19 de setembro de 2017 – Terça-feira, 24ª semana

 

Leitura: 1Tm 3,1-13

A importância da carta pastoral 1Tm está no seu testemunho histórico sobre a organização eclesiástica. Pulando a recomendação sobre o comportamento das mulheres (2,9-13, omitida pela nossa liturgia, cf. a versão mais igualitária em Gl 3,28 e 1Cor 11,2-16), encontramos na leitura de hoje duas categorias que possuem a autoridade e exercem a administração na comunidade. Os termos gregos passaram ao português eclesiástico: bispo (“epíscopos”) e “diácono” (cf. Fl 1,1). Originariamente o primeiro significa vigilante (supervisor), o segundo, servente: um encarregado responsável e alguns assistentes.

Comparada com que sabemos de Paulo em outros documentos, a carta indica um grau mais desenvolvido de organização interna da comunidade (At 20,28 e Fl 1,1 falam de “bispo” ou encarregados no plural, o segundo acrescenta “diáconos”). Era lógico que, com o passar do tempo e consolidando-se as comunidades, buscassem uma organização mais diferenciada. Contudo, se os termos são os mesmos que os nossos de hoje, não é legítimo deduzir que as funções fossem idênticas, por ex. é difícil dizer em que estes bispos se distinguiam exatamente dos presbíteros ou anciãos (4,14; Tt 1,5-7; At 20,17.28). A carta oferece orientações sobre a aptidão de candidatos para cargos estáveis de responsabilidade. As cartas pastorais mostram que as comunidades já possuíam sua organização e critérios para escolha de suas lideranças, mas não podemos confundir os termos bispo ou diácono aqui com os ministérios bem definidos de hoje (por isso, a Bíblia edição Pastoral traduz aqui bispo por “dirigente”).

(Caríssimo) Eis uma palavra verdadeira: quem aspira ao episcopado, saiba que está desejando uma função sublime (v. 1).

A primeira coisa que diz é que a função de “bispo” ou responsável é uma “função sublime” tarefa nobre, à qual alguém capaz pode aspirar. Vêm depois às condições positivas e negativas.

Porque o epíscopo tem o dever de ser irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, prudente, modesto, hospitaleiro, capaz de ensinar. Não deve ser dado a bebidas nem violento mas condescendente, pacífico, desinteressado (vv. 2-3).

O bispo/dirigente deve ser um homem de virtudes (cf. a descrição negativa dos mestres falsos em 2Tm 3,1-9). “Marido de uma só mulher” interpreta-se de duas maneiras: a) se é viúvo, que não se tenha casado de novo; b) que seja fiel à esposa legítima. Daí não se segue que todos fossem casados; parece que Timóteo e Tito não eram.

Deve ser “hospitaleiro”, sobretudo em relação a membros itinerantes de outras igrejas (cf. Rm 12,13; Hb 13,2), “capaz de ensinar”, logo, sua tarefa não é só vigiar, mas também pregação, catequese etc.; “desinteressado”: literalmente, não amante do dinheiro (cf. 6,6-10; 1Pd 5,1-3); pode-se supor que o encargo fosse remunerado (cf. 5,17s; Mt 10,10; Lc 10,7).

Deve saber governar bem sua casa, educar os filhos na obediência e castidade. Pois, quem não sabe governar a própria casa, como governará a Igreja de Deus? (vv. 4-5).

Que tenha demonstrado sua capacidade e acerto como bom pai de família (“casa”); a atuação doméstica é treinamento e garantia para reger a nova família que é a comunidade (cf. v. 15; Mt 12,48-50 p; 13,52).

Não pode ser um recém-convertido para não acontecer que, ofuscado pela vaidade, venha a cair na mesma condenação que o demônio. Importa também que goze de boa consideração da parte dos de fora para que não se exponha à infâmia e caia nas armadilhas do diabo (vv. 6-7).

Um recém-convertido tem pouca experiência na comunidade. A “condenação do diabo” pode ser a que ele sofreu, ou a que provoca por meio da “vaidade” (soberba). Que goze de uma boa consideração da parte dos de “fora”, i.e. dos não-cristãos, a maioria da população. A preocupação das cartas pastorais é evitar certos exageros na doutrina ou excessos de liberdade mal entendida (soberba) que dificultam a aceitação do evangelho (a “sã doutrina”, cf. 1,10) na cultura vigente do Império Romano (cf. 1,5s.15.19; 2,1s; 4,6.9 ; 6,20s etc.)

Do mesmo modo os diáconos devem ser pessoas de respeito, homens de palavra, não inclinados à bebida, nem a lucro vergonhoso. Possuam o mistério da fé junto com uma consciência limpa. Antes de receber o cargo sejam examinados; se forem considerados dignos, poderão exercer o ministério (vv. 8-10).

Do bispo falava-se no singular, dos diáconos no plural. Algumas condições se repetem. É próprio “conservar o mistério da fé” (v. 9; cf. Rm 16,25). Costuma-se entender o corpo de doutrina ou mensagem evangélica; alguns têm pensado na eucaristia como mistério proibido aos pagãos.

Também as mulheres devem ser honradas, sem difamação, mas sóbrias e fiéis em tudo. Os diáconos sejam maridos de uma só mulher, e saibam dirigir bem os seus filhos e a sua própria casa (vv. 11-12).

As mulheres mencionadas eram as esposas dos diáconos (e se refiram talvez também as dos bispos). Sua conduta não devia desacreditar os maridos. Ademais, a exigência de que sejam “fiéis em tudo” sugere também algumas funções na comunidade. Podem ser diaconisas (cf. Rm 16,1). A carta menciona duas categorias de mulheres: as casadas e as viúvas (cf. 5,2-16) e não fala de virgens consagradas (cf. as de 1Cor 7).

Pois os que exercem bem o diaconato, recebem uma posição de estima e muita liberdade para falar da fé em Cristo Jesus (v. 13).

O autor lhes atribui “estima/autoridade” ou capacidade de expor com “muita liberdade” (franqueza, coragem) temas da fé cristã, o que indicaria também uma função catequética. Podemo-nos lembrar do carisma e da coragem do diácono Estevão, primeiro mártir da Igreja primitiva (At 6-7). Em At 6-8, os primeiros diáconos não servem somente às mesas (não só empenham trabalhos sociais), mas também têm funções de pregação, catequese e liturgia.

 

Evangelho: Lc 7,11-17

No evangelho de hoje ouvimos uma narração peculiar a Lc que prepara a reposta de Jesus aos enviados de João (7,22: “os mortos ressuscitam…”).

Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava (vv. 11-12).

Naim é uma aldeia, na estrada de Cafarnaum à Samaria. Desta vez, Jesus encontra uma viúva e um órfão defunto, como nos casos famosos de Elias e Eliseu que ressuscitaram meninos mortos (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,32-37; cf. Pedro em At 9,36-42 e Paulo em At 20,7-12). Jesus já se referiu a estes dois profetas em 4,2-27. Viúvas e órfãos são categorias necessitadas que no AT reclamam atenção especial (cf. Ex 22,21s; Dt 10,18; 14,29; 27,19 etc.; Is 1,17; Jr 7,6; 22,3; Eclo 4,10) e aparecem ainda no NT (Tg 1,27). À luz da simbologia dos profetas, essa viúva sem filhos pode representar a comunidade de Israel, da qual o Senhor se compadece (cf. Is 51,18s; 54,4.8).

Uma “grande multidão” tem compaixão dessa pobre mulher que, depois de perder o marido, perdeu ainda o seu filho único (cf. 8,42; 9,38). Quem vai alimentar esta pobre? Deus mesmo se ocupa deles: “pai de órfãos, protetor de viúvas” (Sl 68,6). Jesus, portador de vida, vai ao encontro da comitiva fúnebre; a sincronia não é casual.

Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe (vv. 13-15).

Jesus sai ao encontro da dor humana com toda a compaixão, e esta mobiliza o poder. É o poder máximo, da vida e a morte: por isso atualiza ditos antigos: “Tu tens poder sobre a vida e a morte” (cf. Dt 32,39; Tb 13,2; Sb 16,13); e à luz da Páscoa, prefigura a ressurreição; porque mostra que a morte não será o caminho sem retorno.

“O Senhor sentiu compaixão”; Lc dá a Jesus o título “Senhor” cerca de vinte vezes nas narrativas (Mt e Mc só uma vez: Mt 21,3; Mc 11,13), sem contar o vocativo “Senhor”, cujo sentido é mais fraco. A tradução grega do AT transcreveu Senhor no lugar de Javé (JHVH), os nossos textos litúrgicos seguem este costume. Em Lc, o poder e a misericórdia (cf. Ex 34,6) de Deus se unem em Jesus cuja palavra é eficaz (cf. a cura anterior do servo á distância, vv. 1-7).

Jesus une a ação à palavra e toca no caixão (ou no lençol mortuário, conforme o costume, o corpo era colocado diretamente sobre uma padiola); é um toque de vida que detém o caminho de regresso ao pó. “Levanta-te!”, o verbo “levantar, despertar” foi empregado desde as origens da crença na ressurreição (Dn 12,2), em Lc ainda em 8,54; 9,22; 18,33; 20,37; 24,6.34 (cf. At 3,15; 4,10; 5,30; 10,40; 13,37; 1Ts 1,10; 1Cor 15,4.12-15…).

Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo.” E a notícia do fato espalhou-se pela Judéia inteira, e por toda a redondeza (vv. 16-17).

O comentário do povo evoca o milagre do profeta Elias e a promessa de Dt 18,15; reconhecem-lhe o título de “profeta”, nada mais (cf. 9,7.19). Mas vislumbra que Deus se faz presente em Jesus: “Deus veio visitar” ou “preocupa-se”, anunciado no hino de Zacarias (1,68.78), segundo uma expressão corrente no AT (Ex 3,16; 1Sm 2,21; Sl 8,5); é o verbo usado por Tiago referindo-se a órfãos e viúvas (Tg 1,27).

Para Lc a “Judeia” designa muitas vezes a terra toda dos judeus e compreende Galileia (4,44; 7,17; 23,5; cf. At 10,37; 28,21).

Maria, a mãe de Jesus, também era viúva e tinha que chorar ainda a morte do filho único. No terceiro dia, porém, o túmulo dele estava vazio. “Não chores!” (v. 13; cf. Jo 20,13.15).

O site da CNBB comenta: Os milagres que Jesus realiza não possuem uma finalidade em si, mas são a expressão de uma realidade maior. Quando vemos o caso do Evangelho de hoje, percebemos duas coisas: primeiro: o nosso Deus é o Deus da vida e da vida em abundância, e tem poder sobre a morte; segundo: o que motiva Jesus a agir é a compaixão com os que sofrem, e isso nos mostra um aspecto muito importante da sua missão, que é a solidariedade com os mais pobres e necessitados. E tudo isso nos revela que Deus veio visitar o seu povo, ser solidário com ele, e esta notícia precisa ser espalhada para todos os homens a fim de que todos possam perceber a presença amorosa de Deus em suas vidas.

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