19 de Junho 2019, Quarta-feira: Ao contrário, quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa (vv. 5-6).

11ª Semana Comum

Leitura: 2Cor 9,6-11

Na leitura de hoje, Paulo voltou ao tema da coleta pelos pobres de Jerusalém, como se nada tivesse sido falado no capítulo anterior (leitura de ontem). Na opinião de alguns peritos, Paulo escreveu também um bilhete dirigido às igrejas da região de Corinto. É possível que 2Cor 9 seja esse bilhete, colocado aqui por tratar o mesmo assunto do cap. 8.

Paulo quer estimular sem forçar, acumula argumentos e os repete. Com toda exposição recompõe o grande círculo do dar: Deus é o “doador”, por excelência: dá o bom desejo (cf. Ex 35,29; 36,3-7) e os meios de onde dar; no Antigo Testamento (AT), a terra é o dom primário de Deus. O ser humano que possui dá ao necessitado (Dt 15,1-11; Sl 112; Eclo 14,3-6). Os que dão e os que recebem dão graças a Deus.

”Quem semeia pouco colherá também pouco e quem semeia com largueza colherá também com largueza”. Dê cada um conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento; pois Deus “ama quem dá com alegria” (vv. 6-7).

Paulo cita livremente do AT, segundo a versão grega de alguns provérbios. Os textos no original hebraico dizem: “Há quem presenteia e aumente seus bens; há quem retêm o que deve e empobrece” (Pr 11,24); “quem se compadece do pobre empresta ao Senhor” (19,17); “quem semeia maldade colhe desgraça” (22,8). Não só inculca o dar, mas ainda o espírito com o qual se dá (cf. Eclo 18,5-18), “sem pesar nem constrangimento”, mas “com alegria”.

Deus é poderoso para vos cumular de toda sorte de graças, para que, em tudo, tenhais sempre o necessário e ainda tenhais de sobra para toda obra boa, como está escrito: “Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” (vv. 8-9).

Na instrução sobre a remissão de dividas (Dt 15,1-11) há uma promessa para a generosidade em cumprir a lei: “Dá-lhe, e não de má vontade, pois por esta ação o Senhor teu Deus abençoará todas as tuas obras e todos os teus empreendimentos”. Paulo cita aqui Sl 112,9. Esse Sl aplica ao homem qualidades que o salmo precedente atribui a Deus.

Aquele que dá a semente ao semeador e lhe dará o pão como alimento, ele mesmo multiplicará as vossas sementes e aumentará os frutos da vossa justiça (v. 10).

Aqui, Paulo recorda o final da mensagem do Segundo Isaias aos exilados, que exprime em imagem agrária a fecundidade da palavra de Deus (Is 55,10). A generosidade humana participa de fecundidade semelhante.

Assim, ficareis enriquecidos em tudo e podereis praticar toda espécie de liberalidade, que, através de nós, resultará em ação de graças a Deus (v. 11).

A palavra grega para “ação de graças” é eucaristia. Paulo já está pensando numa parte da liturgia da “fração do pão” como foi chamada a missa primeiramente (cf. Lc 24,30.35; At 2,42.46; 20,7.11)? “Quanto à coleta em favor dos santos, … no primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de lado o que conseguir poupar; deste modo não se esperará a minha chegada para se fazerem coletas” (1Cor 16,1-2). Ao chamar os pobres de Jerusalém de “santos”, “consagrados” (v. 1; cf. 8,4; Rm 15,25s), eleva este assunto a um plano superior; também a tarefa fica consagrada.

Toda essa preocupação pela coleta em favor dos necessitados da comunidade de Jerusalém demonstra que, desde o início, o econômico também fazia parte do testemunho cristão. A partilha e a solidariedade em favor dos mais pobres não se manifestavam somente na própria comunidade, mas eram sinal de unidade entre as diversas comunidades. Esse intercâmbio material não era questão periférica da fé, mas autêntico veículo de comunicação do “dom (graça) extraordinário” de Deus (v. 15) e “obediência ao Evangelho de Cristo” (v. 13). Esta partilha entre as comunidades, depois entre paróquias, dioceses, igrejas nacionais e continentais trouxe frutos abundantes que se transformam em “ação de graças” para quem doa e para quem recebe.

 

Evangelho: Mt 6,1-6.16-18

O texto do evangelho de hoje é lido também na Quarta-Feira de Cinzas como início da Quaresma. Situa-se no meio do sermão da montanha, no qual o evangelista Mateus compôs palavras de Jesus de maneira bem sistemática. No centro deste sermão está inserida a oração que Jesus nos ensinou – o “Pai Nosso” (vv. 7-15) – que é omitida na liturgia de hoje, mas será lida amanhã. Ao redor da recomendação sobre a maneira de “orar” (vv. 5-6) estão agrupadas outras: uma antes (sobre “dar esmolas”, vv. 2-4) e outra depois (sobre “jejuar”, vv. 16-18). Rezar, jejuar e dar esmolas são três exercícios espirituais que se praticam no judaísmo e em muitas outras religiões. Mateus era judeu que se converteu ao cristianismo; ele nos apresenta o contraste entre a conduta dos “hipócritas nas sinagogas” e a de um verdadeiro cristão (“Tu, porém, …”). Entre os judeus, “hipócrita”, não é apenas um homem de piedade fingida e exibicionista, mas também de caráter pervertido e mau, o ímpio.

Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus (v. 1).

A conduta correta é chamada de “justiça”, desde o início do sermão (5,6.10.20). O princípio geral “de não praticar a vossa justiça na frente dos homens” parece contrariar a norma de 5,16: “Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante do homem, para que vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus. ” Mas aquela norma fala de consequência e não de finalidade ou intenção destes três exercícios, e o resultado é o louvor a Deus, não ao homem. A intenção reta deve ser orientada para Deus, assim nossas obras recebem dele uma “recompensa”. Se fizermos os nossos exercícios e as boas obras para Deus, ele vai nos pagar o salário (recompensa).

Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que, a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa (vv. 2-4).

A esmola é muito recomendada no AT (cf. Is 58,10; Sl 112,5.9; Pr 3,27; 19,17; Eclo 14,2-19 e o livro de Tb), é um gesto de partilha, altruísmo, sinal da compaixão que busca a justiça relativizando o egoísmo da posse. Dar esmola para ser elogiado é esvaziá-la de sentido, é servir a si mesmo e, portanto, falsificá-la.

Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa (vv. 5-6).

Na oração, o ser humano volta-se para Deus reconhecendo-o como único absoluto e reconhecendo a si mesmo como criatura dependente dele, relativizando a autossuficiência. Por isso, rezar para ser elogiado pelos homens é colocar-se no centro, falsificando a oração. Não se trata aqui da oração comunitária que é necessariamente pública; muitos salmos concluem com louvor a Deus “perante a assembleia” (Sl 22,23), mas falam também de orar na cama (Sl 4,5; 77,2-5) e de súplicas de doentes (Sl 6; 38). Jesus fala antes da oração em particular. Deus não está confinado no templo, mas presente em toda parte, embora oculto (Is 45,15; 26,20; 2Rs 4,33; Dn 6,11; Sl 139,2-3).

Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: Eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa (vv. 16-18).

Hoje é mais o médico e menos o sacerdote quem fala sobre o jejum e o recomenda. O jejum é bom para valorizar as coisas necessárias, deixar o materialismo e consumismo, abandonar o supérfluo e os vícios, tornar-se mais livre e menos dependente das coisas materiais. Jejuar é privar-se de algo imediato e necessário, a fim de ver perspectivas novas e mais amplas para sua vida (cf. o jejum de Jesus em 4,1-4p e dos discípulos em 9,14-17p; At 13,2). Orientado mais para o lado espiritual, o jejum apoia a oração. Os alimentos e produtos não consumados servem para dar mais esmolas. Jejuar para aparecer é perder o sentido espiritual. Havia jejuns prescritos e voluntários, públicos por alguma calamidade (Jl 1,14; 2,12) e privados para a súplica (2Sm 12,16). Compare-se se o jejum ritual do dia da expiação (Lv 16,29-31) com a crítica de Is 58,1-7 (cf. Mt 25,31-46).

O site da CNBB comenta: O verdadeiro espírito de conversão quaresmal é aquele de quem não busca simplesmente dar uma satisfação de sua vida a outras pessoas para conseguir a sua aprovação e passar assim por um bom religioso, mas sim aquele que encontra a sua motivação no relacionamento com Deus e busca superar as suas imaturidades, suas fraquezas, sua maldade e seu pecado para ter uma vida mais digna da vocação à santidade que é conferida a todas as pessoas com a graça batismal, e busca fazer o bem porque é capaz de ver nas outras pessoas um templo vivo do Altíssimo e servem ao próprio Deus na pessoa do irmão ou da irmã que se encontram feridos na sua dignidade.

Voltar