18 de setembro de 2016 – 25º Domingo Ano C

1ª Leitura: Am 8,4-7

A 1ª leitura foi escolhida em vista do evangelho de hoje sobre a esperteza do administração desonesto (Lc 16,1-8). Amos é o mais antigo dos profetas a quem se atribui textos escritos. Como Elias e Eliseu um século anterior, Amos atua no reino do Norte (Israel) por volta de 750 a.C., criticando a elite que maltrata os pobres.

Entre a quarta e quinta visão de Amós encontra-se novamente uma série de palavras provavelmente acrescentadas por discípulos. Descrevem os abusos em Israel (vv. 4-8) e apresentam Javé Deus como protetor dos pobres (cf. Sl 82; Is 11,4; Dt 24,14s), em seguida anunciam o julgamento “naquele dia” (vv. 9-14), o terrível “dia de Javé” (cf. 5,18).

Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra;
vós que andais dizendo: “Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria? E o sábado, para darmos pronta saída ao trigo, para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias, e para pôr à venda o refugo do trigo?”
 (vv. 4-6).

O último oráculo da série “ouvi isto (escutai)” (3,1.13; 4,1; 5,1) se concentra no comércio injusto. A “lua nova” era feriado no calendário lunar de Israel, onde se festejava o primeiro dia do mês (1Sm 20,5.24; 2Rs 4,23; Is 1,13s; Os 2,13; Ne 10,32; cf. Lv 23,24). Neste dia, como nos sábados (Ex 20,8 etc.), todas as atividades lucrativas eram suspensas. Esses comerciantes consideram o sábado como entediante interrupção dos seus negócios (Is 58,13; Jr 17,19-27) falsificam medida e peso (cf. Os 12,8s; Mq 6,10s). Fazem dos pobres objetos, mercadorias humanas, obrigando-os a se venderem por dívidas mesquinhas (cf. 2,6s; 4,1; 5,11), violando assim a lei de Moisés (cf. Ex 23,6; Lv 19,10; Dt 15,7-11; 24,12-22).

Por causa da soberba de Jacó, jurou o Senhor: “Nunca mais esquecerei o que eles fizeram” (v. 7).

Javé Deus começa falar garantindo que não se esquecerá. Em seguida (omitidos pela nossa liturgia), menciona um terremoto (v. 8; cf. 1,1; 2,13; 9,5) e anuncia o castigo: escuridão e luto substituirão a alegria das festas “naquele dia” (vv. 9-10; cf. 5,18).

É estranho que Deus jure “por causa da (ou: pela) soberba (orgulho ou glória) de Jacó”. Jacó é o patriarca que recebeu o nome Israel (Gn 32,29; 33,10; seus doze filhos formam as doze tribos do povo de Israel, cf. Gn 35,22b-26; Ex 1,1-7). O orgulho de Jacó pode se referir ao sujeito (a arrogância do reino do Norte, Israel), ou ao objeto, ou seja, a glória de Israel é o próprio Javé Deus, ou seja, Deus jura por si mesmo (6,8; Gn 22,16; Hb 6,13-19); assim a frase se torna irônico: o povo de Israel (Jacó) se orgulha de mim, pois verá as consequências (coerente com 3,2). Seja como for, o juramento aqui afirma que a decisão de Deus é para sempre (Sl 89,36).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1758) comenta: O “orgulho de Jacó” pode designar, quer um atributo de Iahweh (1Sm 15,29), quer, como em 6,8, a arrogância de Israel, tão firme que pode servir de base a um juramento, quer ainda a terra de Iahweh, a Palestina (Sl 47,5).

2ª Leitura: 1Tm 2,1-8

Além de preservar a comunidade na doutrina dos apóstolos frente a heresias, uma grande preocupação das cartas pastorais (das quais 1Tm faz parte, cf. a introdução no domingo passado) é dar normas concretas para a ordem de comunidades locais. É significativo que conceda o primeiro lugar às reuniões de oração, talvez por considerá-las centro da vida comunitária. Mas nenhuma destas cartas menciona explicitamente a Eucaristia (como fez Paulo em 1Cor 11).

A instrução é motivada pelo desejo de corrigir abusos internos e externos, oferece também alguns conselhos ou ordens positivas em tom de autoridade, recomendação que equivale a mandato. O autor recomenda que os cristãos incluam na sua oração todos os homens. É a oração litúrgica universal, impulsionada pela convicção de que Deus enviou seu Filho para salvar o mundo inteiro.

Antes de tudo, recomendo que se façam preces e orações, súplicas e ações de graças, por todos os homens; pelos que governam e por todos que ocupam altos cargos, a fim de que possamos levar uma vida tranquila e serena, com toda piedade e dignidade (vv. 1-2).

Podemos distinguir quatro categorias de rezar: “preces (pedidos) e orações (intercessões), súplicas e ações de graças” (o termo grego euc(h)aristia significa ação de graça). O autor frisa a universalidade da oração: rezar não só por si e os seus, mas “por todos os homens”, também pelas autoridades (sobre a lealdade de Paulo, cf. Rm 13,1-7). Entre elas seleciona primeiro a intercessão pelas autoridades imperiais e regionais. Muitas vezes, as autoridades levam a culpa e responsabilidade por toda desordem. A política é considerada suja e corrupta; seu objetivo, porém, seria o bem comum de todos, garantir a harmonia social e a paz e na sociedade.

A Bíblia do Peregrino (p. 2852) comenta: Há antecedentes notáveis no AT: Moisés intercede várias vezes pelo Faraó (Ex 8,4-9.24-27; 10,17-19); Jeremias manda rezar por Babilônia: “Rezai por ela, porque sua prosperidade é a vossa” (Jr 29,7). Supõe-se que as autoridades podem e devem contribuir para o bem de seus súditos: no civil, “tranquilidade” (vida calma e serena), e no religioso, “piedade”. Os cristãos, embora espalhados em comunidades sólidas através do Império Romano, eram minoria entre a maioria pagã; haviam superado já algumas perseguições, mas continuavam dependendo da honradez e boa vontade de seus senhores civis, pois não parece que eles tenham tido acesso a cargos de governo. Pelo bem do povo deve-se rezar por eles, ainda que sejam pagãos.

Os cristãos no final do primeiro século anseiam por uma vida de paz e tranquilidade. O fim do versículo reflete talvez os temores do apóstolo quanto ao futuro.

Isto é bom e agradável a Deus, nosso Salvador; ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (vv. 3-4).

Também as autoridades, os políticos, são chamados a salvação (cf. Ez 18,23). Salvação é conhecimento da verdade (4,3; 2Tm 2,25; 3,7; Tt 1,1), mas este conhecimento comporta o empenho de toda a vida (Cf. Os 2,22; Jo 8,32; 10,14; 2Ts 2,12 etc.). Mas “o que é a verdade?”, perguntou Pilatos (Jo 18,38; cf. 14,6); é o Cristo e seu evangelho.

Aqui não se pede o castigo, mas a conversão das autoridades, que sejam agentes da paz. A afirmação de que Deus quer a salvação de todos (Cf. 4,10) é de grande dimensão teológica e ajuda a interpretar corretamente outras passagens de Paulo (cf. Rm 9,18.21 etc.). Ela é motivada (v. 5) pela evocação da unidade de Deus (cf. Mc 12,29p; Rm 3,29-30; Ef 4,6) e da situação única de Cristo Deus e homem (cf. Hb 2,17; 8,6; 12,24; 13,20).

Pois há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, que se entregou em resgate por todos. Este é o testemunho dado no tempo estabelecido por Deus, e para este testemunho eu fui designado pregador e apóstolo, e – falo a verdade, não minto – mestre das nações pagãos na fé e na verdade (vv. 5-7).

Os vv. 5-6 parecem uma citação de um hino litúrgico ou profissão de fé (outra em 3,16; cf. a apelo a unidade em Ef 4,4-6). “Um só Deus” corresponde ao monoteísmo definido no judaísmo, de modo enfático a partir do Segundo Isaías (Is 43,10s; 44,6.8; 45,514.21s), apoiando em ensinamentos precedentes (cf. Dt 4,35.39; 6,5). “Um só mediador” entre Deus e os homens (1Cor 8,6; Hb 9,15) é um homem chamado Jesus, cujo título é “Cristo” (ungido rei/messias); com ele ficam abolidas as mediações de outras religiões e cultos. Jesus é mediador em sua qualidade de homem que lhe permite ser salvador de todos (v. 4), com sua morte “em resgate por todos” (v. 6; cf. Hb 2,14-17). Em sua vida humana entregou-se à morte como “resgate” (Mc 10,45p; cf. Sl 49,8) de escravos do pecado (1,15; Gl 1,4), com alcance universal. Evoca a figura do servo de Javé em Is 53.

Desde a reforma litúrgica do Vaticano II, há certa polêmica sobre a tradução na Oração Eucarística a respeito das palavras sobre o cálice: “por muitos” (ou “multidão”, cf. Is 53,11s; Mc 10,45; Mt 26,28; Hb 9,28; Ap 7,9) ou “por todos” (cf. os escritos joaninos, Jo 1,29; 6,51; 11,52; 1Jo 2,2, e as cartas paulinas, Rm 5,15-19; 8,32; 1Cor 10,16s; 2Cor 5,14s; 1Tm 2,3-6; Tt 2,11.14). Bento XVI queria voltar para “muitos” (antes da reforma do Vaticano II), Papa Francisco não tocou mais no assunto.

Com sua morte, Jesus deu o testemunho supremo de amor divino, ele é “testemunha fiel” do Pai (Ap 1,5; 3,14). Entregando-se em resgate por todos, deu testemunho do desígnio universal de Deus “diante de Pôncio Pilatos numa bela profissão de fé” (6,13).

Este testemunho foi confiado a Paulo que devia levar o evangelho às nações pagãs (gentios; cf. Gl 2,7; At 9,15), como “mestre das nações” pregar a salvação oferecida a todos (Rm 1,1.5; 16,26; At 9,15). Os três títulos, “mensageiro (pregador, anunciador), apóstolo e mestre (doutor)”, reaparecem unidos também em 2Tm 1,11. O mensageiro anuncia boas notícias, o evangelho; “mestre” é uma das funções (diferentes da apostólica) em 1Cor 12,8-10.28s e paralelos.

Timóteo, discípulo de Paulo, não necessitaria de tal declaração de seu mestre e “pai” espiritual (cf. 1,2). A frase tem outra função: garantir uma carta emanada da sua escola (as cartas pastorais já são da terceira geração cristã).

Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões (v. 8).

“Em todo lugar”, quer dizer não só em lugares especiais; o extremo oposto da centralização do culto promovida por Josias (2Rs 22-23; Dt 12; cf. Jo 2,20s; 4,20-24); outros interpretam “os homens de qualquer lugar”. As mãos levantadas são um gesto comum de oração (Is 1,15; Sl 141,2; etc.).

Contra sectarismo e particularismo, “ira e discussões“ partidárias, a leitura de hoje destaca o universalismo: Deus quer salvar a “todos”; seu Filho se entregou para salvar a “todos”; Paulo foi chamado para levar esta boa notícia a “todas as nações”; os cristãos devem rezar “por todas as pessoas” e “em todo lugar”. A oração deve ser tão universal quanto a própria Igreja que se chamará “católica” (significa: universal, geral, para todos). Ser Igreja no mundo é testemunhar que o projeto de Deus está aberto para todos.

Evangelho: Lc 16,1-13 (ou 10-13)

O cap. 16 de Lc reúne duas parábolas e diversas palavras de Jesus sobre o uso do dinheiro (com exceção dos vv. 16-18). A primeira parábola se dirige aos discípulos e apresenta um caso bastante comum no mundo do comércio e do trabalho: um administrador corrupto (talvez um caso concreto da época?). O patrão descobre as falcatruas e decide de mandá-lo embora. O gerente começa a pensar o modo de superar a crise. Calcula bem as alternativas e encontra uma saída para ele. E Jesus? “Elogia” a esperteza do administrador “desonesto” (v. 8)! Portanto, esta parábola do gerente espertalhão pode soar desconcertante e é difícil de interpretar.

(Naquele tempo, Jesus) dizia aos discípulos: “Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens’ (vv. 1b-2).

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: É o administrador de um rico abastado. Acusam-no de má administração, e pela ação do amo pode-se deduzir que a acusação foi comprovada. O castigo lógico é demiti-lo imediatamente.

Não há possibilidade de se defender da acusação. Mas porque ainda prestar conta, a não ser para comprovar o contrário, sua honestidade, ou para preparar a transição para um sucessor? De qualquer modo tem que ser afastado da administração, por enquanto ou permanentemente, para não causar um rombo maior.

O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’ (vv. 3-4).

Aquele administrador que vivia folgadamente enfrenta uma emergência e começa refletir. Monólogos são frequentes em Lc (12,17; 15,17-19; 18,4s). Não tem força para trabalho braçal nem para mendigar. “É melhor morrer que andar mendigando; quem depende da mesa alheia tem de saber que não vive” (Eclo 40,28-30). Enquanto ainda está no cargo, tem que se aproveitar da última oportunidade.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: Como homem entendido em negócios se detém a calcular e buscar saídas para a emergência, dentro do sistema econômico em que se move e conhece por dentro. Descarta duas saídas razoáveis, que ele não é capaz de enfrentar, e planeja outra astuta: criar interesses, buscando cúmplices. Em outros termos, dos devedores do patrão fazer devedores de favores seus.

Então ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu patrão?’ Ele respondeu: ‘Cem barris de óleo!’ O administrador disse: ‘Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve cinquenta!’ Depois ele perguntou a outro: ‘E tu, quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. O administrador disse: ‘Pega tua conta e escreve oitenta’ (vv. 5-7).

Cem barris de óleo correspondem à colheita de 140 oliveiras; cem medidas de trigo correspondem à colheita de 42 hectares.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1961) comenta: Segundo o costume tolerado na Palestina naquela época, o administrador tinha direito de conceder empréstimos com os bens do seu senhor. E, como não era remunerado, ele se indenizava aumentando, no recibo, a importância dos empréstimos. Assim, na hora do reembolso, ficava com a diferença como um acréscimo que era o seu juro. No presente caso, ele não havia emprestado, na realidade, senão cinquenta barris de óleo e oitenta medidas de trigo. Colocando no recibo a quantia real, ele estava se privando apenas do benefício – para dizer a verdade, usurário – que havia subtraído. Sua “desonestidade” (v. 8) não consiste, pois, na redução dos recibos – o que não é senão um sacrifício dos seus interesses imediatos, manobra hábil que o senhor pode louvar – mas antes nas malversações anteriores que motivaram sua demissão.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) discorda: Alguns comentadores dizem que o tanto por cento perdoado cabia a ele; mas o relato não parece apoiar isso. Afinal de contas, o patrão era rico e a perda global de uns mil denários não era excessiva para ele. Maior prejuízo tinha sido a má administração precedente.

E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza (v. 8a).

O v. 8a já poderia ser o final original da parábola. O recurso é tão engenhoso quanto desonesto. Quem é este “senhor” que elogia? É o patrão que admira o engenho (cf. Pr 22,3; 27,12)?

Para nossa liturgia, escrevendo em minúscula “senhor”, é o dono, o homem rico de v. 1 (na antiguidade até o século IX d.C., porém, não existiam minúsculas, apenas maiúsculas). Não se deve esperar que o dono comente seu prejuízo assim. É o próprio Jesus (portanto deve ser escrito com maiúscula “Senhor”), como se pode verificar em 18,6, onde Jesus também comenta o final de uma parábola! Jesus não elogia a falta de ética deste gerente (qualificado como “desonesto”), mas a determinação dele (cf. 14,28-32: na parábola da torre e da guerra calcula-se os recursos para tomar uma decisão razoável). Deus é o dono da nossa vida que nos é confiada para administração fiel, mas um dia devemos prestar conta dela (cf. a parábola em 19,11-27p, etc.). Diante do juízo que pode chegar de repente, no final da própria vida (cf. 12,20; 16,22) ou no do mundo (17,22-37 etc.), há de reagir com determinação e não se pode ficar parado (cf. a mulher de Ló, 17,32; Gn 19,26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2012) comenta: Esta parábola traz muitas vezes dificuldades, porque parece propor o exemplo de um espertalhão. Mas Jesus não hesita, em outras parábolas, em comparar o julgamento de Deus com o de um juiz sem justiça (18,1-8), tampouco em convidar os seus discípulos a serem hábeis como as serpentes (Mt 10,16); é claro que ele não exorta os seus à justiça ou à malvadez. Na parábola em foco, ele toma a precação de qualificar o “gerente” como “desonesto” (v. 8). Se este serve de exemplo… não o é senão por sua habilidade.

Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz (v. 8b).

Hesita-se as vezes, em fixar o ponto onde terminou a parábola original (8a ou 8b) e onde começam os comentários da comunidade e do evangelista. Depois de v. 8a, seguem-se outras conclusões (vv. 8b-13), acrescentadas posteriormente como tentativas para explicar esta parábola desconcertante e evitar mal-entendidos: Jesus não elogia a corrupção nem uma administração infiel. Em v. 8b chama seus discípulos de “filhos da luz” (iluminados pela fé e pelo batismo; cf. 1Ts 5,5; Ef 5,8) e os convida a serem tão hábeis no serviço do Reino quanto os espertalhões deste mundo em seus negócios escusos. Os “filhos deste mundo” são “mais espertos” nas coisas do mundo, enquanto os discípulos, ou seja, nós como Igreja, ficamos, muitas vezes, parados, sem determinação, sem criatividade, sem inteligência, “insensatos e lentos de coração” (24,25). Na ação evangelizadora, precisamos ser muito mais inteligentes, eficientes e rápidos.

A Bíblia do Peregrino comenta (p. 2510): Os bens nos foram confiados por Deus para os administrarmos. Sobrevém uma situação de emergência, e eles vão acabar. Com esse dinheiro ao qual se prendem tantas injustiças grandes e pequenas, é preciso “fazer amigos” o quanto antes (v. 9); perdoando dívidas, fazendo favores a outros mais necessitados. Conclusão não menos desconcertante: o próprio Deus, o patrão “defraudado”, nos recebe em sua “morada eterna” (v. 9). “Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor” (Pr 19,17). A parábola se quebra no final. Porque há uma “prudência” cristã que é insensatez aos olhos do mundo, mas à luz do evangelho é suprema, prudência paradoxal… No novo reino da luz e segundo seu regime deveriam desdobrar iniciativa e engenho na administração dos bens recebidos. Talento e engenho também são dons recebidos que administramos.

Podemos refletir sobre semelhanças do administrador desonesto com certos políticos de hoje. Infelizmente é prática comum desviar recursos públicos para fins particulares como também, para não perder as eleições, realizar obras e programas sociais e comprar votos por pequenos benefícios durante a campanha. Assim os pobres reelegem o administrador honesto, dizendo: “Rouba, mas faz”. Corrupção e populismo são os males de um sistema político que precisa ser reformado para servir ao bem comum de todos. O papa Francisco fala da diferença entre pecador e corrupto: O pecador se arrepende e pede perdão, sentindo-se fraco e humilde. O corrupto não se arrepende, continua pecar e finge, escandaliza por sua vida dupla (cf. homilia na Casa St.ª Marta, 11/11/2013).

O site da CNBB comenta: Neste trecho do Evangelho, Jesus nos mostra que os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz. Então podemos perguntar: Por que isso acontece? A resposta é muito simples: é porque os negócios em geral são regidos pelos valores do mundo, que são inaceitáveis para quem quer viver na radicalidade os valores do reino de Deus. Os valores que regem a economia são o lucro desenfreado, a exploração, o egoísmo, a dureza de coração, só se pensa em si próprio e nos seus interesses. Essa esperteza não interessa aos que querem viver como filhos e filhas de Deus.

Em seguida, sentenças soltas foram reunidos nos vv. 9-13 com a finalidade de interpretar a parábola como uma lição sobre diversos aspectos do dinheiro. Elas estão ligadas entre si por um jogo de palavras semíticas referindo-se ao “Dinheiro” (“Mammon”: vv. 9.11.13) e ao que é “digno de confiança” (vv. 10.11.12) e “verdadeiro” (v. 11); todos termos a partir da mesma raiz hebraica aman (daí a palavra “Amém”, e outras palavras hebraicas que significam fé, verdade, fidelidade, algo em que se pode confiar, acreditar). Esses vv. estão unidos pela antítese entre o embuste/engano) e a fidelidade/verdade (vv. 10-12).

Nossa liturgia substitui a introdução” (v. 9) pelo costumeiro “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos” (cf. v. 1). Mas a introdução original é típica de Lc e indica que ele mesmo poderia ter inserido as sentenças seguintes.

E eu vos digo, usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas (v. 9).

“Usai o dinheiro”, o vosso, evidentemente. O “dinheiro” em grego se diz Mamon, deus da fortuna. O termo Mammon (como nos vv. 11 e 13) é uma palavra aramaica que não apareceu ainda na Bíblia Hebraica (só na tradução de Eclo 31,8), sim na literatura rabínica entre AT e NT. Como vem da raiz hebraica amen, o substantivo pode ter provindo primitivamente da ideia de um depósito “confiado”: ele designa aqui o Dinheiro, personificado como uma potência que escraviza o mundo.

A expressão “o dinheiro injusto” (lit. o Mamon da iniquidade; cf. Eclo 5,8 “riquezas injustas, enganadoras”) qualifica todo patrimônio como injusto, também o adquirido honestamente? O dinheiro é chamado “da iniquidade” não só porque aquele que o possui o adquiriu mal, mas ainda, de maneira mais geral, porque na origem de muitas fortunas há alguma desonestidade ou exploração violenta. Bill Gates, o fundador da Microsoft e homem mais rico na atualidade, afirma que a metade dos bilionários ganhou sua fortuna com trabalho (sempre honesto?), não como herança.

Ou Lc quer alertar apenas da ilusão do apego ilusório, “quando acabar” (alguns manuscritos trazem: uma vez que tiverdes desaparecido). Ao final, Lc dá ainda um significado positivo do dinheiro motivando para esmolas e partilha (12,33; At 4,32-37).

“A esmola livra da morte e expia o pecado; os que dão esmolas se saciarão de vida” (Tb 12,9). Bill Gates admite que o capitalismo produz desigualdade, mas discerne três grupos de ricos, uns que investem sua fortuna (criando empregos), outros que apoiam projetos humanitários (ele mesmo na luta contra aids) e outros que só gastam com aviões de jato, iates e demais consumo de luxo etc. Só estes últimos deveriam ser tributados mais severamente, segundo ele.

“Vos receberão”; o sujeito impreciso alude aos “amigos” (v. 9) ou cúmplices no v. 4, mas pode-se também entender este plural como um termo impessoal que designa Deus, evitando mencioná-lo (cf. 6,38; 12,20; 16,22). Combina melhor com a hora da morte do que com o juízo final, mas a perspectiva é escatológica (cf. Sf 1,18: “Nem sua prata nem seu ouro poderão salvá-los no dia da cólera do Senhor”).

“Nas moradas eternas”, lit. nas tendas eternas. Esta expressão deve inspirar-se no repertório de imagens da festa das Tendas (ou tabernáculos, cf. Lv 23,42s), que se considerava, então, uma prefiguração da era da salvação (Zc 14,16-21; cf. Mc 9,5; Mc 15,16; Ap 7,15; 21,3). Aqui talvez seja um contraste às “casas” dos cúmplices do administrador (v. 4: “me receberão nas suas casas”; cf. o contraste em 2Cor 5,1). Todo o v. 9 está construído segundo o modelo da parábola no v. 4. Ele é um convite a “acumular tesouros no céu” (cf. 12,16-21; 12,33; 18,22) por meio da “esmola” (tema caro a Lc, próprio em 11,41; 12,33; 16,9; At 9,36; 10,2.4.31; 11,29; 24,17 e em paralelo com Mc e Mt, em 6,30; 18,22; 21,1-4).

Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes. Por isso, se vós não sois fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? (vv. 10-11).

Seguem-se algumas sentenças aparentadas com o tema (cf. as parábolas parecidas das minas em Lc 19,17-26 e dos talentos em Mt 25,14-30). “O que se requer do administrador é que seja fiel” (1Cor 4,2). O primeiro aforismo é geral: o “pouco” (pequenas coisas) e o “muito” (grandes) admitem muitas identificações. No contexto presente, o pouco são os bens deste mundo, o muito são os bens do céu ou do reino de Deus, o “verdadeiro bem” (cf. 11,13: o Espirito Santo; cf. a palavra da verdade em 2Tm 2,15; Tg 1,18). A quem é infiel na administração dos bens da Igreja, muito menos pode se confiar a verdade cristã (12,42; 1Pd 4,10).

“Fiel” ou: digno de confiança. “Injusto” ou: desonesto (v. 8)

E se não sois fiéis no que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso? (v. 12).

Mais difícil é a segunda sentença. “No que é dos outros”, quer dizer, de um bem alheio, exterior ao homem: a riqueza que fica fora e passa. “Aquilo que é vosso” (variação de texto: “nosso”), são os próprios bens que Deus entrega ao fiel, os bens espirituais que podem pertencer ao homem. Trata-se do bem do Reino (e provavelmente, na variante, do bem da Igreja). Os bens de dentro orientam e regulam o uso é aplicado do primeiro. Nos vv. 10-12, o dinheiro é, portanto, o teste de fidelidade dos discípulos.

Ninguém pode servir a dois senhores. Porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (vv. 13).

Esta sentença é da fonte Q (coleção de palavras que Lc tem em comum com Mt, cf. Mt 6,24). A Tradução Ecumênica das Bíblia (p. 2013) comenta: Aqui, “servir” tem o sentido cultual, corrente na Bíblia. Em face de Deus, o Dinheiro é um falso deus. Segundo este v. o dinheiro é, portanto, um perigo muito mais grave do que nos vv. precedentes: pode-se fazer dele um ídolo.

A terceira sentença é aplicação do primeiro mandamento: o Deus verdadeiro não admite rivais. A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: “Mamon”, deus das riquezas, quer ser servido como rival ou competidor de Deus (cf. Is 65,11). O dinheiro é para ser administrado como meio de fazer o bem, não como sujeição a ele (Mt 6,24). “Quem ama o dinheiro será por ele extraviado … Feliz o homem que se conserva íntegro e não se perverte com a riqueza” (Eclo 31,5.8).

O site da CNBB comenta: Devemos usar do dinheiro da injustiça para conquistar os bens eternos. De fato, o dinheiro é sempre uma realidade injusta, independentemente da forma como foi conquistado, porque vai sempre significar separação, apossamento, divisões e condições de vida diferentes, gerando oportunidades diferentes e privilégios, além de uma concorrência sempre injusta com os nossos irmãos e irmãs. Por isso, Jesus diz que ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro. Usar do dinheiro da injustiça para conquistar os bens eternos significa usar de tudo o que o dinheiro nos concede, tanto em termos de bens materiais como pessoais, como por exemplo a formação profissional, para a construção do Reino e a promoção da dignidade de todos.  

 

Voltar