1). No centro do discurso de Mt 10 enuncia o princípio da semelhança: os discípulos como o mestre. Por isso, a atividade de Jesus emoldura toda a instrução aos discípulos. O êxito de Jesus aumentou o trabalho, para o qual reuniu os primeiros colaboradores que agindo aprenderão juntos dele. Mas precisa de mais trabalhadores.

Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: “A Messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!” (vv. 36-38).

Jesus sente profundamente a dor e as enfermidades do povo, “se compadece” ao vê-lo, como Moisés no monte Nebo quando lhe foi anunciada sua morte próxima (Nm 27,12-17); como o profeta Miqueias viu o povo na presença de dois reis (1Rs 22,17). Jesus assume o ofício de bom pastor e deixará a seus discípulos a tarefa de colher (cf. Jo 4,37-38; 10).

À imagem da pesca (“pescadores de homens” em 4,19) se acrescentam a clássica do “pastor” (Jr 23; Ez 34; Sl 23; 80) e a do ceifador (“trabalhador” rural, cf. Sl 126) que continuam a ser usadas para se descrever o apostolado na Igreja. A multidão em Israel tinha seus chefes: sacerdotes e doutores da lei; no entanto, não cuidavam bem do rebanho, ou seja, do povo (cf. Jt 11,19; Ez 34,5). As pessoas estão “cansadas e abatidas”, porque não foram cuidadas. Como hoje, p. ex. crianças que estão nas ruas, abandonadas pelos pais, ou jovens que não recebem a educação que merecem. A corrupção e má distribuição fazem com que as riquezas da nação não cheguem às pessoas de maneira igualitária e aumentam a violência e o uso de drogas, etc…

Depois desta introdução segue o segundo dos cinco discursos de Jesus em Mt que trata sobre a missão dos apóstolos (cap. 10). Para isso, Mt combinou a chamada dos Doze de Mc 3,13-19 com o envio em missão de Mc 6,7-13 e as recomendações para missão em Q (coleção perdida com palavras de Jesus, que Lc usa também, cf. Lc 9,1-6; 10,1-12), acrescentando depois outras palavras sobre a perseguição (vv. 16-42; cf. Mc 13,9-13; Lc 12,2-9.51-53; 14,26-27; 21,12-19).

Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade (v. 1).

Mt supõe já conhecida a escolha dos doze, que Mc e Lc mencionam explicitamente (“escolheu”), distinguindo a da missão: Em Mt, Jesus apenas “chamou” os doze “e lhes deu poder…” Os escolhidos que foram chamados agora são “doze” como representantes das doze tribos de Israel (19,28; Ap 21,12-15; cf. Ex 1,1-5; 24,4; … Ap 7,4-8), como a família do novo Israel (no AT, apresenta-se o antigo Israel como descendência dos doze filhos de Jacó-Israel; cf. Gn 29,31-30,22; 35,16-25).

O mestre comunica-lhes seus poderes messiânicos: desalienar as pessoas (“expulsar demônios”, cf. 8,28-34) e libertá-los de todos os males (cf. 4,23; 9,35). Exorcismos e curas dependem do mesmo poder. A doença é sinal do reino de Satanás e do pecado; a cura é sinal da vitória sobre ele.

Estes são os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus (vv. 2-4).

Antecipa-se o título futuro de “apóstolos”, palavra grega que significa “mensageiros, enviados” (cf. Lc 6,13).

Pedro encabeça os apóstolos com seu novo nome de ofício (“Pedro”) que será dado em 16,18 (cf. Jo 1,42: “Céfas” em hebraico, cf. 1Cor 1,12; 3,22; 9,4; 15,5; Gl 1,18; 2,9.11). Os nomes dos Doze são de origem e mentalidade muito diversas: nomes hebraicos e gregos, vários pescadores, um publicano (cobrador de impostos para os opressores romanos), um zelota (os zelotas cometiam atos de terroristas contra os romanos). Esta diversidade tem seu centro de unidade em Jesus e mostra sua capacidade em unir pessoas divergentes.

A lista dos doze apóstolos (cf. Mc 3,14 e Lc 6,13) chegou a nos sob quatro formas diferentes, a saber, de Mt, Mc, Lc e At. Todas listas os dividem em três grupos de quatro nomes (na sua pintura da última ceia, Leonardo da Vinci dividiu os apóstolos em quatro grupos de três), e têm as mesmas pessoas que encabeçam estes três grupos: Pedro, Filipe e Tiago, filho de Alfeu. A ordem pode variar no interior de cada grupo. Pedro é sempre o “primeiro” (Mt ainda o destaca como tal), Judas Iscariotes o último da lista,

No primeiro grupo vemos os discípulos mais ligados a Jesus (cf. Mc 13,3): Mt e Lc colocam juntos os irmãos Pedro e André e os irmãos Tiago e João, enquanto em Mc e At, André está no quarto lugar, para dar lugar aos dois filhos de Zebedeu que juntamente com Pedro se tornam os três íntimos do Senhor (cf. Mc 5,37; 9,2; 14,33). Nos At, um filho de Zebedeu, Tiago, cede o seu lugar a seu irmão mais moço, João que se tornou mais importante (cf. At 1,13; 12,2 e já Lc 8,51p; 9,28p).

O segundo grupo parece ter tido mais afinidade com os não-judeus (cf. Jo 12,20s; Mt 9,9). Neste, Filipe em primeiro lugar. Mateus ocupa o último lugar nas listas de Mt e dos At, e só em Mt é chamado “o cobrador de impostos” (cf. 9,9s: Mt contou sua vocação trocando o nome Levi de Mc 2,13; Lc 5,27; cf. comentário de sexta-feira passada). A tradição identificou Bartolomeu com Natanael (por sua proximidade a Filipe em Jo 1,45-50; cf. 21,2).

O terceiro grupo é o mais judaizante, encabeçado por Tiago, filho de Alfeu, chamado de Tiago menor, que pela tradição foi identificado com Tiago, o “irmão (parente) do Senhor” (cf. 13,55; Mc 6,3p; 16,1; Jo 19,25; At 12,17; 15,13-21; 21,18-26; 1Cor 15,7; Gl 1.19; 2,9.12; Tg). Parentes de Jesus (cf. 13,55p) têm nomes iguais também aos próximos da lista: Tadeu (variação Lebeu) de Mt e de Mc, se é a mesma pessoa que o “Judas de Tiago” (filho ou irmão de Tiago em Jd 1) em Lc e nos At, e passa nestes últimos, do segundo para o terceiro lugar. Simão, o “zelota”, de Lc e At, não é senão a tradução grega do aramaico, Simão Qan’ana (“cananeu”) de Mt e Mc; significa “zeloso” (a palavra portuguesa zelo vem desta palavra grega e significa ardor, fervor, emulação; os zelotes tinham tanto zelo ao ponto de se tornarem fanáticos e terroristas violentos contra os romanos (p. ex. Barrabás em Mc 15,7p; cf. At 5,36-37). Judas Iscariotes, o “traidor”, figura sempre em último lugar da lista, e se menciona seu destino. O nome é interpretado frequentemente como “homem de Cariot” (cf. Js 15,25; Am 2,2), mas poderia também ser um derivado do aramaico sheqarya, “o mentiroso, o hipócrita” ou transcrição semítica de sicárius, equivalente latino de zelota (assim formaria um par com Simão Cananeu); esta última interpretação ajudaria entender o motivo da sua traição, porque Jesus repudiou a ideologia dos zelotas (cf. 17,24-27; 22,15-22).

Jesus enviou estes Doze, com as seguintes recomendações: “Não deveis ir aonde moram os pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel! (vv. 5-6).

Em seguida, “Jesus enviou esses doze com as seguintes recomendações” (v. 5). “Enviar” corresponde ao título apóstolo – enviado encarregado de missão (cf. 10,16.40; 15,24). Em 15,24, mas sobretudo em Jo, Jesus apresenta-se como “enviado” do Pai (Jo 3,17.34; 5,36s; 17,3.18 etc.).

Em Mt, os conselhos seguintes para missionários itinerantes se situam ainda antes da ressurreição, por isso sua área de operação é por ora restrita e mostra a preferência por Israel: “Não deveis ir aonde moram os pagãos nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (vv. 5-6; cf. v. 23). Só no final do Evangelho, depois da rejeição de Israel e a ressurreição de Jesus, ele os envia a todos os povos (28,19).

Os samaritanos, miscigenados desde a queda da Samaria (reino do Norte) em 721 a.C. (2Rs 17,29-34), tinham a lei de Moisés, mas seu próprio templo no monte Garizim (Jo 4,20); não são o Israel autêntico, estão a meio caminho entre os judeus e os pagãos. “Casa de Israel” é hebraísmo bíblico que Jesus usa em 15,24: é o povo de Israel, ovelhas dispersas por culpa dos pastores (cf. 9,36): “Meu povo era um rebanho perdido” (Jr 50,6). Como herdeiros da eleição e das promessas, os judeus devem ser os primeiros a receber o oferecimento da salvação messiânica. Assim Paulo, Barnabé e Marcos começam evangelizar primeiramente nas sinagogas, só depois da recusa dos judeus se dirigem aos pagãos (cf. At 13,46; 18,6; 28,28). Em Lc, Jesus passa pela Samaria (cf. Lc 9,51-55; 10,29-37) e o evangelho será anunciado lá pelo diácono Filipe (cf. At 1,8; 8,5-25). Em Jo 4, o próprio Jesus evangeliza os samaritanos.

Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos Céus está próximo’ (v. 7).

Em Mt, é o mesmo anúncio de João Batista e de Jesus (3,2; 4,17). Conforme o costume dos seus leitores judeu-cristãos, Mt evita pronunciar o nome de Deus e prefere e expressão “Reino dos Céus” (em vez de Reino de Deus); não designa um reino celeste, mas que Aquele que está no céu (5,48; 6,9; 7,21) reina sobre o mundo. O reino sempre pertence ao Senhor (Sl 22,29; 103,19; 145,11-13; …), mas este reinado eterno “se aproximou” dos seres humanos na pessoa de Jesus.

Os apóstolos são enviados para falarem e atuarem como o mestre.

Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios (v. 8a).

Estas quatro ações abraçam toda atividade de Jesus na série dos capítulos anteriores (Mt 8-9), até o poder sobre a morte. A lepra é mencionada à parte, porque contamina (os envios paralelos de Mc 6,7.13 e Lc 9,1-2.6; 10,9 só falam da cura de doentes e espíritos maus).

De graça recebestes, de graça deveis dar! (v. 8b).

Parece que muitos curandeiros da época cobravam caro por seus serviços. Mas o poder dos discípulos vem de Deus, então devem fazer diferença, imitando a atitude de Jesus, a gratuidade (cf. Pedro em At 3,6); para Paulo (e Lutero), somos salvos pela graça, não pelas obras (da lei, cf. Rm 5,15-20 etc.).

O envio dos discípulos não acontece somente no passado. Jesus tem sempre compaixão das multidões. Nós também somos pessoas muito diferentes, viemos de diversos lugares e situações, mas fomos chamados por Jesus para trabalhar juntos pelo “reino de Deus e sua justiça” (6,33).

O site da CNBB comenta: Nós devemos ter sempre a convicção de que, se fomos chamados para trabalhar no Reino de Deus, foi Jesus quem nos chamou. Outras pessoas podem até ter participado deste chamado, mas foram instrumentos nas mãos de Jesus para que esse chamado acontecesse. E porque foi Jesus quem nos chamou, é da obra dele que participamos. Não temos o nosso próprio projeto e nem participamos de projetos de outras pessoas, mas na verdade, nos inserimos no projeto do próprio Jesus. Com isso, não realizamos a nossa obra, mas a obra daquele que nos chamou e não agimos pelo nosso próprio poder, mas agimos pelo poder daquele que nos chamou e nos enviou para a realização do seu projeto de amor.

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