20 de setembro de 2017 – Quarta-feira, 24ª semana

Leitura: 1Tm 3,14-16

Na leitura de hoje, o apóstolo está impaciente, escreve, mas deseja ter um encontro pessoal com Timóteo, seu “filho na fé” (1,2), quer oferecer o seu testemunho direto.

Escrevo com a esperança de ir ver-te em breve (v. 14).

Na hipótese de que a carta seja autêntica (do próprio Paulo), deve se tomar essas palavras literalmente: Timóteo fica como delegado interino de Paulo, que espera voltar logo (1Cor 4,19) ou com pequeno atraso (não é o que esperava em 2Tm 4,6-8). Mas se voltar logo, porque escreve uma carta longa com estas instruções? Na hipótese mais provável de que a carta seja posterior (terceira geração cristã, cf. comentário de sexta-feira passada), com nomes simplesmente representativos, as palavras sugerem transferências da autoridade única de um apóstolo à geração seguinte de encarregados; em 6,14 o encargo dura até a parusia (volta de Jesus na glória). Para ambos os casos valem as normas de conduta inculcadas.

Se tardar, porém, quero que saibas como proceder na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e fundamento da verdade (v. 15).

Como Cristo (na parusia; cf. Mt 25,1-13; Lc 12,35-38; 18,7; 2Ts 2,1-7; 2Pd 3,4-10), também Paulo pode tardar.

Todas as listas anteriores e posteriores servem ao propósito desta carta, informar a comunidade como se comportar (“proceder”) como igreja cristã. Nenhuma das duas imagens (Casa de Deus, Igreja de Deus vivo) coloca a igreja contra o mundo, vê o mundo de modo negativo ou é exclusivista.

Quem administra a “casa de Deus” deve ser informado da indeterminação do tempo, que pode abreviar-se ou prolongar-se. “Casa” na Bíblia não é só a construção, mas também seus moradores, ou seja, a família (cf. Js 24,15; 2Sm 7,11s.16; At 16,15.31s) e o povo (casa de Israel, de Jacó, cf. Lc 1,33). Em v. 5, a casa-família do responsável (bispo) se assemelhava a “igreja”, implicitamente como casa a governar. Agora chama a igreja “casa de Deus” ou templo: não um edifício material e sim a comunidade (cf. 1Cor 3,16s; 6,19; Jo 2,21; Ap 22,22) que, com seus responsáveis, sustentam e mantém a verdade do evangelho.

A “Igreja de Deus vivo” (cf. 4,10; Dt 5,26; 2Cor 6,16) é a sua casa, isto é, a sua habitação e a sua família (Nm 12,7; Hb 3,6; 10,21; cf. 1Pd 2,5; 4,17), onde é solidamente conservado o evangelho, verdade que salva (v. 16). Na imagem da “coluna” poderia esconder-se uma reminiscência das colunas do templo salomônico que se chamavam Firme e Forte (1Rs 7,15-22; cf. Gl 2,9).

Não pode haver dúvida de que é grande o mistério da piedade: 

Ele foi manifestado na carne, foi justificado no espírito,

contemplado pelos anjos, pregado às nações, 

acreditado no mundo, exaltado na glória! (v. 16).

 

Uma das características da Igreja é a posse da verdade (v. 15), “o mistério da piedade”. O “mistério” é aqui uma síntese rítmica de nossa fé, tomada talvez de algum hino litúrgico cristão. As cartas pastorais têm diversos fragmentos de hinos ou confissões de fé (2,5s; 2Tm 2,11-13; 4,1).

Em três duplas de membros correlativos, este hino professa as dimensões empíricas e transcendentes de Jesus (cf. 1Pd 3,18s.22), cujo nome não é mencionado, suposto “ele…” no masculino, Cristo; várias testemunhas (por ex. a Vulgata, a tradução de S. Jerônimo em latim) contém o neutro: o sujeito dos verbos seguintes seria então o mistério (cf. Cl 2,2).

Primeira dupla: “manifestado na carne”; ou se refere a encarnação de Cristo, algum tipo de preexistência divina parece estar implicado? (Jo 1,14; 1Jo 1,1-2; cf. Rm 1,3s tem a dupla equivalente; cf. também Lc 1,35, na anunciação da encarnação); ou se refere à sua crucifixão pública; “justificado no Espírito”, mostrado como justo (cf. pela Sabedoria em Mt 11,19p). A justiça e a divindade de Cristo foram especialmente comprovadas pelo fato da sua ressurreição gloriosa (cf. Rm 1,4).

Segunda dupla: “contemplado pelos anjos”, lit: “foi visto”, termo da aparições do ressuscitado; esta aparição deve ser celeste (cf. Hb 1,6); “pregado aos pagãos”, pelo ministério apostólico de Pedro (At 10-11), Paulo e outros (Rm 1,5; 16,25s; Ef 3,3-11; Cl 1,25-27); não menciona expressamente os judeus. Ressalta-se a universalidade do papel de Jesus (cf. 2,5s), uma Igreja católica (universal) tem um salvador católico.

Terceira dupla: o “mundo” e a “glória” são o terrestre e o celeste (sem menção do mundo inferior, dos mortos, como faz o hino de Fl 2,5-11). O verbo “exaltado” ou arrebatado alude à ascensão (At 1,2.11.22) e glorificação (Mc 16,19). No mundo acreditamos, na glória do céu veremos (cf. 1Cor 13,9-13; 2Cor 5,7; 1Jo 3,2).

Os ofícios da Igreja estão unidos às maiores alturas. O mais simples ministério e direito eclesial é administração de uma realidade infinitamente misteriosa, divina e santa. Um percurso celeste e terreno cheio de vida e da graça.

As cartas pastorais refletem um tempo em que a fé cristã estava ficando tolhida por proposições dogmáticas. Já as cartas autênticas de Paulo incluíam hinos e toques de pedra confessionais (Rm 10,9; Fl 2,5-11). Como as cartas pastorais se preocupam com falsos doutores e doutrinas dissidentes (heresias), é pastoralmente apropriado mencionar o núcleo manifesto da fé cristã.

Evangelho: Lc 7,31-35

Nossa liturgia dos dias da semana saltou a pergunta de João Batista (através de dois enviados) e a resposta de Jesus (vv. 18-24). Depois Jesus fala às multidões elogiando o Batista: “Todo o povo que o ouviu, e os próprios publicanos proclamaram a justiça de Deus, recebendo o batismo de João; mas os fariseus e os doutores da lei recusaram ser batizados por João e desprezaram os planos de Deus a respeito deles” (v. 30; cf. 20,3-7). Depois Jesus passa falar em forma de parábola (comparação).

Com quem hei de comparar os homens desta geração? Com quem eles se parecem? (v. 31).

Pelas palavras da parábola seguinte, a “geração” não ficaria definida pela cronologia, mas pela atitude no que tem de típico.

São como crianças que se sentam nas praças, e se dirigem aos colegas, dizendo: “Tocamos flauta para vós e não dançastes; fizemos lamentações e não chorastes!” (v. 32).

A parábola generaliza seu alcance, embora não sejamos capazes de reconstruir exatamente o jogo. Fala de crianças que são convidadas a brinquedos diversos, mas replicam com o clássico “não vou brincar”; seres birrentos a quem nada satisfaz, buscam pretexto para justificar sua reserva.

Pois veio João Batista, que não comia pão nem bebia vinho, e vós dissestes: “Ele está com um demônio!” Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e vós dizeis: “Ele é um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e dos pecadores!” (vv. 33-34).

Não sabemos quando disseram que João estava endemoninhado (sobre Jesus, cf. 11,15-21p; Jo 7,20; 8,48.52). As expressões “comilão e beberrão” encontram ressonância em Dt 21,20 (apedrejamento de filho rebelde). Os apelos de Deus são constantes. João Batista tocou o seu lamento – o chamado à conversão; Jesus a flauta para as núpcias (cf. 5,34p). O Batista é severo demais; é um louco. Jesus come e bebe em todos os lugares e com todas as pessoas, cultiva amizades com pessoas pouco recomendáveis (cf. 5,30p; 7,36-8,2; 15,1s). Os fariseus e os doutores da lei são justos e autossuficientes, mas os publicanos e pecadores ouviram e se converteram (cf. 7,29s; 7,37-50; 18,9-14; 19,1-10; Mt 21,31s).

Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos (v. 35).

A sabedoria (ou sensatez) aparece muitas vezes personificada em Pr e Eclo. Pode se dirigir a seus alunos, chamando-os de “filhos” (Pr 8,32; cf. Eclo 15,2). Enquanto uns a desprezam, outros se abrem ao ensinamento do sábio desígnio de Deus e acreditam na sua sabedoria, revelada na missão do Batista e de Jesus. Numa variação de texto se diz: “por suas próprias obras” (Mt 11,19). Os filhos da sabedoria, isto é de Deus, soberanamente sábio (cf. Pr 8,22), reconhecem e acolhem as obras de Deus.

A parábola descreve como caem no vazio as palavras do profeta e a voz do Filho de Deus. As pregações passam como o vento. Nossa geração de hoje tem outros problemas. As palavras voam no vídeo e no mundo digital. Não temos tempo para ouvir, refletir, meditar (Maria em 2,19.51; cf. 10,38-42), avaliar, tirar as conclusões e mudar de vida.

O site da CNBB comenta: Todos nós somos cristãos, e muitas vezes nos orgulhamos disso, afinal de contas, temos a salvação em Jesus Cristo e a filiação divina, sem contar que somos templos do Espírito Santo. Porém devemos nos questionar se a nossa vida é coerente com o que cremos, pois muitas vezes vivemos uma religião de gestos exteriores, de cumprimento de normas rituais, de práticas religiosas, mas não vivemos o essencial: não somos capazes de amar, não temos os mesmos sentimentos de Jesus Cristo: a misericórdia, a justiça, a fraternidade, a solidariedade. Com isso, o Evangelho soa todos os dias em nossos ouvidos, mas não toca os nossos corações, nem transforma as nossas vidas, e a sabedoria fica longe de nós.

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