19 de Julho de 2020, 16º Domingo do Tempo Comum: Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem” (v. 37).

16º Domingo do Tempo Comum 

1ª Leitura: Sb 12,13.16-19

A 1ª leitura foi escolhida em vista do evangelho de hoje que fala da justiça divina frente ao mal que se espalha junto do bem (a parábola do joio e do trigo). O livro de Sabedoria atribui sua autoria a Salomão (caps. 7-9), mas na verdade foi escrito em grego na cidade de Alexandria no Egito entre de 50 e 30 a.C.. Nesta cidade viviam 200.000 judeus, na maioria pobres e escravos. Era polo de muitos migrantes e considerada um segundo Canaã, com sua cultura grega e administração romana. Os destinatários de Sb são os governantes para que ajam sempre com justiça, e também os intelectuais gregos, para conhecerem melhor a sabedoria de Israel, por fim os jovens judeus que precisavam de uma exortação para manter-se firme nas suas tradições frente a cultura globalizada do helenismo (cultura grega por todo Oriente Médio).

Depois de um convite para justiça (1,1-6,21) e um louvor à sabedoria (6,22-90,18), o autor relembra a ação sábia de Deus na história de Israel, o êxodo do Egito no tempo de Moisés e a conquista de Canãa por Josué. Explica a moderação divina para com Egito (11,15-20) e com Canaã (12,3-11a) e as razões desta moderação (11,21-12,2; 12,11b-18). Assim os castigos (pragas) não são vingança, mas corretivos para quem se desviou do bom caminho (idolatria). Deus não quer a morte, mas que o injusto mude de conduta e aprenda que só Deus é o Senhor, o “amigo da vida” (11,26).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 847) comenta os vv. 3-18: Como justificar a morte dos cananeus causada pela conquista de Israel, narrada nos livros de Josué? Se Deus ama todas as criaturas (11,23-26), como pode exterminar nações inteiras? A justificava é atribuir a culpa aos ritos cananeus, o que serve de advertência aos judeus que simpatizam com os rituais nativos no Egito.

Podemos compara-se esse capítulo especialmente com 6,1-11 (convite aos governantes de agir com retidão porque serão submetidos a um julgamento insubornável de Deus).

Não há, além de ti, outro Deus que cuide de todas as coisas e a quem devas mostrar que teu julgamento não foi injusto (v. 13).

O monoteísmo exclusivo é base desde o exílio babilônico onde o Segundo (Deutero-) Isaías repetiu muitas vezes: “Não há, além de ti, outro Deus” (Is 43,11; 44,6.8; 45,5.14.21; 46,9 …).

A Bíblia do Peregrino (p. 1552) comenta o contexto do capítulo (12,3-22): Esses versículos colecionam grande número de palavras da raiz “just” – (dik-) e da raiz “julg” – (krin-). A esses devem-se acrescentar outros verbos do mesmo sentido … O discurso é paradoxal, pois o autor diz que Deus não precisa de justificação. Deus castiga porque o homem merece (vv. 4-6). Deus perdoa porque é dono de tudo (v. 16), porque compreende o homem (v. 8a), porque é livre e não vítima da paixão (v. 18), para ensinar o homem (vv. 19.22), para animá-lo e dar-lhe esperança (vv. 21-22).

A tua força é princípio da tua justiça, e o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente (v. 16).

A Bíblia do Peregrino (p. 1554) comenta: A frase é muito densa e admite várias leituras: princípio criador da ordem da justiça; princípio da instauração e execução de uma ordem histórica de justiça.

Os ímpios (judeus renegados, cínicos e gozadores ou pagãos materialistas) proclamaram a lei do mais forte em 2,11: “Que nossa força seja a lei da justiça, pois o fraco, com certeza é inútil”. Mas em Deus, a força não substitui a justiça, ao contrário, além da justiça pode se dar o luxo de ser indulgente e praticar a clemência e misericórdia: “Te compadeces de todos porque tudo podes” (11,23; foi lembrado no Ano da Misericórdia). Perdoar não se opõe ao poder nem à justiça.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1224) comenta: Porque possui a plenitude da força e não tem razão alguma para dela abusar (cf., ao contrário, 2,11), Deus exerce sua justiça com uma total imparcialidade e liberdade; seu domínio soberano sobre todos os seres igualmente o autoriza e o convida a usar de clemência para com todos.

Mostras a tua força a quem não crê na perfeição do teu poder; e nos que te conhecem, castigas o seu atrevimento (v. 17).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1699) traduz: “Demonstra sua força aquele cujo poder absoluto é posto em dúvida; ele confunde a arrogância dos que reconhecem esse poder”, e comenta: O texto não é claro. De acordo com alguns mss., nós lemos o verbo na terceira pessoa em lugar da segunda. O autor parece opor o comportamento de um soberano inseguro de seu poder ao de Deus, senhor da própria força (cf. v. 16 e 18).

No entanto, dominando tua própria força, julgas com clemência e nos governas com grande consideração: pois quando quiseres, está ao teu alcance fazer uso do teu poder (v. 18).

Como Deus é o senhor de todos os poderes da natureza e dos homens, só ele próprio domina seu poder e pode moderá-lo e governá-lo com consideração. Como ele é o único Deus, ninguém o tira do poder. Não é como uma autoridade insegura que tenta assegurar seu poder pelo uso excessivo de força e violência. Às vezes, Júlio César, que conquistou Egito para Roma em 47 a.C., mostrava “clemência” poupando seus inimigos vencidos e tinha os antigos adversários como seus clientes.

“Julgas com clemência e nos governas”; a Bíblia de Jerusalém (p. 1224) comenta: Ou o autor se identifica com todos os homens, ou já acena (cf. vv. 21-22) a ideia de um tratamento especial reservado aos israelitas.

Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano; e a teus filhos deste a confortadora esperança de que concedes o perdão aos pecadores (v. 19).

“O justo deve ser humano”, a Bíblia de Jerusalém traduz “amigo dos homens” e comenta (p. 1224: Essa atitude corresponde ao universalismo de fundo dos escritos de sabedoria e encontrará uma expressão nova no NT (cf. Mt 5,43-48).

Pode-se falar de um ideal “humanista”, à exemplo da Sabedoria: “A sabedoria é um espírito amigo dos homens” (1,6; cf. 7,21-23), e passa para o tema da “esperança” para os israelitas porque Deus se comprometeu com seu povo pela promessa e com juramento (vv. 20-22; cf. Gn 12,1-7; 22,15-18).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 847) comenta os vv. 19-27: O sábio exorta os compatriotas a serem a serem misericordiosos, como Deus é misericordioso (cf. Mt 5,7; 7,12), e aprenderam a maneira como o próprio Deus julga. Se ele dá aos injustos oportunidade para se converterem da própria maldade, igualmente a concede aos justos quando erram.

2ª Leitura: Rm 8,26-27

Continuamos no capítulo central da carta aos Romanos sobre a vida no/pelo Espírito; ouvimos hoje sobre a intercessão do Espírito em nosso íntimo e em favor de nossa fraqueza e de seus eleitos, os santos (cristãos).

(Irmãos): Também, o Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis. E aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito. Pois é sempre segundo Deus que o Espírito intercede em favor dos santos (vv. 26-27).

“Também”, lit. desse modo; a semelhança recai sobre os “gemidos” da criação (v. 22), do cristão (v. 23) e agora do Espírito (v. 26; cf. 8,15; Gl 4,6; 1Cor 2,10-13).

A Bíblia do Peregrino (p. 2721) apresenta duas possibilidades: Segundo uma interpretação, nós não conseguimos (como crianças) articular devidamente nossos desejos e necessidades, e o Espírito se encarrega de formulá-los; como o Espírito é dinamismo de ação, também é dinamismo de oração. Segundo outra interpretação, o Espírito acrescenta sua intercessão “inefável” a nossas súplicas. Em ambas as interpretações, o Espírito age como mediador eficaz.

Na primeira interpretação o Espírito parece mais interior ao homem, na segunda aparece fora, “intercede”. Poderíamos distinguir entre intérprete e intercessor. Aquele que “penetra (sonda) o íntimo” é Deus (Jr 11,10; Pr 15,11).

“O Espírito intercede em favor dos santos”; aqui, os “santos” aqui são os que foram justificados pela fé e consagrados por Cristo, os cristãos (cf. 1,4.7; 1Cor 1,2 etc.).

Na revista Vida Pastoral (2017) Aíla L. Pinheiro Andrade comenta:

A santificação é realizada ao longo de nossa existência numa configuração de nossa vida ao modo como Cristo viveu, ou seja, fazendo a vontade de Deus. Mas é difícil ajustarmo-nos à vontade divina; em muitos momentos da vida, nem mesmo a sabemos discernir. Não sabemos sequer o que pedir a Deus, e muitas vezes, sem saber, insistimos com ele para que nos conceda algo que poderá ser prejudicial a nós ou aos outros. Somos como bebês que tentam se comunicar sem ainda poder articular palavras compreensíveis, que fazem sons sem sentido como reação às palavras, olhares e carinhos dos adultos. O Espírito Santo, em nós, faz a mediação, transmitindo ao Pai o que não conseguimos expressar devido à nossa pequenez, à nossa fragilidade.

No domingo passado, Paulo havia afirmado que a criação inteira geme. Na leitura de hoje, afirma que os cristãos gemem e que também o Espírito Santo geme. Isso significa que os cristãos são tão frágeis quanto o restante da criação. O Espírito se faz solidário a nós, não tira a nossa fraqueza, mas nos ajuda em nossa debilidade. Sem a ajuda do Espírito Santo, não saberíamos sequer o que dizer a Deus em nossas orações. 

A Bíblia de Jerusalém (p. 2133) comenta sobra a oração nas cartas de Paulo:

A exemplo de Jesus (Mt 6,5; 14,3) e conforme o costume dos primeiros cristãos (At 2,42), Paulo recomenda frequentemente orar sem cessar (Rm 12,12; Ef 6,18; Fl 4,6; Cl 4,2; 1Ts 5,17; 1Tm 2,8; 5,5; cf. 1Cor 7,5). Ele mesmo reza sem descanso pelos seus fiéis (Ef 1,16; Fl 1,4; Cl 1,3.9; 1Ts1,2; 3,10; 2Ts 1,11; Fm 4), como por sua vez lhes pede que rezem por ele (Rm 15,30; 2Cor 1,11; Ef 6,19; Fl 1,19; Cl 4,3; 1Ts 5,25; 2Ts 3,1; Fm 22; Hb 13,18) e uns pelos outros (2Cor 9,14; Ef 6,18); a respeito da oração pelos irmãos pecadores e doentes, cf. 1Jo 5,16; Tg 5,13-16. Além das graças de progresso espiritual, estas orações pedem o afastamento dos obstáculos exteriores (1Ts 2,18 e 3,10; Rm 1,10) e interiores (2Cor 12,8-9), assim como o bem social (1Tm 2,1-2). Paulo insiste muito na oração de ação de graças (2Cor 1,11; Ef 5,4; Fl 4,6; Cl 2,7; 4,2; 1Ts 5,18; 1Tm 2,1), que deve acompanhar toda ação (Ef 5,20; Cl 3,17), em particular as refeições (Rm 14,6; 1Cor 10,31; 1Tm 4,3-5); ele mesmo inicia por ela todas as suas cartas (Rm 1,8; etc.) e quer que ela penetre nas relações dos cristãos entre si (1Cor 14,17; 2Cor 1,11; 4,15; 9,11-12). A oração eucarística e de louvor é a alma das assembleias litúrgicas (1Cor 11-14), onde os irmãos se edificam mutuamente por cânticos inspirados (Ef 5,19; Cl 3,16). Porque a oração cristã tem sua fonte no Espírito Santo: em vez de ater-se aos temas sapienciais tradicionais sobre as condições e a eficácia da oração (Tg 1,5-8; 4,2-3; 5,16-18; 1Jo 3,22; 5,14-16), Paulo lhe garante a eficácia da oração pela presença do Espírito de Cristo no cristão, que o faz orar como filho (Rm 8,15.26-27; Gl 4,6; cf. Ef 6,18; Jd 20), enquanto que o próprio Cristo, à direita de Deus, intercede por nós (Rm 8,34; cf. Hb 7,25; 1Jo 2,1). Também o Pai atende com superabundância (Ef 3,20). Os cristãos são aqueles que invocam o nome de Jesus Cristo (1Cor 1,2; cf. Rm 10,9-13; 2Tm 2,22; Tg 2,7; At 2,21; 9,14.21; 22,16). Com relação à atitude exterior na oração, cf. 1Cor 11, 4-16; 1Tm 2,8.

Evangelho: Mt 13,24-43

No domingo passado entramos no terceiro discurso do evangelho de Mt e ouvimos a parábola do semeador cujos sementes caem em vários tipos de terra. Depois da pergunta sobre o porquê das parábolas ouvimos também a explicação daquela parábola. Tudo isso, Mt copiou do evangelho mais velho de Mc. Em seguida, o evangelista Mt apresenta uma parábola própria, a do joio no meio do trigo, e com procedimento igual dá uma interpretação à parte e só cinco versículos depois. No meio, nestes cinco versículos entre a parábola e sua explicação, apresenta duas pequenas parábolas, a da semente da mostarda e a do fermento que a mulher mistura na massa, e uma palavra de um profeta do Antigo Testamento (AT); Mt gosta destas referências ao AT para convencer seus leitores judeu-cristãos.

A parábola do joio só se encontra no evangelho de Mt e fica no lugar onde em Mc 4,26-30 havia uma parábola de um agricultor que planta e depois vai dormir aguardando o amadurecimento da semente. Para Mc foi um exemplo de confiança e paciência, mas Mt e Lc não a copiaram, talvez por sua ambiguidade: O cristão não se deve acomodar e dormir (cf. Mc 13,36; 1Ts 5,6), mas vigiar (Mt 24,42; 25,13; cf. 26,38.40), porque “seu adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir” (1Pd 5,8). Lc omite a parábola de Mc, Mt a substitui por outra que também recomenda a paciência.

(Naquele tempo:) Jesus contou outra parábola (à multidão): (v. 24a)

Nos vv. anteriores, Jesus estava falando a seus discípulos (cf. v. 10), mas parece que a multidão não se afastou, por isso nossa liturgia acrescentou “à multidão” mencionada como ouvinte pelo próprio Mt no v. 34. Igual à primeira parábola da semente (do semeador, vv. 1-9.18-23), oferece uma explicação à parte (vv. 36-43), apenas para os discípulos, “deixando as multidões” (v. 36).

“O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora (vv. 24b-25).

Na primeira parábola, não se definiu qual semente foi semeada, pelo fruto podia ser o trigo (milho ou soja não eram conhecidos na época). Aqui se define: a “boa semente” e o “trigo”. O joio, que se encontrava no Antigo Oriente todo, era considerado uma aberração ou forma enfeitiçada do trigo. Seu veneno vem de um fungo.

Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’ (vv. 26-28a).

Aparecem os empregados que não são os mesmos que farão a colheita depois (v. 30). Muita coisa nesta parábola não corresponde à prática comum da agricultura, mas os ouvintes já estão sensibilizados em reconhecer metáforas (cf. 22,28-43: dono – Deus; dar frutos – boas obras; cf. v. 39: inimigo – diabo; cf. 1Pd 5,8; colheita – juízo final, cf. 9,36-38; ceifadores – anjos).

Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ O dono respondeu: ‘Não! Pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!’” (vv. 28b-30)

A pergunta dos empregados corresponde à prática comum: arrancar primeiro a erva daninha, depois colher o trigo e guardar no celeiro, e só no final queimar o joio que ainda sobrou no campo. Mas a resposta é contrária: “Deixai crescer um e outro até a colheita!”

Israel comparava a si mesmo como trigo e os pagãos como joio. Para Mt, a interpretação tem que ser outra, porque o messias (Cristo) já veio. Então, por que o Reino ainda não se instalou definitivamente? Resposta de Jesus: Isso não se deve à imperfeição natural dos homens, mas a uma sabotagem premeditada, feita por aquele que quer usurpar a autoridade de Deus no mundo. Não cabe aos homens fazer a separação entre bons e maus, pois só Deus pode fazer o julgamento (cf. 7,1-5). Para a comunidade cristã talvez o joio seja a parte de Israel que rejeita o messias Jesus, para Mt pode ser uma parte dentro da própria comunidade cristã. A explicação nos vv. 36-43 trará mais clareza.

O site da CNBB comenta (referindo-se a Rm 7,14-25): A contradição faz parte da vida de todos nós porque, se por um lado temos a presença da graça em nossas vidas e o chamado à santidade, por outro conhecemos a realidade do pecado como consequência da tendência para o mal, que é a concupiscência, que ficou na natureza humana como uma marca deixada pelo pecado original. Isso significa que a parábola do trigo e do joio nos mostra não apenas a realidade do mundo em que vivemos e as suas contradições, mas também a nossa própria vida, na qual sempre vemos o bem que queremos e algumas vezes praticamos o mal que não queremos. Isso não significa que é legítimo ceder ao joio que marca a nossa vida, mas que devemos estar sempre atentos a ele para não cairmos em tentação.

Em seguida, antes da explicação da parábola do joio (vv. 36-43), Mt apresenta duas parábolas pequenas e uma primeira conclusão do discurso das parábolas. Na primeira parábola (vv. 31-32) intervêm um homem, na segunda uma mulher (v. 33). Como o grão de mostarda e o fermento, o Reino tem um começo modesto, mas um grande desenvolvimento. Não há explicação como nas parábolas anteriores, por isso as interpretações das parábolas divergem mais, referindo-se a Cristo, à Igreja, ao cosmo e ao indivíduo. A novidade de Jesus é: Não se inaugura o Reino de Deus num grande evento apocalíptico (cf. Mt 24-25), mas num pequeno começo, o Reino já está perto e no meio de nós (cf. Mc 1,15p; Lc 17,20s), na pessoa de Jesus Cristo e no cotidiano da vida cristã.

Jesus contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos” (vv. 31-32).

Mt encontrou a parábola da mostrada já em Mc 4,30-32. As concordâncias com Lc 13,18s contra a versão mais antiga de Mc são significativas: “um homem”, “árvore”, “abrigam em seus ramos”, e a segunda parábola (do fermento) falta em Mc. Pode-se pensar em duas possibilidades: Ou havia uma segunda edição de Mc (Deutero-Marcos) com estas modificações, ou havia outra versão da mesma parábola em Q (a coleção perdida de palavras de Jesus que Mt e Lc usam além de Mc). A última tese é mais provável, porque Lc colocou esta parábola junto com a do fermento em outro lugar (Lc 13,18-21), fora do discurso das parábolas (Lc 8,4-18p).

Como as parábolas anteriores, também essa parábola de imagem vegetal descreve o dinamismo da mensagem evangélica. O crescimento só vem mencionado num inciso (“quando cresce”, v. 32). O grão de mostarda tem um tamanho menor que um milímetro, mas a planta madura pode alcançar uma altura de quatro metros nas hortas da Galileia, “estende ramos tão grandes que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra” (Mc 4,32b; cf. Ez 17,23). Nos livros proféticos, Isaías comparou Israel com uma videira (Is 5; cf. Jo 15); Ezequiel com uma árvore replantada (Ez 17); Daniel comparou o reino de Nabucodonosor com uma “árvore… em cujos ramos se aninhavam as aves do céu” (Dn 4,18). O termo “Reino de Deus” (maior daquele de Nabucodonosor) aparece neste contexto (cf. Dn 2,44; 4,14.31; 7,13-14). Os pássaros voando nas hortaliças alargam o alcance da imagem inicial e sugerem a entrada de muitos povos no Reino. À diferença de Lc 13,19, Mt não afirma, mas pressupõe a expectativa comum de Israel que o fim será esplêndido, mesmo para as nações, quando vier o Senhor.

A expressão “pequeno como um grão de mostarda” tornou se provérbio. A mensagem da parábola é que o Reino terá sucesso, embora ainda possa parecer pequeno. Sua lição é uma visão de fé: reconhecer, através dos modestos inícios de Jesus – muito mais modestos que os de outras figuras no passado de Israel – o esplendor do fim.

Sem confundir o Reino de Deus com a Igreja, podemos afirmar que o começo modesto e o crescimento enorme já se verificaram de certo modo: Um casal estéril (Abraão e Sara) se torna ancestral de um povo numeroso; escravos fugitivos do Egito (Moisés) e pastores das montanhas (Davi), aos poucos formam a nação de Israel. Lá, um menino pobre em Belém está no início de um movimento que evolui para todos os cantos do mundo: de doze apóstolos na periferia do Império Romano para uma organização internacional (Igreja Católica) que hoje some mais de um bilhão de pessoas e junto com outros “ramos” (Igrejas ortodoxos e protestantes) tem como membros um terço da população do planeta (dois bilhões de cristãos).

Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado” (v. 33).

Esta parábola é uma variante doméstica da anterior. Ao contraste ensinado pelo grão de mostarda, acrescenta-se a mistura do levedo e a transformação da massa. Não conta só a quantidade de matéria, mas a energia no processo e a paciência exigida pelo tempo intermediário.

Também essa imagem se tornou proverbial: “o fermento na massa”. A imagem sugere o ocultamento de uma minoria na massa e o contraste entre tamanho e eficácia. Como o grão de mostarda é também o fermento, o Reino de Deus tem um começo modesto, mas um grande desenvolvimento. A imagem do fermento pode ser usada para designar um desenvolvimento bom, como aqui, ou ruim também, como num desvio de comportamento ou doutrina descritos por Paulo: “Um pouco de fermento leveda toda a massa” (1Cor 5,6; Gl 5,9, cf. Mt 15,6.11p).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1203) comenta: Esta parábola trata do incômodo que a presença do Reino produz na sociedade marcada por critérios e práticas que discriminam e marginalizam as pessoas. Para compreender o impacto da chegada do Reino, é preciso olhar não para o pão, mas para a maneira como ele é feito pela ação da mulher, e para os efeitos do fermento, algo malcheiroso que inclusive era tido como símbolo de corrupção.

O termo “fermento” foi usado pelo Concílio Vaticano II (LG 31) para caracterizar a missão própria dos leigos e leigas no meio da sociedade: Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo” (vv. 34-35).

O v. 34 era o final do discurso de parábolas em Marcos (Mc 4,33s). Mt, porém, acrescenta uma citação bíblica (v. 35), conforme seu costume. Em seguida, apresenta a explicação do joio e mais duas parábolas, dirigidas apenas aos discípulos, não mais às multidões (vv. 36-53).

Diferindo do primeiro motivo dado às parábolas (13,10-15, copiado de Mc 4, e ampliado por Mt), a segunda explicação, própria de Mt, se relaciona com a maneira necessária da revelação dos mistérios divinos.

Mt chama de “profeta” o salmista (Sl 78,2), inaugurando uma tradição interpretativa que os Santos Padres repetirão. Unido a 11,13, ele considera grande parte do AT como profecia: lei, profetas, salmos. Em vez de “criação” pode se traduzir “fundação”; portanto, vários documentos omitem: “do mundo”. É citação de um salmo que repassa teologicamente a história de Israel desde o êxodo até Davi. A aplicação parte de Jesus e visa ao futuro.

As parábolas permitem às pessoas que as escutam, desenvolver a compreensão sobre as realidades da vida cotidiana e perceber de que forma o Reino anunciado e realizado por Jesus convoca para a ação e transformação, em vista da justiça de Deus.

O site da CNBB comenta (referindo-se a Mt 5,48; Ef 4,12; Cl 3,14; 1Jo 4,16): A nossa vida de fé é um processo de maturação espiritual que encontra seu início nas águas do Batismo e deve crescer durante toda nossa vida apesar de todas as dificuldades que marcam a existência humana. Este crescimento deve acontecer constantemente. Deve ser uma busca cada vez maior da perfeição, conforme nos diz o próprio Jesus: “Sede perfeitos como vosso Pai que está nos céus é perfeito”. O modelo para nós de perfeição é o próprio Jesus, e é por isso que São Paulo nos exorta ao crescimento até atingirmos a estatura de Cristo. O amor nos leva ao crescimento, já que a caridade é o vínculo da perfeição e quem ama permanece em Deus.

Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!” (v. 36).

O evangelista volta à parábola do joio e do trigo (vv. 24-30) que será explicada a parte, só aos discípulos (como a primeira, cf. vv. 18-23). Muda o local da beira do lago para a “casa” que deixaram em 13,1. Eles querem entender (cf. vv. 23.51) e entenderão, não através de uma revelação sobrenatural, mas pela aprendizagem na “escola” de Jesus (escola de palavra e vida), “único mestre” (23,8).

Segue-se uma lista de significados nesta alegoria (alegoria é uma parábola em que cada item tem significado, não apenas o final, a moral da historinha).

Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem” (v. 37).

O “Filho do homem” (cf. 8,12; 12,8.31.40; …) não é apenas aquele que vem julgar o mundo no final dos tempos (cf. 16,27s; 19,28; 24,30.39.44; 25,31; 26,64; cf. Dn 7,13s), mas o mesmo Jesus que semeia a palavra já agora (vv. 4.18) e controla a colheita e a história toda (vv. 40-43).

O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifadores são os anjos (vv. 38-39).

Nota-se que o “campo” não é a Igreja, mas o “mundo”. Os discípulos são “sal e luz do mundo” (5,13-16), enviados ao mundo todo (28,19).

A “boa semente” não é a Palavra como na primeira parábola do semeador (13,19; Mc 4,14), mas os “filhos do Reino” (a liturgia traduz: os que pertencem ao Reino). Estes eram os israelitas em 8,12, mas aqui está aberto quem são; no evangelho inteiro, Mt conta como os pagãos que trazem frutos se tornam filhos do Reino no lugar dos israelitas (cf. 21,43).

Os “filhos do mal” (os que pertencem ao Maligno) podem ser “do Maligno” (v. 19) ou do reino “do mal” (em paralelo aos filhos do Reino). O inimigo é o “diabo” (cf. 1Pd 5,8), que, igual a Jesus, já atua no tempo presente, semeando o joio. A “colheita” como fim do mundo e os anjos do juízo como ceifadores eram metáforas comuns no judaísmo.

Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: (v. 40)

A prática comum da agricultura era arrancar primeiro a erva daninha (joio) e depois colher o trigo e guarda-lo no celeiro. No final queima-se o joio que ainda sobrou no campo. Mas a resposta da parábola narrada em v. 30 foi contrária, porque o dono respondeu aos empregados: “Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo. Deixem crescer um e outro até a colheita. E no tempo da colheita direi aos ceifadores: arranquem primeiro o joio, e o amarrem em feixes para ser queimado. Depois recolham o trigo no meu celeiro!” (vv. 28b-30). Esta sequência diferente da agricultura corresponde ao esquema apocalíptico onde os maus são castigados primeiro e os bons salvos (cf. Ap 20-22). Para Mt, o foco aqui é o juízo que ele apresenta como pequeno apocalipse destacando o destino do mal (conforma o título da parábola, v. 36).

O Filho do Homem enviará os seus anjos e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; e depois os lançarão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes (vv. 41-42).

O Filho do homem enviará seus anjos (como em 24,31) e eles retirarão “todos os que fazem outros a pecar e os que praticam o mal”, lit.: “todos os (que provocam) escândalos e praticam a iniquidade” (cf. 7,23; 18,6s), ou seja, os que não praticam a lei que culmina no amor (22,34-40). A “fornalha de fogo” expressa o juízo (cf. Dn 3,6-22; 25,41; Jr 29,22; Dt 3,6). João Batista havia anunciado que “alguém que vem depois de mim … vai recolher seu trigo no celeiro e queimará a palha num fogo inextinguível” (3,11s). Mt costuma falar de “chorar e ranger os dentes” para expressar as dores dos condenados (cf. 8,12; 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30).

Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai (v. 43a).

O reino do Filho do Homem está atuando neste mundo (no campo) através da evangelização (semente boa) pelos apóstolos (a igreja no mundo; cf. 28,18-20). Quando o mal for destruído, o reino do Filho transforma-se no “Reino do seu Pai” (cf. 25,34; 1Cor 15,24-28). Os justos, discípulos que praticam os mandamentos de Jesus, são agora “luz do mundo” (5,14) e “brilharão” no céu para sempre (cf. Dn 12,3; Eclo 43,4; 50,7; Bar 6,66; Mt 17,2).

Jesus instaurou o Reino dentro da história, e esta é feita pela ação de bons e maus. A vinda do Reino, porém, entra em luta contra o espírito do mal, e conduz os justos à vitória final. A história é tensão contínua voltada para a manifestação gloriosa do Reino.

“Quem tem ouvidos, ouça” (v. 43 b).

Com um chamado de atenção (cf. v. 9), Jesus conclui. O que acabou de explicar, influencia diretamente na vida dos discípulos.

 O site da CNBB comenta: Jesus contou a parábola do trigo e do joio para toda a multidão, mas depois, os discípulos o procuram para uma maior compreensão da parábola. Assim, existem aquelas pessoas que apenas ouvem o que Jesus tem a dizer e se dão por satisfeitas, porém, existem aquelas pessoas que querem sabem mais, querem aprofundar a fé. Existem as pessoas que não valorizam plenamente a fé, então aprendem o mínimo e se dão por satisfeitas. Para quem quer verdadeiramente ser discípulo de Jesus, sempre há oportunidade para ir além no conhecimento das verdades da fé com a finalidade de agir melhor segundo os critérios do Evangelho.

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